Origem: Revista O Cristão – Coração

Entregar o Coração a Deus: Uma Perversão do Evangelho

Existe uma história, bastante contada, sobre o chefe indígena norte-americano que buscou obter a salvação oferecendo primeiro seu cobertor e depois sua arma a Deus. Disseram-lhe que presentes como esses não comprariam o favor divino, mas que, se ele quisesse ser salvo, deveria entregar seu coração a Deus.

Bem, isso parece muito certo e bom, mas o autor já se encontrou com pessoas que foram levadas à dúvida e ao legalismo pelo uso dessa mesma frase. Despertados para o senso de sua pecaminosidade e impressionados com a importância de se estar bem com Deus, eles se ajoelham e procuram ardentemente dedicar o coração a Ele. Com uma sensação de alívio por terem feito a “entrega”, eles se levantam, após se ajoelharem, determinados a viver uma vida mais santa no futuro.

Em pouco tempo, porém, eles descobrem, por amarga experiência, que seu coração é tão mau como sempre e que os velhos pensamentos pecaminosos voltam a encher a mente com uma força avassaladora.

Talvez eles pensem que a entrega não foi sincera o bastante; então, com maior fervor do que antes, eles tentam “entregar o coração a Deus” e rogam a Ele para tomá-los e guardá-los. E qual o resultado? Infelizmente, depois que a primeira impressão de alívio e expectativa passa, eles têm de reconhecer novamente sua falta de sucesso e logo concluem que não adianta mais tentar. Então, eles afundam em um estado de alma de dureza e indiferença, e talvez se voltem para as atrações do mundo, lançando-se no turbilhão de prazeres dele, na esperança de amortecer seus sentimentos de decepção.

Para ganhar favor 

Falar de entregar o coração a Deus para ganhar o Seu favor é um grande erro, e surge de três causas: (1) uma avaliação errada de seu próprio coração; (2) um uso incorreto da Escritura; (3) uma ideia errada do evangelho.

Observe cuidadosamente como o coração natural é descrito nas seguintes passagens da Escritura:

“Enganoso é o CORAÇÃO, mais do que todas as coisas, e [desesperadamente – KJV] perverso?” (Jr 17:9)

“Porque do CORAÇÃO procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias” (Mt 15:19).

“E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a Terra e que toda imaginação dos pensamentos de seu CORAÇÃO era só má continuamente” (Gn 6:5).

Essas três passagens são muito claras e diretas, e não precisam de interpretação. Sem dúvida, elas ensinam que o coração humano – o seu e o meu – é naturalmente cheio de enganos, incuravelmente perverso e a fonte de todo tipo de mal, não apenas às vezes, mas “continuamente”.

Com essa descrição diante de mim, será que devo levar, como presente, ao Deus santo algo que Ele mesmo declara ser desesperado por maldade e que supera todas as coisas em engano? Será que isso irá induzir Aquele que é tão puro de olhos que não pode ver a iniquidade a olhar com favor para mim? Certamente, tal presente, em vez de adquirir a boa vontade de Deus, só poderia suscitar Sua santa condenação e ira.

“Dá-me o teu coração” 

“Mas a própria Bíblia não diz: ‘Dá-me o teu coração’?”, alguém pode perguntar. Você se refere a Provérbios 23:26, mas você já notou as duas palavras significativas com as quais esse versículo começa? “Filho Meu”, diz, “dá-Me o teu coração” (TB). Estas duas palavras, “filho Meu”, mostram que a pessoa endereçada mantém uma relação conhecida com Aquele que fala. Mas você é realmente Seu filho? E Ele é mesmo seu Pai? Nem todos podem dizer “Sim” a essa pergunta, pois o Novo Testamento deixa bem claro que todos os crentes no Senhor Jesus Cristo, e somente eles, podem afirmar serem filhos de Deus (Ver João 1:12; Gálatas 3:26). Se você, como pecador culpado, confiou no Salvador e recebeu de Suas benditas mãos o perdão de seus pecados, você realmente é um filho de Deus. Nesse caso, a você a exortação: “Dá-Me o teu coração”, aplica-se com toda a força. Você agora não é mais de você mesmo, mas d’Ele, e constrangido pelo amor d’Ele, será sua maior alegria colocar tudo o que você tem à disposição d’Ele – em outras palavras, dar-Lhe o seu coração. E Ele é digno!

Contudo, até que você possa dizer que foi salvo, por Seu amor e poder, do pior dos destinos, você não tem o direito de arrogar para si privilégios familiares enquanto não pertencer ao círculo familiar. Passagens da Escritura como “Dá-Me o teu coração” e “Oferecei-vos a Deus” (ARA) referem-se apenas aos verdadeiros crentes. Aplicá-las a quaisquer outros é fazer um uso errado delas e semear as sementes de uma triste colheita de decepção e desespero.

Mas o mau uso de tais passagens é geralmente o resultado de um entendimento imperfeito do evangelho. As pessoas não são suficientemente cuidadosas para aprender por si mesmas no Livro de Deus qual é a maneira de Deus de abençoar pecadores.

O evangelho dá 

Existem dois pontos importantes em conexão com as boas novas. Em primeiro lugar, Deus é revelado no evangelho como um Deus que dá. Ele nem sempre apareceu diante dos homens nesse caráter. No Monte Sinai, Ele falou como um Deus que exige, e foi isso que Ele afirmou. “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo a teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento” (Mt 22:37-38 – ARA).

Mas, infelizmente, entre os milhares da humanidade, não se achou nem um só que O amasse de todo o coração. Se a salvação pudesse ser obtida apenas dessa forma, nenhum pecador jamais teria sido salvo. O dia de exigir, porém, terminou, e o dia de dar tomou o seu lugar. A lei diz: Amarás a Deus; o evangelho diz: Deus ama você. A lei exigia amor e obediência do homem e o amaldiçoava porque ele não os proporcionava. O evangelho pressupõe que o homem é incapaz de atender a qualquer justa reivindicação, e, portanto, nada exige, mas traz consigo todas as bênçãos. Deus agora é revelado como o grande e bom Doador.

O dom de Deus 

Se perguntarem: O que causou essa grande mudança? A resposta é logo dada. Além de ser um Deus de incontestável justiça, Ele é um Deus de infinito amor. Ele viu que, a menos que Sua sabedoria elaborasse um plano e a menos que Seu coração fizesse um sacrifício, Ele nunca poderia dirigir-Se aos homens em termos de graça e misericórdia.

Então, em vez de continuar a exigir, Ele deu. E qual foi o dom? O melhor que Ele poderia dar. Ele “amou o mundo de tal maneira que deu Seu Filho unigênito”. Para qual propósito? Para que o Filho pudesse atender tão plenamente às justas reivindicações de Deus que Deus não precisasse fazer mais exigências aos homens, mas pudesse dar livremente tudo o que estava em Seu coração para dar. A maldição foi suportada no Calvário pela Vítima sem mácula, adquirindo para Deus o pleno direito de ocupar o lugar de alguém que dá ao invés de demandar.

O lugar de Deus como alguém que dá 

“Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber” foram as palavras do Senhor Jesus, e, como resultado da obra da cruz, em que Deus foi glorificado, Deus fica com o lugar mais bem-aventurado, e nós temos apenas que ocupar o lugar de gratos recebedores.

“A quem quer que tiver sede, de graça lhe darei da fonte da água da vida” (Ap 21:6). Essa é a maravilhosa mensagem que agora ressoa descendo do céu para este tenebroso mundo de pecado, e como que para enfatizá-la e torná-la de aplicação ainda mais ampla, o convite é acrescentado: “E quem quiser, tome de graça da água da vida” (Ap 22:17). Marque essas palavras de ouro: “[Eu] darei” e “tome”. Em vez de o pecador dar e Deus tomar, é Deus quem dá e o pecador que toma.

Pensar nisso não faz seu coração saltar de gratidão ao Doador de todo o bem? Você deseja responder, de alguma forma, à Sua graça? Diga então como Davi: “Que darei eu ao SENHOR por todos os benefícios que me tem feito?” E seja sua resposta como a dele: “Tomarei o cálice da salvação” (Sl 116:12-13). Simplesmente tomar o que Ele tão livremente oferece seria a melhor maneira de mostrar sua gratidão, e nada poderia agradá-Lo mais do que isso. “[Eu] darei”; “tome”; “tomarei”. Palavras preciosas!

“Graças a Deus por Seu dom inefável” (2 Co 9:15 – ARA).

P. Wilson, Christian Truth, Vol. 13 (adaptado)

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