Origem: Revista O Cristão – Um Caminho Solitário
Estar Sozinho e Estar Solitário
Um filósofo do século XX certa vez fez a afirmação um tanto perspicaz de que “a solidão expressa a dor de estar sozinho e a solitude expressa a glória de estar só”. Para alguns, sozinho e solitário são palavras sinônimas; ficar sozinho é ficar solitário. Para outros, a interação social é valorizada como uma experiência ocasional, mas a maior parte deles é mais feliz quando vive e trabalha em solitude. Contudo, o próprio Senhor disse: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2:18), pois Deus criou o homem com uma necessidade básica de ser amado e compreendido. Apesar das variações de personalidades e preferências, estar demasiadamente sozinho afeta todos nós de forma desfavorável. Nas prisões, uma forma bem conhecida de punição, é o ato de colocar presidiários em confinamento solitário por um período.
Visão de Deus
Para olhar para a solidão e estar sozinho na luz correta, devemos nos voltar à Palavra de Deus e ver a visão de Deus sobre ela. Lemos em Apocalipse 4:11: “Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque Tu criaste todas as coisas, e por Tua vontade são e foram criadas”. Essa criação inclui o homem – o ápice da criação de Deus. Mais do que isso, lemos que quando Deus criou o homem, Ele disse: “Façamos o homem à Nossa imagem, conforme a Nossa semelhança” (Gn 1:26). O homem não precisava somente de companhia humana neste mundo, mas ele também era capaz de ter comunhão com o próprio Deus. Deus estava criando aqueles que poderiam responder ao Seu amor e às Suas reivindicações. Deus era suficiente para Si mesmo em tudo, exceto em Seu amor, pois Ele queria ter objetos para amar.
Mas todos nós sabemos o que aconteceu. O homem acreditou em Satanás, em vez de confiar em Deus e, ao desobedecer à única ordem que Deus lhe dera, arruinou o seu relacionamento com Deus. A separação resultante entre o homem e Deus, com todas as tristezas que o pecado causou, tem sido a verdadeira causa da mágoa e da dor neste mundo. A solidão tem sido uma dessas consequências do pecado, e é muito comum hoje em dia. A Internet trouxe à luz a magnitude do problema. Estima-se que, a todo momento, existem cerca de um bilhão de pessoas online no mundo. Destes, cerca de metade está realizando negócios ou se correspondendo com amigos, enquanto a outra metade está procurando por um amor e um relacionamento. Mas nossa era de mídias sociais, embora tenha facilitado drasticamente a comunicação com os outros, não aproximou realmente as pessoas, nem resolveu o problema da solidão. Muitas pessoas se sentem mais isoladas e solitárias do que nunca.
E, no entanto, há aqueles que levaram uma vida feliz, produtiva e plena, apesar do fato de terem ficado sozinhos a maior parte do tempo. Embora tais indivíduos tendam a ser raros hoje, é prazeroso conhecê-los. Eles parecem irradiar uma paz interior e energia que não depende dos outros. Eles são capazes de interagir com o mundo e com as pessoas, mas não dependem deles. O companheirismo é bem-vindo quando está disponível, mas se não, eles estão contentes em continuar sozinhos. Essas pessoas também costumam estar ocupadas, e o tempo não “está em suas mãos”.
Solidão e envelhecimento
Naturalmente, alguns podem dizer que tudo isso é bom desde que se tenha saúde, algum dinheiro e talvez alguns interesses reais e pessoais que ocupem o tempo. Mas e aqueles que são mais velhos, aqueles cuja saúde já não é a mesma de antes, aqueles que não podem sair e fazer muitas coisas, ou aqueles que não podem ter um hobby ou correr atrás de seus interesses em particular? Há uma resposta para a solidão que pode facilmente se desenvolver, ou sentimentos de inutilidade e autopiedade que podem se arrastar para nosso coração?
Nós já tocamos neste assunto em um artigo anterior da revista “O Cristão” (setembro 2016), onde destacamos o fato de que, até mesmo o mundo reconhece que devemos ter uma vida com significado, e que precisamos ter uma causa acima de nós mesmos. Este simples fato é tão importante, que talvez não estaria fora de lugar mencioná-lo novamente. O indivíduo que está ocupado consigo mesmo nunca é feliz, nem pode ser. Claro, o mundo nunca vai além do que é em si mesmo, e mesmo uma causa fora de nós, embora possa fornecer uma ajuda tremenda para aqueles que se sentem solitários e precisam de estímulo, nunca pode verdadeiramente satisfazer o coração. O coração do homem é grande demais para que qualquer coisa deste mundo possa preenchê-lo. Deus criou nosso coração, e somente Ele pode preenchê-lo.
Primeiro de tudo, é importante reconhecer que não há uma resposta perfeita aqui, neste mundo. Nós vivemos em um mundo de pecado e, como Cristãos, nossos corpos ainda estão sujeitos ao envelhecimento e a doenças. Até que sejamos chamados para casa, nunca poderemos ser perfeitamente felizes, porque nosso bendito Salvador está ausente. Um compositor de hinos colocou isso bem: “Que alegria e bênção completa haveria, além de estar onde Tu estás?” Quando perdemos alguém pela morte, especialmente um cônjuge, a solidão existe e não pode ser negada. Uma viúva recentemente me confidenciou que uma das coisas mais difíceis era ter que, de repente, ir para cama sozinha. Não existe um remédio definitivo para isso.
A perspectiva correta
Mas para obter a perspectiva correta sobre qualquer coisa neste mundo, devemos trazer Cristo na questão, e isso é verdade sobre o assunto que estamos discutindo. Ele estava sozinho durante o Seu caminho neste mundo? Sem dúvida Ele estava, embora essa palavra originalmente não seja usada na Escritura e, ao aplicar essa palavra ao nosso bendito Senhor, devemos ter cuidado ao definir nossos termos. O Senhor Jesus não ficou triste ou infeliz porque muitas vezes esteve sozinho, mas não há dúvida de que sentia falta de companhia empática e amigável. Quantas vezes nós O encontramos sozinho, não tendo ninguém que realmente pudesse O entender! Mesmo entre multidões, quão raramente havia aqueles que realmente tinham empatia para com Ele ou entendiam Sua missão aqui neste mundo! Seu exemplo nos mostra como lidar com o desafio de estar sozinho ou ser solitário.
Andar nos passos do Mestre é, muitas vezes, ficar sozinho – compreender, pelo menos até certo ponto, o que Ele passou neste mundo. É sofrer com Cristo – a experiência mais valiosa e que nos lembraremos por toda a eternidade. Muitos crentes, ao longo das eras, sofreram por Cristo, e não queremos menosprezar isso de maneira alguma. Sua fidelidade sob tortura, mesmo até à morte, lhes dará a coroa da vida. Mas o sofrimento com Cristo é mais profundo e nos identifica com Seus íntimos pensamentos, com Seus sentimentos. É um raro privilégio, pois um dos Seus maiores sofrimentos durante o Seu ministério terrenal, foi o fato de que, na maioria das vezes, ninguém O entendia.
Comunhão ininterrupta
Qual é então a resposta para estar sozinho e talvez também solitário? A primeira e principal resposta é que a solitude nos dá a oportunidade de desfrutar de uma comunhão ininterrupta com nosso Senhor e Salvador. A verdadeira comunhão com Ele é sempre importante, mas, às vezes, na correnteza da vida, nossas interações humanas estão no caminho de um conhecimento mais profundo de nosso bendito Senhor. Quando estamos sozinhos a maior parte do tempo é uma chance de desenvolver um relacionamento mais rico com Aquele com Quem passaremos toda a eternidade. Se essa chance nos é oferecida, não devemos perdê-la.
No entanto, ainda estamos neste mundo e, novamente, o exemplo do nosso bendito Senhor nos mostra o caminho. Lemos sobre Ele: “E, de dia, ensinava no templo e, à noite, saindo, ficava no monte chamado das Oliveiras” (Lc 21:37). Este foi o padrão de Sua vida – tempo sozinho com Seu Pai, e depois incansável serviço aos homens. Assim deveria ser conosco. Se nos encontramos sozinhos, devemos usar o tempo, em primeiro lugar, para cultivar um relacionamento mais completo com nosso Senhor. Mas também devemos procurar oportunidades para servir aos outros e aliviar seus fardos, se possível. Encontrar nosso gozo em servir os outros não é apenas ser como Cristo, é trazer gozo para nós mesmos também. “O que regar também será regado” (Pv 11:25). Servir aos outros não é apenas lhes trazer gozo; isso fará com que nosso próprio coração transborde. Se estivermos ocupados servindo aos outros, não teremos tempo para nos sentir sozinhos ou sentir pena de nós mesmos. Lembro-me bem, há muitos anos, ler sobre um médico que se deparava com uma mulher constantemente ocupada consigo mesma e, assim, desenvolveu muitas doenças, a maioria das quais tinha um grande componente psicossomático. Ele finalmente deu a ela uma receita incomum: “Faça algo para outra pessoa”. Foi um bom conselho; para aqueles que estão ocupados com a autopiedade ou acham que a vida é “chata” vão descobrir que estar ocupado com as necessidades dos outros os eleva acima de seus próprios problemas.
Mas alguns podem dizer: “E se você é velho ou fraco no corpo e acha difícil servir aos outros?” Admitimos que isso nos lança ao Senhor e não há solução fácil. Mas, nada é de maior serviço que a oração, e nada contagia mais um cuidador do que um espírito alegre. O mesmo Jesus de Quem foi dito: “Então, todos os discípulos, deixando-O, fugiram” (Mt 26:56), assegura-nos que “Não te deixarei, nem te desampararei” (Hb 13:5). Quão bom é poder passar pelos momentos solitários da vida na companhia d’Aquele que verdadeiramente compreende, porque sentiu o mesmo! “Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote … Porque, naquilo que Ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados” (Hb 2:17-18).
