Origem: Revista O Cristão – Vida e Morte
Graça, a Restauradora de Noemi
“Onde o pecado abundou”. Essa é a chave para o primeiro capítulo de Rute. A glória da graça de Deus brilha contra o fundo de trevas da ruína que o pecado introduziu. O último versículo de Juízes nos diz que “cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos”; o primeiro versículo de Rute nos dá de forma curta e simples o duplo efeito da vontade do homem em ação.
“Houve uma fome na terra”
A primeira vez que o homem fez sua própria vontade foi ao tentar fazer melhor para si mesmo do que Deus havia feito por ele. Em vez de ganhar, ele perdeu tudo e teve que ser expulso do Jardim. Em seu orgulho, o homem pensa que pode prosseguir sem Deus, mas a fome logo vem e, embora o homem seja muito sábio e tenha buscado muitas invenções, ele nunca inventou nada tomasse o lugar do pão. Quando nossa vontade está agindo e Deus tira o sustento do pão, podemos comer, mas não ficamos fartos (Lv 26:26). Se eu tivesse o mundo inteiro à minha disposição para fazer o que quisesse com ele, meu coração ainda estaria vazio. Nada no mundo pode satisfazer a fome que a vontade do homem causou.
Mas a fome, a princípio, apenas afasta o coração do homem para longe de Deus, e essa é a próxima coisa que temos no primeiro versículo de Rute.
Os campos de Moabe
O efeito da fome é enviar Elimeleque, sua esposa Noemi e seus dois filhos, Malom e Quiliom, para longe da casa do pão, para longe da terra onde Deus ainda habitava (embora esquecido pelo tolo), cruzando o Jordão em direção à terra de Moabe. Moabe era a terra da concupiscência (veja a história da triste paternidade de Moabe em Gênesis 19:36-37).
Quando sentimos pela primeira vez a miséria e o vazio causados pelo pecado, nosso coração se volta ansiosamente por alívio para as concupiscências do pecado, os prazeres do pecado por um tempo, mas a história dessa jornada é logo contada. “Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte” (Tg 1:15).
Primeiro Elimeleque, cujo nome significa “Deus é Rei”, morre. A autoridade de Deus se foi; o vínculo entre Ele e o pobre e obstinado homem é quebrado. Então os dois filhos, cujos nomes dizem algo sobre o fruto amargo do pecado (Malom significa “doença” e Quiliom “definhando”), morrem. Noemi, cujo nome significa “minha delícia”, é deixada sozinha e se torna vazia e amarga. E assim, em cinco versículos, o Espírito de Deus nos dá uma imagem de uma cena em que o pecado abundou, uma cena como a que a Terra deve ter apresentado pela primeira vez quando as águas do dilúvio diminuíram – uma cena de esterilidade, desolação e morte.
Tal é o fruto da vontade do homem, e quantas vezes pobres corações em miséria foram levados a tal lugar, de Noemi até Mara, da delícia à amargura, e amargura que não conhece alívio, nada restou – “ficando assim esta mulher desamparada”. Nada poderia ser mais expressivo do que essa breve palavra, do estado da alma que inicialmente nos leva a uma percepção de nossa necessidade de Deus.
Deus visitou Seu povo
Ela ficou desamparada de tudo, menos de Deus, e Ele, sempre O mesmo, faz com que cheguem aos campos de Moabe, e aos ouvidos da viúva desamparada, as boas novas de que Ele visitou Seu povo com pão. Que bênção! Deus visitou Seu povo – vindo Ele mesmo para suprir a necessidade que a vontade orgulhosa do homem causou. Esse é o evangelho. A adversidade do homem é a oportunidade de Deus. O deleite de Deus é dar, mas somos orgulhosos demais para receber até que estejamos tão quebrados, “desamparados” de tudo, que a notícia de Sua graça toca nosso profundo senso de necessidade. Então chegamos à conclusão de que Ele deu Cristo para suprir a necessidade de um pobre coração vazio que o mundo inteiro nunca poderia satisfazer.
Mas a partir desse ponto, o Espírito de Deus nos ocupa com aquela que será o vaso dessa graça. Primeiro nos mostrando em Noemi a maneira de Deus esvaziar, Ele então nos mostra em Rute a maneira de Deus encher. Para que Ele possa ser totalmente glorificado, tudo o que é do homem deve ser colocado de lado. Noemi tinha algum direito; Rute não tinha nenhum. Então Ele passa por Noemi e, para que tudo seja de Si mesmo, Ele atrai o coração de uma pobre jovem moabita, que por Seu próprio decreto tinha sido excluída para sempre do lugar onde Sua presença habitava em bênção entre Seu povo (Dt 23:3). Descobrimos então, como é sempre o caminho de Deus, que Sua graça superabunda. Ele age de uma forma totalmente inesperada. Em vez de apenas trazer Noemi de volta e abençoá-la, como Ele pretendia fazer, e colocar isso diante de nós como a imagem de Sua graça, Ele escolhe uma estrangeira sem direito ou título de qualquer tipo, a traz para fora de seus campos de Moabe, o único lugar que ela conhecia, e realmente a torna o vaso de Sua graça, para alcançar o mundo inteiro em Cristo, para ser o canal de bênção para Noemi e para mim.
Esse é o tipo de graça que nos é apresentado neste pequeno e maravilhoso livro. Ela chega ao ponto em que, com a morte, não lhe restava mais nada. Então, apesar do testemunho infeliz de Noemi, Deus atrai; Ele atrai Rute para fora dos campos de Moabe. E então o que acontece? “Rute… teve um filho. Disseram então as mulheres a Noemi: Bendito seja o Senhor, que não te deixou… ele será restaurador da tua vida” (Rt 4:13-15 – AIBB).
