Origem: Revista O Cristão – Governo e Cristianismo
A Guerra e o Cristianismo
Na edição de março de 2005 da revista O Cristão, consideramos a reeleição de George W. Bush, incluindo algumas observações sobre as implicações de um cargo político Cristão. Agora, outra questão relacionada está surgindo nas notícias, a saber, como os soldados podem manter a fé sob o fogo da guerra. Enquanto a questão pode envolver principalmente os Estados Unidos no momento, a questão é relevante para qualquer indivíduo ou nação que se envolva na guerra hoje em dia.
O governo de Deus no Velho Testamento
A controvérsia não é nova, pois a questão de Deus e da guerra tem sido debatida desde a queda do homem. No Velho Testamento, Deus estava reivindicando a Terra por meio do Seu povo escolhido Israel, e Ele os usou como Seu braço de poder contra outras nações. Isto foi particularmente verdadeiro em sua conquista da terra de Canaã, pois a “iniquidade dos amorreus” e a adoração de ídolos dos cananeus levaram o Senhor a expulsá-los e dar suas terras a Israel. Mais tarde, após o fracasso de Israel, Deus levantou os poderes dos gentios (Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma) como Seu governo na Terra. Os “tempos dos gentios” que foram introduzidos com Nabucodonosor e os babilônios continuam até hoje e não cessarão até a batalha do Armagedom.
Assim, vemos claramente que os governos que Deus instituiu no mundo depois do dilúvio estão aqui conosco hoje. Porque Deus os estabeleceu, Ele espera que eles desempenhem suas funções em Seu temor e Ele os tem como responsáveis pelo modo como eles o fazem. Infelizmente, a guerra tem sido um fator para milhares de anos na administração do homem neste mundo, e os governos têm continuamente usado conflitos armados para aumentar seu poder ou para proteger suas posições. Algumas nações, no entanto, foram à guerra especificamente para tentar corrigir o erro no mundo e libertar os outros da tirania de regimes injustos e opressivos.
Invocando o nome de Deus na guerra
Uma vez que o homem é essencialmente um ser consciente diante de Deus, Deus tem sido frequentemente apelado e Seu nome invocado em favor das nações que estão em guerra. Muitas vezes, tanto no passado como no presente, falsos deuses ligados a falsas religiões foram procurados por ajuda, e algumas dessas ocasiões estão registradas na Palavra de Deus. Quando o verdadeiro Deus foi apelado no Velho Testamento, em uma causa da qual Ele aprovou, Seu povo de Israel podia contar com a vitória, para a Sua glória e a bênção final deles. Sem dúvida houve momentos em que apelos a falsos deuses estavam ligados à vitória, pois Deus está nos bastidores e “faz todas as coisas, segundo o conselho da Sua vontade” (Ef 1:11). Além disso, os apelos ao verdadeiro Deus às vezes estavam ligados à derrota porque o Seu povo estava se refugiando em uma posição exteriormente correta, mas sem a realidade interior. Embora permitisse a derrota em tais circunstâncias, Deus sempre vindicou Seu nome de outras maneiras, mesmo que Seu povo estivesse andando mal.
O pior do homem
Em nossos dias, descobrimos que as guerras são frequentes, seja em grandes conflitos envolvendo muitas nações ou em combates menores envolvendo apenas algumas nações ou grupos étnicos. Em tais guerras, sejam elas grandes ou pequenas, muitas vezes as piores coisas da natureza pecaminosa do homem surgem, e são cometidas atrocidades que eles justificam pelo fim que é buscado. O nome de Deus é trazido à cena para justificar tudo isso, muitas vezes pelos dois lados, pois cada um vê a si mesmo como estando com a razão. Mesmo que as atrocidades não sejam conscientemente cometidas, ainda que o próprio ato de fazer a guerra, especialmente nestes dias de armas sofisticadas, resulte numa terrível carnificina que dificilmente pode ser imaginada por aqueles que não a experimentaram.
Envolvimento em corrigir as coisas
Para os crentes que vivem em uma nação Cristã professa, a guerra provou ser um assunto difícil de enfrentar. Por um lado, quando vemos iniquidade e injustiça no mundo, é tentador querer nos envolver diretamente e acertar as coisas. Se isso envolve guerra e derramamento de sangue, podemos procurar justificá-lo com base no fato de que é necessário lidar com o mal para promover o bem. Isto é particularmente verdadeiro para as nações Cristãs, como a Grã-Bretanha no século XIX e os EUA hoje. Por outro lado, muitos crentes se perguntam como isso pode ser reconciliado com a mensagem de amor e graça de Deus nesta dispensação e com o mandamento do Senhor Jesus de “amar a vossos inimigos” (Mt 5:44).
Como sempre, encontramos a resposta na Palavra de Deus. É verdade que Deus estabeleceu o governo na Terra, pois não há outro modo de refrear os impulsos pecaminosos do homem caído. Por essa razão, Paulo nos lembra: “Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores. Porque não há autoridade que não venha de Deus; e as autoridades que há foram ordenadas por Deus” (Rm 13:1). De acordo com isso, ele prossegue dizendo que “Porque ela [a autoridade] é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus e vingador para castigar o que faz o mal” (Rm 13:4). O governo pelo homem continuará até que o Senhor Jesus venha e reine em justiça, e até então nenhum governo será perfeito, porque é administrado pelo homem caído. No entanto, o governo ainda é “o ministro de Deus”, e o crente é chamado a se submeter a ele, mesmo que, como Daniel lembrou a Nabucodonosor, às vezes Deus Se agrada em estabelecer no governo “o mais vil dos homens” (Dn 4:17).
O lugar do Cristão
No entanto, as Escrituras são claras de que o Cristão não tem lugar no governo hoje, pois o Cristianismo e o governo não se misturam. Pela mesma razão, o crente, na verdade, não tem lugar na guerra também. Porque temos uma nova vida em nós que se deleita na justiça, somos constantemente sobrecarregados pela crescente onda do mal neste mundo e podemos ser tentados a querer endireitar as coisas. Fazer isso, porém, é ser como os coríntios, a quem Paulo teve que dizer: “Já estais fartos! Já estais ricos! Sem nós reinais!” (1 Co 4:8). Não é a hora de reinar ou consertar as coisas, pois nosso bendito Salvador foi rejeitado. Até que Ele tenha o Seu lugar de direito, nada estará certo neste mundo. Nós não devemos reinar antes do tempo.
Mais do que isso, ir à guerra e procurar “corrigir o erro” é comprometer nossa posição como cidadãos celestiais e estragar nosso testemunho do amor e da graça de Deus. Há quase 150 anos, um servo piedoso do Senhor estava atravessando o Atlântico em um navio da marinha britânica. Os marinheiros de alguma forma descobriram que ele não apoiava a posição de Cristãos indo para a guerra, e um dia um número deles o cercou no convés, querendo saber por quê. Naquela época, a Grã-Bretanha era reconhecida como um importante “policial” do mundo, um papel que passou em grande parte para os EUA hoje. Sua resposta foi excelente e na linguagem que eles entenderam. Ele disse: “Rapazes, eu acredito em um jogo justo. Suponha que eu vá para a guerra e encontre um incrédulo do lado inimigo. Nós atiramos um no outro: Ele me mata e eu mato ele. Ele me envia direto para o céu, enquanto eu o envio diretamente para o inferno. Rapazes, eu não chamo isso de jogo justo”. Pior ainda, quão sério é pensar que um crente indo para a guerra pode se encontrar lutando contra um outro companheiro crente de outra nação.
Embaixadores celestiais
Se nós, como Cristãos, entendermos nosso chamado celestial e entendermos nosso papel aqui neste mundo como embaixadores, veremos prontamente que não temos lugar nos conflitos deste mundo. Nós seremos gratos por qualquer medida de lei e ordem que experimentamos, pois “A justiça exalta as nações, mas o pecado é o opróbrio dos povos” (Pv 14:34). No entanto, não procuraremos nos identificar com nosso país de cidadania natural, seja em sua justiça ou pecado, mas nos veremos como os chamados para fora deste mundo e parte da Igreja que foi formada por todas as nações. Procuraremos promover os interesses de Cristo aqui em baixo, pregar Sua mensagem de amor e graça e esperar que o Senhor venha e nos leve para casa.
O dia do Senhor
A Escritura nos diz que Deus tratará com o mal quando nosso Senhor voltar em poder e glória para tomar o Seu lugar de direito. O derramamento de sangue e a destruição daquele dia serão terríveis e, ao contrário de hoje, ninguém escapará. Relativo a esse tempo, lemos que “o lagar foi pisado fora da cidade, e saiu sangue do lagar até aos freios dos cavalos, pelo espaço de mil e seiscentos estádios” (Ap 14:20). Além disso, lemos que o Senhor Jesus irá “ferir com ela as nações; e Ele as regerá com vara de ferro e Ele mesmo é o que pisa o lagar do vinho do furor e da ira do Deus Todo-poderoso” (Ap 19:15). Quando o julgamento estiver terminado, Deus irá inaugurar o Milênio, onde reinará a justiça. Naquele tempo, “não levantará espada nação contra nação, nem aprenderão mais a guerrear” (Is 2:4).
As armas de nossa guerra
Mas não há guerra para o crente hoje? De fato, há. Paulo pôde dizer a Timóteo para “Militar a boa milícia da fé” (1 Tm 6:12), e ele também pôde dizer aos coríntios que “as armas da nossa milícia não são carnais, mas, sim, poderosas em Deus” (2 Co 10:4). Então, em Efésios 6:11 nos é dito: “Revesti-vos de toda a armadura de Deus”, a fim de realizar tanto a guerra defensiva quanto a ofensiva.
Em particular, Paulo nos diz para ter “calçados os pés na preparação do evangelho da paz” (Ef 6:15). Isso pode parecer uma contradição, pois um guerreiro não é normalmente um homem de paz. No entanto, a contradição é apenas na aparência. O Cristão mais gentil deve ser um guerreiro severo, e seu poder em conflito com o inimigo será proporcional ao seu poder como pacificador. A menos que ele seja um homem de paz, ele não pode ser um homem de guerra. O Cristão deve primeiro ser governado pela verdade – “tendo cingidos os vossos lombos com a verdade” (Ef 6:14) – e deve andar com integridade de coração. Isso resulta em consistência de conduta, e ele buscará a felicidade de outros, sejam pecadores ou santos. Então o crente, como um homem de paz, estará pronto para a guerra contra “as astutas ciladas do diabo”, contra “os príncipes das trevas deste século”, contra “as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (Ef 6:11-12). É esse tipo de guerra em que o crente deve se engajar hoje.
Podemos estar certos de que Deus julgará o mal, mas a nossa parte é ser uma testemunha de Cristo no meio do mal, como Ele foi durante o Seu ministério terrenal, enquanto aguardamos o Seu retorno.
