Origem: Revista O Cristão – Graça e Governo
Graça em Governo
Muitas vezes tem sido corretamente declarado que a graça e o governo são aspectos separados dos tratamentos de Deus para com o homem, e que enquanto andam juntos, eles não anulam um ao outro. A graça não cancela o governo, mas o governo também não revoga a graça. No entanto, há outra característica mais importante dos caminhos de Deus para conosco, e é que Deus nunca permitirá que o governo se torne mais proeminente do que a Sua graça. Pelo contrário, a graça sempre será predominante, pois Deus Se deleita em abençoar. Alguém comentou com mais propriedade que “Deus é luz, e nós O fizemos um Juiz por causa dos nossos pecados, mas Deus também é amor e ninguém precisa fazer algo para que Ele seja assim”. Quando a necessidade de julgamento e governo houver passado, graça e amor serão celebrados por toda a eternidade.
O bezerro de ouro
Há uma série de ocasiões, tanto no Velho como no Novo Testamento, em que vemos esta preciosa verdade sendo exibida. Quando os filhos de Israel pecaram seriamente ao fazer o bezerro de ouro, o justo julgamento de Deus exigiu que eles fossem consumidos (Êx 32:9-10). Mas Moisés, sem dúvida, com a mente do Senhor, intercedeu pelo povo, e Deus agiu em graça. Sua graça não eliminou Seu governo, pois lemos que “caíram do povo, aquele dia, uns três mil homens” (Êx 32:28). No entanto, Deus em Sua graça foi capaz de continuar com Seu povo e perdoar seu pecado, embora o tabernáculo não estivesse mais no meio do acampamento.
Mais tarde, vemos a mesma graça em relação ao próprio Moisés. Seu pecado de ferir a rocha em vez de falar com ela (Nm 20:7-11) resultou em que não fosse permitido que ele conduzisse o povo para a terra de Canaã. No entanto, o Senhor deu-lhe um sinal de honra, em que Ele o levou até o topo da montanha de Nebo (Pisga), onde ele foi capaz de ver quase toda a terra, de norte a sul. Para ver o máximo da terra como está registrado (Dt 34:1-4), ele teria que ver quase 160 quilômetros em todas as direções. Já que o Monte Nebo fica a apenas 700 metros acima do nível do mar, isso foi um milagre que o Senhor realizou, pois ver esta distância de modo natural a partir dessa altura normalmente teria sido impossível.
Sansão
Chegamos a Sansão, que foi duas vezes libertado de mulheres com as quais ele não deveria ter mantido companhia, mas na terceira vez, quando ele namorou com Dalila, Deus em Seu governo permitiu que ele fosse dominado pelos filisteus. Mas a graça interveio no final, quando Sansão pediu mais uma vez para ser fortalecido pelo Senhor (Jz 16:28). Deus atendeu ao seu pedido, e ao romper as colunas de sustentação do edifício em que ele estava na época, “foram mais os mortos que matou na sua morte do que os que matara na sua vida” (Jz 16:30). Não somente milhares de filisteus foram mortos neste tempo, mas a glória de Deus foi reivindicada, pois os filisteus haviam atribuído sua vitória sobre Sansão ao seu deus Dagom.
Davi
Passaremos agora para Davi, e todos nós estamos familiarizados com o seu pecado com Bate-Seba. A graça de Deus perdoou seu pecado (2 Sm 12:13), mas o governo de Deus exigiu que ele retribuísse quadruplicado. De fato, o próprio Davi pronunciou sua própria sentença (2 Sm 12:6), quando Natã, o profeta, usou uma ilustração para transmitir a Davi a gravidade de seu pecado. Na verdade, Davi pagou quadruplicado, quando quatro de seus filhos morreram após isso – primeiro o bebê que nasceu de Bate-Seba, depois Absalão, Amnom e, por fim, Adonias. No entanto, é evidência da graça de Deus que Adonias não morreu antes de Davi; ele não viveu para ver o resultado final do governo de Deus.
Finalmente, quando chegamos ao Novo Testamento, realmente encontramos a graça de Deus em abundância. Enquanto descobrimos que o governo de Deus continua a operar, ele pode ser chamado de governo do Pai, pois estamos agora em um relacionamento muito mais íntimo com Deus neste dia de Sua graça. A graça de Deus certamente estava ativa no Velho Testamento, mas toda a ordem de coisas antes da cruz era da lei, onde o homem estava sendo testado. Agora, Deus está lidando com este mundo em graça, e os crentes desfrutam de um relacionamento que nunca foi experimentado antes.
Saulo de Tarso
De acordo com essa relação, encontramos o governo do Pai exemplificado no amado apóstolo Paulo. Como Saulo de Tarso, ele merecidamente caiu sob o governo de Deus como incrédulo, pois ele perseguiu a Igreja de Deus. Mas a graça o tomou e fez dele possivelmente o maior servo que o Senhor já teve. No entanto, sua vida, mesmo como Cristão, não foi livre de falhas.
Depois de ministrar aos gentios por muitos anos, ele desejou muito ir a Jerusalém, para buscar a bênção de sua própria nação, os judeus. Apesar do fato de que o próprio Senhor lhe dissera que “porque [os judeus] não receberão o teu testemunho acerca de Mim” (At 22:18) e que o testemunho universal de seus irmãos era que ele não deveria subir a Jerusalém, Paulo foi em frente. Quando estava em Jerusalém, ele até chegou a ponto de participar de um ritual judaico de purificação, junto com quatro homens judeus (At 21:17-26). Isso acabou resultando em uma rebelião dos judeus e na prisão de Paulo pelos romanos.
A prisão de Paulo
Não podemos deixar de admirar o zelo de Paulo por sua própria nação, mas ele sofreu sob o governo de Deus por ir contra a direção expressa de Deus para ele. Ele passou mais de dois anos na prisão em Cesaréia, depois mais dois anos de prisão em Roma, e entre esses períodos de prisão ele teve uma jornada muito perigosa de Cesaréia a Roma. Contudo, em tudo isso, vemos a abundante graça de Deus.
Antes de tudo, o Senhor deu a Paulo duas comunicações muito especiais ao longo do caminho (At 21:11; 27:23-24), assegurando-lhe o Seu amor e cuidado e dizendo-lhe para ter “bom ânimo” e “não temer”. Apesar de seu fracasso, o Senhor confirmou a ele que Ele poderia, e continuaria usando a ele em bênção para outros. Mais do que isso, ele recebeu a oportunidade única de falar em particular e publicamente diante de alguns dos mais altos líderes romanos, como o Senhor havia predito por Ananias (At 9:15). Finalmente, a graça de Deus triunfou em que durante o tempo de Paulo em Roma, ele foi capaz de escrever as chamadas “epístolas da prisão” de Efésios, Colossenses, Filipenses e Filemom (Segunda Timóteo também foi escrita de uma prisão romana, mas não ao mesmo tempo que as outras). Deus prevaleceu para que a Igreja pudesse em todos os séculos ter o benefício do ministério de Paulo, pois não há dúvida de que o que ele escreveu teve um efeito muito mais difundido do que o que ele pregou durante sua vida.
Tudo isso foi realmente o governo do Pai, que por um lado fez o Seu servo sentir o efeito do seu fracasso, mas ainda o encorajou ao longo do caminho e usou tudo para abençoar no final. Enquanto não há desculpa para o nosso fracasso, Deus olha para os motivos do nosso coração e não permite que Satanás prevaleça por meio desse fracasso. Deus é de fato um Deus de governo, de acordo com Seu caráter de luz, mas Seu governo é moderado com Sua graça e triunfa no final.
