Origem: Revista O Cristão – Nazireado
Graus do Nazireado
No artigo anterior, abordamos as três características do nazireu: evitar o uso de vinho ou bebida forte, deixar o cabelo crescer e não tocar em nenhum corpo morto. Desses, deixar o cabelo crescer era decididamente um sinal exterior que todos observariam imediatamente. Beber vinho poderia ser feito ocasionalmente em segredo sem ninguém perceber, e certamente comer uvas, que também era proibido, poderia ser feito em segredo. O mais importante de tudo é que ele poderia tocar um corpo morto em algum momento, e, se ninguém estivesse olhando, ninguém saberia a menos que o nazireu o revelasse.
A esse respeito, é importante notar que não era permitido ao nazireu exibir o sinal exterior sem ter a realidade interior. Se ele “contaminar a cabeça de seu nazireado”, mesmo que isso ocorresse quando alguém viesse a “morrer junto a ele… subitamente”, então ele deveria raspar a cabeça, como um sinal de que ele havia quebrado seu voto. Seu tempo até aquela data era perdido; ele deveria começar de novo. Para ser um verdadeiro nazireu, todos os três aspectos de seu voto deveriam ser mantidos.
Ao considerar esses aspectos do nazireado, acredito que o Espírito de Deus nos instrui, em figura, sobre como podemos estar em desiquilíbrio em nosso caráter nazireu. Mais do que isso, somos lembrados de que houve apenas Um que exibiu perfeitamente todas as características do nazireu.
Um nazireu desde o ventre
Se olharmos para Sansão, lemos que o anjo anunciou à mãe que ela daria à luz um filho e que ele seria “nazireu de Deus desde o ventre” (Jz 13:5). Assim, sua mãe foi instruída: “guarda-te de que bebas vinho ou bebida forte, nem comas coisa imunda” (Jz 13:4). Em princípio, essa instrução abrangia duas facetas do nazireu – evitar o vinho e evitar qualquer impureza. Deixar o cabelo crescer não seria aplicável no caso de uma mulher.
Podemos notar de passagem que foi para a mãe de Sansão que o anjo foi enviado, embora o nome dela não seja citado. Seu marido Manoá certamente estava envolvido e interessado, mas parece que sua esposa era a mais espiritual dos dois. Foi a ela que o anjo apareceu pela segunda vez, quando seu marido quis saber mais sobre como criar o filho prometido. Foi ela quem teve o discernimento e foi capaz de acalmar os medos de seu marido quando ele pensou que eles morreriam por terem, como ele pensou, “visto a Deus” (Jz 13:22). Além disso, quando Sansão mais tarde desceu para tomar uma esposa das filhas dos filisteus, notamos que, no final, apenas seu pai é mencionado (Jz 14:10). Isso nos faz pensar se sua mãe tinha dúvidas mais profundas sobre essa união ímpia.
O sinal exterior
No entanto, com Sansão, descobrimos que em seu nazireado a ênfase estava em seu cabelo crescido, e não há menção de que ele evitasse o vinho ou qualquer contato com o morto. Na verdade, é difícil imaginar uma festa envolvendo os filisteus, durando uma semana inteira, sem vinho envolvido (veja Juízes 14:10-17). No entanto, a Escritura não nos diz se ele participou dela ou não. Da mesma forma, Sansão estava constantemente envolvido em combate contra os filisteus, tocando ainda o corpo do leão que ele havia matado e no qual havia um enxame de abelhas. Dessa forma, ele certamente foi contaminado pelos mortos muitas vezes, mas não há registro de que ele tenha tomado conhecimento de que isso afetava seu nazireado. Em resumo, então, e em figura, podemos dizer que Sansão levava o sinal exterior de um nazireu e certamente era usado pelo Senhor, mas sua diligência naquilo que fala de consagração interior estava em falta, e isso acabou sendo sua queda.
Gozos terrenais
Se formos para o Novo Testamento, para João Batista, novamente encontramos uma ênfase especial, desta vez em evitar vinho e bebida forte. Sua mãe aparentemente não recebeu nenhuma instrução especial sobre si mesma, mas foi dito a ela que seu filho “não beberá vinho nem bebida forte”. Mas então algo muito importante foi adicionado: “e será cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe” (Lc 1:15). A Escritura tem o cuidado de não dizer que ele era habitado com o Espírito Santo, pois isso não poderia acontecer até que nosso Senhor Jesus houvesse consumado a obra da redenção e subido de volta ao céu. Mas João era cheio do Espírito Santo, e, embora nenhuma menção específica seja feita de seu cabelo ou se ele alguma vez tocou em um corpo morto, descobrimos que ele foi fiel ao Senhor, em vez de falhar como Sansão. O próprio Senhor lhe fez o maior elogio, dizendo que “entre os nascidos de mulheres, não há maior profeta do que João Batista” (Lc 7:28).
O que caracterizava João era que ele evitava as multidões e todo o convívio social que ele pudesse ter. Ele estava “nos desertos” antes mesmo de começar seu ministério público e, quando começou esse ministério, ele estava “pregando no deserto” (Mt 3:1). Tudo isso era tipificado pelo fato de ele evitar vinho e bebida forte, o que fala de gozo terrenal. Embora tudo isso fosse adequado para João e fosse devidamente característico do serviço que lhe foi confiado, mais uma vez, vemos, em figura, o imperfeito equilíbrio que inevitavelmente existe mesmo no melhor dos servos de Deus.
Um nazireu em caráter
O apóstolo Paulo certamente também foi um nazireu em caráter, embora o termo não seja especificamente aplicado a ele. Ainda assim, em uma ocasião ele estava evidentemente pronto para fazer o voto de nazireu sob as condições do Velho Testamento. Ele estava totalmente preparado exteriormente para se identificar com vários homens Judeus que tinham cumprido voto de nazireu e estavam prestes a raspar a cabeça (veja Atos 21:22-26). Deus misericordiosamente interveio e impediu Paulo de se envolver nisso, pois teria sido tornar a “edificar as coisas” que ele havia destruído (Gl 2:18). Teria sido uma séria mancha em seu chamado como apóstolo dos gentios. Novamente, vemos essa falha em alguém que, de outra forma, exemplificava grandemente o caráter nazireu.
Houve Um – nosso Senhor Jesus Cristo – que mostrou o caráter nazireu em absoluta perfeição. Ele não exibiu esse caráter da maneira exterior de acordo com a descrição dada em Números 6, mas sim de maneira espiritual. Nosso bendito Senhor certamente bebeu vinho em algumas ocasiões e tocou muitos corpos mortos – os quais Ele ressuscitou. Não temos nenhuma razão bíblica para pensar que nosso Senhor Jesus tinha cabelos crescidos. É muito provável que todos os sinais do Velho Testamento do verdadeiro nazireu estivessem ausentes em nosso Senhor Jesus. Mas devemos deixar esse assunto para uma consideração mais completa em outro artigo.