Origem: Revista O Cristão – Fracasso no Testemunho
Fracasso e a Graça de Deus
Nesta edição de O Cristão, estamos discutindo o fracasso da Igreja e o que isso significa para todos nós. Infelizmente, fracasso tem sido a história do homem desde o princípio de sua criação; ele arruinou tudo o que foi colocado sob sua responsabilidade. Adão e Eva falharam, em inocência, no Jardim do Éden, e em seguida o homem falhou, sob a consciência, de modo que a Terra estava corrompida e encheu-se de violência. Noé se embriagou logo após o dilúvio, e depois Deus foi obrigado a confundir a linguagem do homem, quando construíram a torre de Babel. Então a idolatria se instalou, e o Senhor chamou Abraão para fora dela.
Israel fracassou em todos os testes que o Senhor lhes aplicou: primeiro, sob a lei; depois, sob os juízes, sob o sacerdócio e, finalmente, sob seus reis. O seu julgamento terminou ao crucificarem seu próprio Messias, o Senhor Jesus, e então o teste do homem acabou. Deus não podia submeter o homem a nenhum outro teste; Ele precisa declarar juízo sobre este mundo. Mas, então, Deus revelou o mistério “que desde o princípio do mundo esteve oculto em Deus” (Ef 3:9 – KJV) – o mistério de Cristo e a Igreja. Esta foi uma revelação maravilhosa – algo que Deus não havia revelado de forma alguma no Velho Testamento. Há muitas profecias no Velho Testamento, mas a Igreja não tinha lugar na profecia, pois, como uma companhia celestial, não era objeto de profecia. A profecia diz respeito à Terra; não abrange o que acontece com um povo celestial. Existem figuras da Igreja no Velho Testamento (muitas delas), mas nenhuma profecia direta a respeito dela.
A verdade da assembleia
A verdade da assembleia foi especialmente revelada ao apóstolo Paulo, que foi escolhido por Deus, como ele mesmo diz, para “pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3:8 – ARA). Há riquezas de Cristo no Velho Testamento, e estas podem ser examinadas, agora que temos a luz do Novo Testamento. Podemos ler textos como o Salmo 22, Salmo 69, Isaías 53, Zacarias 12, para mencionar algumas referências. Tais escrituras de fato testificam dos “sofrimentos que a Cristo haviam de vir e a glória que se lhes havia de seguir” (1 Pe 1:11). Mas nada disso é a verdade da assembleia, ou a revelação do mistério de Cristo e a Igreja. Isso teve que esperar até que Paulo entrou em cena e revelou a preciosa verdade desse mistério. De fato, ele reconheceu que havia sido separado desde o ventre de sua mãe para essa responsabilidade e levou muito a sério essa responsabilidade. Todos os propósitos de Deus foram agora revelados, e Paulo podia dizer com confiança: “Nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus” (At 20:27).
Todas as bênçãos possíveis foram dadas à Igreja, pois somos abençoados “com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (Ef 1:3), e toda bênção Cristã é o pico de uma montanha além do qual até mesmo o próprio Deus não poderia ir. Ele “nos elegeu n’Ele [Cristo] antes da fundação do mundo” (Ef 1:4), e “nos ressuscitou juntamente com ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” (Ef 2:6). Somos agora a noiva de Cristo e teremos o lugar mais próximo a Ele na glória vindoura. Poderíamos continuar aqui listando, mas certamente as bênçãos e as revelações que Deus deu à Igreja excedem em muito qualquer coisa que tenha sido dada ao homem em qualquer dispensação anterior.
A graça de Deus
Ao dar tudo isso, a graça de Deus brilhou muito além de qualquer coisa que Ele havia dado anteriormente ao homem. Quando o homem estava totalmente arruinado e falhara em todos os testes que Deus lhe aplicou, precisava haver juízo. A natureza santa de Deus o exigia, e Deus pronunciou juízo. O Senhor Jesus pôde dizer, quando foi rejeitado: “Agora, é o juízo deste mundo” (Jo 12:31). No entanto, em vez de aplicar esse juízo imediatamente, Deus primeiro trouxe bênção por meio da graça que excedia em muito tudo o que Ele havia feito antes. Certamente, com tudo isso, não poderia haver fracasso. Certamente o homem reagiria de maneira correta desta vez!
Mas, como bem sabemos, aconteceu exatamente o contrário. A maior exibição da graça de Deus e as mais abundantes revelações apenas resultaram no que talvez tenha sido o maior fracasso do homem. Isso foi predito desde o princípio, pois o próprio Senhor Jesus previu o fracasso da Igreja, mesmo antes de ser formada no dia de Pentecostes. Várias das parábolas de Mateus 13 mostram claramente a decadência que viria – a parábola do joio, a parábola do grão de mostarda e a parábola da mulher escondendo fermento em três medidas de farinha. Mais tarde, então, Paulo poderia dizer aos anciãos de Éfeso: “Depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não perdoarão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si” (At 20:29-30). A assembleia em Éfeso era uma assembleia onde muitos foram salvos e onde Paulo pôde ministrar a mais elevada verdade que o Senhor lhe dera. Mas o fracasso entraria até mesmo ali. Mais tarde, em cartas como 2 Timóteo, 2 Pedro e Judas, vemos o fracasso chegando antes que os apóstolos fossem levados para casa. Poderíamos mencionar muitas outras escrituras para apoiar isso, mas vamos passar para os nossos dias atuais. Estamos vendo agora o resultado completo de tudo isso, conforme nos é mostrado em 2 Timóteo 3. Estamos nos últimos dias e vemos a Cristandade fazendo coisas muito piores do que aquela parte do mundo que não recebeu a luz do evangelho da mesma maneira.
Desânimo
Podemos facilmente ficar desanimados vendo tudo isso, e deveríamos sentir isso, nos preocupar com isso e derramar lágrimas por isso. Mas na Escritura nunca encontramos o desânimo como parte da reação adequada de um Cristão ao fracasso da Igreja coletivamente. Não, muito pelo contrário. Em 2 Timóteo, podemos ver o peso que Paulo deve ter sentido no coração, quando ele teve que dizer: “Todos os da Ásia me abandonaram” (2 Tm 1:15 – ARA). No entanto, em toda a epístola não há um sinal sequer de desânimo. Por quê? Porque Paulo conhecia a verdade que ele havia ministrado; ele sabia que era a verdade de Deus e que ela honrava a Cristo. Se outros desistiram dela, isso apenas tornava essa preciosa verdade ainda mais valiosa.
Um remanescente
Há mais do que isso, no entanto. Em cada dispensação, quando o fracasso do homem arruinou o que Deus estabeleceu, Deus restaurou o verdadeiro caráter dela, mas apenas em um caráter remanescente. O que queremos dizer com isso? Não gosto de usar a palavra “remanescente”, por ela ter sido usada quase que em excesso em relação ao assunto sobre o qual estamos falando, mas a palavra transmite o pensamento. Um remanescente é uma sobra, um resto, um pedaço que é tirado da roupa original que não temos mais. Contudo, é feito do mesmo tecido e tem a mesma cor do original. Podemos olhar para ele e imaginar como seria o original. Deus sempre agiu assim quando o homem falhou no que Deus lhe confiou. O homem não teve mérito nisso; foi somente a graça de Deus que o fez.
Como observamos, o fracasso da Igreja foi maior do que o fracasso com qualquer relacionamento anterior de Deus com o homem. O maravilhoso é que a graça de Deus, de forma correspondente, foi maior do que em qualquer dispensação anterior, ao restaurar a preciosa verdade da assembleia para nós, embora novamente em um caráter remanescente. Quando Deus começou a trabalhar dessa maneira há quase 200 anos, Ele levantou homens que foram poderosamente usados por Deus para trazer de volta a verdade da assembleia e nos mostrar o que Paulo transmitiu no princípio. A dispensação da graça já é mais longa do que qualquer outra anterior, pois Deus ainda está esperando que mais pessoas venham e sejam salvas. Contudo, Ele também providenciou um caminho que podemos reconhecer e no qual podemos andar em toda a verdade de Deus, e exibi-la, na prática, de uma maneira corporativa. Que graça infinita para aqueles que fracassaram tão profundamente!
Palavras de encorajamento e de advertência
A recompensa pela fidelidade, da mesma forma, é maior também. Quando lemos a recompensa prometida a Filadélfia em Apocalipse 3:12, ela enche nosso coração: “A quem vencer, Eu o farei coluna no templo do Meu Deus, e dele nunca sairá; e escreverei sobre ele o nome do Meu Deus e o nome da cidade do Meu Deus, a nova Jerusalém, que desce do céu, do Meu Deus, e também o Meu novo nome”. Um irmão mais velho costumava nos lembrar de que não há maior encorajamento em toda a Bíblia do que o que temos neste versículo. Não iremos entrar nos detalhes do versículo aqui, mas apenas observar que à medida que o dia fica mais sombrio, a graça de Deus brilha mais forte. Em nenhum lugar isso é mais verdadeiro do que no caráter remanescente da Igreja.
Vamos encerrar com uma palavra de advertência. A abundância de bênção pode às vezes fazer com que esqueçamos nosso fracasso e nos induzir a pensar que somos “tão bons” quanto eles eram nos primeiros dias da assembleia. Cair nessa armadilha é estar enaltecido de orgulho e esquecer que somos um testemunho do fracasso da Igreja, e não da nossa própria fidelidade. Não há limite, em certo sentido, para a bênção que o Senhor pode conceder, mas lembremos que estamos em “dias remanescentes”, não em dias apostólicos. Humildade é o que convém a nós, mas nunca o desânimo, pois o Senhor é o mesmo, Seu Espírito ainda está aqui, temos Sua Palavra em nossas mãos e temos Sua promessa de que “diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode fechar” (Ap 3:8).