Origem: Revista O Cristão – Governo e Cristianismo
As Autoridades que Foram Ordenadas
“Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as autoridades que há foram ordenadas por Deus” (Rm 13:1).
O governo humano, tem sido dito corretamente, encontra sua raiz na autoridade que Deus conferiu a Noé. Não havia tal coisa, propriamente falando, na Terra antediluviana. Adão tinha o mais extenso domínio, mas nenhum poder sobre a vida. “E disse Deus: Façamos o homem à Nossa imagem, conforme a Nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a Terra, e sobre todo réptil que se move sobre a Terra. E criou Deus o homem” (Gn 1:26-27). Não havia autoridade delegada sobre o homem, nem mesmo de tirar a vida do menor animal. Por isso, mesmo o homicídio de um irmão não dava lugar à vingança pelo homem, embora a consciência temesse o golpe retributivo de todas as mãos. “A voz do sangue do teu irmão clama a Mim desde a terra”, disse o Senhor ao culpado Caim, e Ele pôs nele uma marca, para que não matassem o fugitivo. Então se seguiu um longo reinado de gigantesca perversidade e desenfreada impiedade. Finalmente um pregador da justiça foi levantado que os advertiu pelo espaço de 120 anos, antes que Deus varresse a corrupção e a violência da raça nas águas do dilúvio.
A comissão de Noé
Depois dessa catástrofe, uma nova comissão se inicia. Noé e seus filhos têm a responsabilidade Adâmica confirmada, mas eles têm muito mais. Toda coisa que se move, mesmo a erva verde, deve servir de alimento para eles, com exceção do sangue. “E certamente requererei o vosso sangue, o sangue da vossa vida; da mão de todo animal o requererei, como também da mão do homem e da mão do irmão de cada um requererei a vida do homem. Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a Sua imagem. Mas vós, frutificai e multiplicai-vos” (Gn 9:5-7). Evidentemente, o mundo foi então colocado sob novas condições, as quais, em sua essência, continuam e devem subsistir até que um novo e futuro trato de Deus mude a face de todas as coisas, como pode ser extraído de 2 Pedro e outras Escrituras.
O princípio, então, do mandamento divino para Noé e seus filhos permanece verdadeiro e obrigatório até o dia do Senhor. Agora qual é sua principal característica? Claramente, é a entrega da espada de Deus, ou o poder da vida e da morte, nas mãos do homem. “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado”. Essa é a verdadeira fonte e base do governo civil. Isso não surgiu de acordos sociais. Não se desenvolveu gradualmente a partir das relações familiares. Não se originou na usurpação do homem ou de uma classe. Assim como o mandamento de Deus deu-lhe existência, assim nunca poderá deixar de estar revestido de Sua autoridade, quer os homens ouçam ou deixem de ouvir. Se houver alguma parte da ordenação que mais se destaque, é a da responsabilidade do homem derramar o sangue daquele que derrama o sangue do homem. Tal é a exigência de Deus, baseada no fato de que Ele fez o homem à Sua imagem. Mas embora a razão para isso possa se aplicar desde Adão em diante, tal poder não foi delegado até Noé. A noção, portanto, de isso ser, em qualquer espécie ou grau, um direito inerente ao homem, é assim descartada. É um direito de Deus, o qual Ele, desde o dilúvio, Se agradou em confiar à guarda humana, que aqueles em autoridade estão obrigados a executar, em sujeição a Ele, e pelo exercício do qual irão, no futuro, dar conta de si mesmos (Sl 82).
É fácil dizer que Deus retirou ou anulou a comissão dada a Noé e seus descendentes. Mas eu pergunto onde? Quando? Como? E espere em vão a sombra de uma prova.
A promessa a Abraão
Sem dúvida, Deus revelou outros pensamentos e esperanças para a fé de Abraão e de sua semente. Com os pais ele entrou em um novo relacionamento – um concerto de graça e promessa, como provado por Romanos 4 e Gálatas 3 – que não é contrário ao concerto anterior assinado, selado e entregue, se assim posso dizer, a Noé e a seus filhos. Este era um concerto entre Deus e a Terra como um todo; aquele era um concerto especial entre Deus e Seu próprio povo. Por um concerto, a maldade do mundo foi mantida sob controle, pelo outro, os patriarcas peregrinos caminhavam como estrangeiros em uma terra prometida a eles e sua semente como uma possessão eterna. O primeiro concerto ameaçou a violência humana, quando necessário, com a morte, este último liderou os homens que abraçaram suas esperanças, peregrinos na Terra, sob a direção de um Amigo conhecido e Todo-Poderoso. O governo da Terra se estendia em sua própria esfera, abrangendo todas as famílias da Terra. O chamado de Abraão e sua semente tinha seu domínio próprio e peculiar. Entre esses concertos não havia confusão, muito menos contradição.
O governo e o chamado de Deus unidos
É verdade que, depois da libertação de Israel do Egito, o princípio de governo, primeiro delegado a Noé, e o do chamado de Deus, primeiro manifestado a Abraão, foram vistos juntos. Nesse povo escolhido, separado dos gentios como Sua testemunha, Deus desenvolveu Seus caminhos como um Governante. Mas, infelizmente, no Sinai, em vez de eles confessarem seu pecado e implorarem as promessas absolutas feitas aos pais, eles aceitaram as condições de sua própria obediência. O resultado foi a ruína sob toda a variedade de circunstâncias: a lei quebrada antes de ser trazida do monte, o próprio Deus rejeitado, o fracasso sob os sacerdotes, sob os profetas, sob os reis, até que “mais nenhum remédio houve”, e Deus por fim lhes deu nas mãos de seus inimigos. Durante sua existência nacional em Canaã, ninguém pôde fingir que Deus livrou Israel da responsabilidade de punir com a morte.
Governo terreno dado aos gentios
No cativeiro babilônico, Deus separou o princípio do governo terrenal do de Seu chamado, transferindo o primeiro aos gentios. Os quatro grandes impérios apareceram em sucessão, como Daniel e outros escritores inspirados previram e atestaram. O último, o império romano, dominava, como é bem conhecido, quando nosso Senhor nasceu e morreu, e Deus começou a chamar Sua Igreja, escolhida dentre judeus e gentios, como um só corpo aqui embaixo.
A assembleia e o governo
Porém, em Atos dos Apóstolos e no resto do Novo Testamento, é claro e certo que a Igreja não interferia de maneira alguma no governo terrenal, o qual Deus havia colocado nas mãos dos magistrados. Eles tinham, sem dúvida, que ouvir e suportar o opróbrio de que eles tinham “alvoroçado o mundo” e de “procedem contra os decretos de César”, mas isso era falso. O reino de Cristo não é deste mundo. Eles sabiam disso, eles o tinham, e eles não queriam outro. Eles se lembravam de Suas palavras brilhantes sobre eles:’ Eles “não são do mundo, como Eu do mundo não sou”, e eles O esperavam do céu, certos de que aqueles que com Ele sofrem também reinarão com Ele. Como eles nunca resistiam às autoridades pela força, então eles procuravam em seus ensinamentos apoiar, e não enfraquecer, o justo lugar que Deus delegou a eles desde a antiguidade. Assim, o apóstolo Paulo escreveu aos crentes que moravam na cidade imperial: “Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as autoridades que há foram ordenadas por Deus. Por isso, quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação. Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus e vingador para castigar o que faz o mal. Portanto, é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo castigo, mas também pela consciência” (Rm 13:1-5).
O imperador reinante era um pagão e um perseguidor, mas claramente essa não era a questão. A linguagem do Espírito é moldada de modo a excluir as discussões fundadas tanto na profissão quanto na prática do governante. “Porque não há autoridade que não venha de Deus; e as autoridades que há foram ordenadas por Deus”. O que pode ser concebido mais definido por um lado, e mais abrangente por outro? O que mais se opõe ao movimento revolucionário? Os judeus eram então considerados pelos governos dominantes como turbulentos e os Cristãos como detestáveis ao extremo. Parece provável que alguns em Roma, de antigas associações judaicas, achassem difícil reconhecer e respeitar, como sendo de Deus, aqueles governantes que eles viam afundados nas degradações espirituais e morais do paganismo. Sob tais circunstâncias, alguém poderia ter suposto a priori que Deus poderia ter revogado a concessão de poder dos gentios que a empunhava, já que Ele não transferiu esse poder para a Igreja. Mas não! A porta está fechada contra todas as desculpas. “As autoridades que há foram ordenadas por Deus”.
