Origem: Revista O Cristão – Os Pés
Ferro e Barro
Sem dúvida, muitos Cristãos, cercados por várias comoções e conflitos entre os governantes da Terra e aqueles que são governados, voltaram seus olhos para a Escritura para ver se isso dá alguma chave para a causa dessas contendas.
Felizmente, somos desobrigados por Deus de tomar qualquer parte na política do mundo. “Pois a nossa pátria [cidadania] está nos céus” (Fp 3:20 – TB), e não podemos ser cidadãos de dois lugares ao mesmo tempo. Devemos renunciar a um antes de podermos assumir o outro. Deus nos livrou da cidadania terrenal e nos deu a do céu. Isso também é visto na divisão da humanidade em judeus, gentios e a Igreja de Deus (1 Co 10:32), “a Igreja de Deus” é distinta dos judeus e dos gentios, dentre os quais ela é formada.
Os judeus sob os romanos
Sem dúvida, alguns teriam ficado satisfeitos se tivessem recrutado nosso Senhor, quando na Terra, para defender a causa dos judeus contra a dominação dos romanos. Em certa ocasião, relataram-Lhe como Pilatos cometera a grave profanação de misturar o sangue de alguns galileus com seus sacrifícios. Foi um evento que foi bem calculado para despertar o espírito de um patriota judeu. Mas nosso Senhor imediatamente desviou a atenção deles da indignação por causa de Pilatos para o pecado dos galileus, e dali para o de Seus ouvintes: “Se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis” (Lc 13:3). O povo não se arrependeu, e pereceu com a destruição de Jerusalém pelo mesmo poder romano. Pilatos pode ter abusado de seu poder, como sabemos que ele fez ao condenar nosso Senhor, mas foi uma parte dos tratamentos de Deus que os judeus estivessem sujeitos aos romanos naquela época.
Isso é visto ainda mais quando os fariseus e os herodianos tentaram enredar o Senhor em Sua fala perguntando: “que Te parece? É lícito pagar tributo a César ou não?” Se Ele dissesse: Sim, como Ele poderia ser um bom judeu? E se Ele dissesse: Não, eles teriam algo para acusá-Lo ao governador. O dinheiro que as pessoas estavam usando resolveu a questão no que diz respeito aos romanos. A inscrição no dinheiro foi reconhecida como sendo de César. Então nosso Senhor lhes disse: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22:15-22). Quão simples é a resposta, mas quão sábia! Há certas coisas, como tributo, costume, honra, obediência, etc., que são devidas a César. Que sejam dadas a ele; isso de modo algum entrará em conflito com o que é devido a Deus.
Nabucodonosor vê a imagem
A grande imagem, vista por Nabucodonosor e explicada por Daniel, aponta claramente para diferentes formas de poder governamental. A cabeça da imagem era de ouro fino; seus braços de prata, suas coxas de bronze, suas pernas de ferro e seus pés parte de ferro e parte de barro. Isso referia-se a diferentes reinos, e os reinos que sucedem ao primeiro são explicados como sendo “inferiores”.
Deve-se notar que Nabucodonosor, que foi descrito como “rei de reis”, foi declarado ser “a cabeça de ouro”. Ele era um soberano absoluto: “todos os povos, nações e línguas tremiam e temiam diante dele; a quem queria matava e a quem queria dava a vida; e a quem queria engrandecia e a quem queria abatia” (Dn 5:19).
Essa é a forma de governo que Deus compara ao ouro. O povo tinha simplesmente que obedecer; a responsabilidade do que era ordenado caía sobre o monarca, e como sabemos, Deus o chamou para prestar contas e o puniu severamente.
Os dez chifres (Dn 7:7) concordam exatamente com os dez dedos da grande imagem. A maneira como os imperadores eram frequentemente organizados pelo exército, as disputas que tinham com o povo e a morte violenta que muitos deles sofreram, são vividamente retratadas pelo que lemos sobre o ferro e o barro: “E, quanto ao que viste dos pés e dos artelhos, em parte de barro de oleiro e em parte de ferro, isso será um reino dividido; contudo, haverá nele alguma coisa da firmeza do ferro, pois que viste o ferro misturado com barro de lodo. E, como os artelhos eram em parte de ferro e em parte de barro, assim por uma parte o reino será forte e por outra será frágil. Quanto ao que viste do ferro misturado com barro de lodo, misturar-se-ão com semente humana, mas não se ligarão um ao outro, assim como o ferro se não mistura com o barro” (Dn 2:41-43).
O ferro e o barro
Certamente esta é uma imagem verdadeira do que vemos ao nosso redor. O ferro talvez represente os que estão no poder, enquanto o barro representa o povo. Deus nos diz que eles “não se ligarão um ao outro, assim como o ferro se não mistura com o barro”. Não precisamos nos admirar, então, com os conflitos que existem em tantos lugares. Deus nos advertiu a respeito disso. Lemos sobre alguns no Novo Testamento que “desprezam as dominações” e “não receiam blasfemar das autoridades” (2 Pe 2:10); e mesmo alguns dentro da igreja professa “desprezam a dominação e maldizem as dignidades” (Jd 8 – TB), usurpando uma autoridade que até mesmo os anjos que se destacam em força não se atreveriam a fazê-lo. Tal é o homem em seu orgulho; e ainda assim ele é apenas “barro de lodo” (Dn 2:41).
Graças a Deus, que em meio a todas as contendas ao redor, o dever do Cristão é simples, e o espírito que ele deve manifestar é claramente revelado na Escritura. “Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as autoridades que há foram ordenadas por Deus. Por isso, quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação” (Rm 13:1-2).
Isso foi escrito para os Cristãos em Roma por volta de 59 d.C., quando Nero era imperador, o que deixa claro que a determinação para obedecer às “autoridades que há” não tinha nada a ver com o caráter do governante. Nero era um homem notoriamente perverso, e ainda assim era verdade quanto a ele que “as autoridades que há foram ordenadas por Deus”. Todos os governantes são, é claro, responsáveis perante Deus pela forma como governam o povo, enquanto é dever do povo obedecer àqueles a quem Deus ordenou.
Uma exceção
Há, como sabemos, uma exceção à obediência às autoridades civis, ou seja, quando suas ordens se chocam com o que Deus nos ordenou a fazer. Pedro, quando ordenado pelos governantes de Israel a não falar nem ensinar em nome de Jesus, disse: “Julgai vós se é justo, diante de Deus, ouvir-vos antes a vós do que a Deus. Porque não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido” (At 4:19-20). Em outra ocasião, ele disse: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5:29). Em ambas as ocasiões, foram os governantes religiosos que ordenaram que eles ficassem em silêncio, mas houve casos em que os poderes civis deram ordens semelhantes.
Isso de forma alguma colide com a instrução geral de obedecer aos que têm autoridade. E essa regra simples é uma grande bênção. Muitos do amado povo de Deus, não vendo isso, se misturam nas várias questões políticas e se consideram competentes para julgar o que os governantes fazem e, assim, se envolvem com todas as questões políticas do dia, em grande detrimento de seu progresso espiritual.
Como vimos, nossa cidadania está no céu, e Deus graciosamente nos aliviou de todo cuidado e ansiedade quanto aos assuntos nacionais. Não temos nada a ver com eles: pertencemos a outro país e somos apenas estrangeiros e peregrinos aqui. E o que os estrangeiros e peregrinos têm a ver com a política da terra pela qual estão passando, na qual se hospedam, mas à qual não pertencem?
Que Deus abra os olhos de todo o Seu amado povo para ver essa liberdade feliz que Ele trouxe para eles, e que eles andem como um povo celestial, assim como o próprio bendito Senhor andou quando Ele pisou nesta Terra. Será certamente para a Sua glória e para a própria bênção do Seu povo.
Things New and Old , vol. 33