Origem: Revista O Cristão – Simão Pedro

A História de Simão Pedro

A história de Simão Pedro é profundamente instrutiva e retrata uma visão de todo Cristão, desde o primeiro passo no conhecimento de Cristo até o estado em que o Espírito Santo pode, sem impedimentos, mostrar Seu poder. Durante esse intervalo, toda a energia da graça se revela, conduzindo a alma ao conhecimento de Cristo e dos privilégios Cristãos. Vemos também o quebrantamento da alma, necessário para permitir que o crente, depois de ter perdido a confiança em si mesmo, perceba seus privilégios e siga o Senhor no caminho traçado por Ele.

A história de Pedro na Palavra de Deus se divide naturalmente em duas partes, uma das quais encontramos nos Evangelhos e a outra nos Atos dos Apóstolos. A primeira parte corresponde às verdades mencionadas acima; a segunda é preenchida (embora não sem falhas por parte do instrumento) com a atividade do Espírito Santo no ministério de Pedro, e com esse poder divino que o sustenta como testemunha de Cristo em meio a obstáculos e conflitos.

O primeiro contato 

É digno de nota o modo como Pedro entra em contato com o Senhor no evangelho de Lucas. A sogra de Simão (Lc 4:38‑39) estava tomada por uma grande febre que a deixou desamparada. Jesus a cura e a capacita a servi-Lo. É frequentemente assim que a alma encontra Cristo pela primeira vez. Ela entra em contato com Ele por meio das bênçãos que Ele concede aos outros. Quando chega o momento de Ele Se revelar a nosso próprio coração, descobrimos que Ele não é totalmente um estranho. O Senhor usa esse conhecimento preparatório para encurtar o trabalho pelo qual nossa consciência é despertada para um senso de pecado e nosso coração para um senso de graça. Nesse evangelho, Simão Pedro conhecia Jesus por tê-Lo visto em ação em sua casa.

O pescador 

O filho de Jonas era pescador em sua profissão; ele possuía o que era necessário para pescar – um barco e redes. Ele os tinha usado para obter o que queria e trabalhou por toda a noite com esse objetivo, mas sem resultado. Assim, o homem natural emprega suas faculdades e os meios colocados à sua disposição para obter algo que encha e satisfaça seu coração. Mas é em vão; a rede permanece vazia. Seu árduo trabalho não produz nada que possa responder à profunda necessidade de sua alma. Simão e seus companheiros, não tendo pescado nada, largaram os barcos e lavaram suas redes. Começaram a lavá-las, pois não haviam pegado nada além da lama do fundo do mar, e quando tivessem terminado, eles recomeçariam a pescar. Não é assim com um homem do mundo? Ele renova seu trabalho para atingir uma meta desejada todos os dias sem sucesso.

Mas quando a impotência do homem se tornou evidente, Jesus aparece, aparentemente não ocupado com Pedro. Ele ensina as multidões, mas no meio de Seu ministério, Seu coração está com Simão, e Ele não o perde de vista. Entrando em um dos barcos, que era o de Simão, Ele pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra. Ele separa Pedro da multidão para Si mesmo e, assim, Pedro ouve tudo o que o Senhor diz. Jesus não era estranho a Pedro mesmo antes disso; agora ele ouve Sua palavra, e sua posição de isolamento com Ele contribui para torná-lo ainda mais atento. Mesmo assim, do versículo 5, podemos entender que a convicção da autoridade da Palavra era tudo o que ele havia retido.

Depois disso, encontramos o Senhor mais especialmente ocupado com Pedro. Ele disse a ele: “Faze-te ao mar alto, e lançai as vossas redes para pescar”. Pedro fez isso a noite toda, mas até então isso foi feito pela vontade do homem; agora era pela Palavra do Senhor. Pedro acredita nessa palavra e se submete a ela. O primeiro resultado da Palavra de Deus é produzir fé, e a fé aceita a autoridade da Palavra e obedece. O Senhor falou; isso é suficiente para a fé. Mas Jesus Se dirige a Pedro de uma maneira ainda mais poderosa e lhe mostra na presença de Quem ele está, alcançando assim sua consciência. Ele, o Criador que dispõe de tudo, coleta os peixes em plena luz do dia, quando não havia nenhum durante a noite, e enche a rede de Pedro com eles. Ele enche os vasos humanos de bênçãos tais que eles são incapazes de conter sem que se quebrem e que superam as necessidades do discípulo. Seus companheiros chegam com um segundo barco, que começa a afundar da mesma forma, tão abundantes são as riquezas dadas pelo Senhor da glória.

O pecador 

Pedro (v. 8) toda essa bênção; isso o coloca pela primeira vez na presença d’Aquele que é a Fonte e o Administrador da bênção. Assim, não é apenas a palavra de Jesus que o atinge, mas o próprio Jesus, e a glória de Sua Pessoa. Uma revolução ocorre em sua alma. A bênção, em vez de produzir gozo, causa convicção de pecado e temor, porque o leva à presença do Senhor da glória. Por outro lado, a percepção de sua condição, ao mesmo tempo em que lhe dá a terrível certeza de que Jeová deveria rejeitá-lo, ainda assim o lança aos pés de Jesus como seu único recurso. Mas o Deus, contra quem ele pecou, perdoa. Deus é conhecido em Seu amor.

É algo bendito que o pecador conheça sua real condição, o julgamento que lhe é devido e a santidade do Senhor. “Senhor, ausenta-Te de mim, que sou um homem pecador”. Pedro se julga pecador e impróprio para a presença de Deus. Ele treme diante de Sua santidade e justiça. Até agora, ele sabe apenas instintivamente o que é a graça, e ele ignora como Deus pode ser justo ao justificar o que crê em Jesus, mas ele está a Seus pés e ele não foge, porque se houver alguma esperança, ela está ali. Enquanto ele estava ocupado em lavar suas redes, ele não conhecia a Deus nem a si mesmo, mas agora conhece a ambos, e é notável que ele não julgue o que ele fez, mas o que ele é. Muitas almas reconhecem que precisam se arrepender de seus atos culpados e julgá-los, mas não foram levadas a ver a fonte desses atos. Debaixo dos pecados, há “um homem pecador”. A percepção da presença de Deus abre nossos olhos, nos mostra o que somos e nos faz ver que nosso único refúgio é n’Aquele que poderia nos condenar.

O seguidor 

O temor tomou conta de Pedro, mas o Senhor nunca permite que o temor exista em Sua presença. Ele fala e lança fora o temor, porque Ele é o Senhor da graça. Ele permite que tudo o mais permaneça – não enfraquecendo de maneira alguma os efeitos do trabalho na alma – mas Ele remove o temor. Não, o Senhor não Se afasta dele. Ele diz: “Não temas; de agora em diante, serás pescador de homens”. É como se Ele dissesse: Se Eu não tivesse te encontrado para te salvar, não poderia salvar outros por seu intermédio. Ele faz mais do que fazer Simão Pedro feliz; Ele concede uma nova bênção a ele, prometendo-lhe serviço, para que, em vez de permanecer um pecador, Pedro se torne um servo, capaz de deixar tudo e seguir a Jesus.

Pedro indo a Jesus na água 

O primeiro ato de Pedro foi prostrar-se aos pés de Jesus, reconhecendo sua condição pecaminosa. Mais tarde, ele decide sair ao encontro d’Ele caminhando sobre as águas (Mt 14:22-33). É importante observar essa ordem. Sair ao encontro do Salvador vem após a conversão e precede o serviço. Pedro, tendo até então apenas a promessa de ser feito um pescador de homens, já se sentia impelido a ir ao Seu encontro. Ele se virou para olhar Aquele que descia do topo do monte, e este foi apenas o começo das gloriosas revelações que ele receberia sobre a Pessoa de Cristo.

O conhecimento de Pedro a princípio é muito superficial. Ele diz: “Senhor, se és Tu”, mas é suficiente para o começo. Tudo depende, para ele, da identidade da pessoa e, se for Ele, Sua palavra é suficiente para fazer Pedro deixar o barco. Ele diz: “Manda-me ir ter Contigo por cima das águas”. Era uma coisa séria deixar o lugar de aparente segurança para andar onde não havia caminho, mas a palavra de Cristo era suficiente para ele. Ele conhecia seu poder. Sob Sua palavra, ele lançou a rede; Sob Sua palavra ele vai. Isto o capacita a andar sobre a água, assim como o levou a conhecer o Salvador. Ao pedir esse favor, Pedro não pensou em fazer um experimento ou mostrar sua esperteza em superar obstáculos; o que ele queria era ir até Ele. Cristo o atraiu e, no momento, ele não pensou no vento ou nas ondas. Se o coração natural ignora o caminho que leva a Cristo, a fé encontra um caminho em meio a dificuldades de todos os tipos, tanto na noite quanto na tempestade, e as utiliza para se aproximar do Senhor. A fé o leva a deixar o barco, o único abrigo aparente, sem considerar que seja o verdadeiro lugar de segurança, e a alcançar Jesus, cuja presença vale mais para ele do que chegar à outra margem.

Primeira fé e amor 

Muitas vezes começamos bem; a primeira fé e o primeiro amor, a simplicidade de um coração preenchido por um objeto nos sustenta e, em seguida, permitimos que os olhos se desviem de seu objeto. Satanás procurou incomodar os discípulos, os deixando com medo de Jesus (v. 26), mas eles logo aprenderam com Seus lábios a ter bom ânimo. Então o inimigo os alarma com dificuldades. Que tolice ouvi-lo, pois as dificuldades não nos levam a Cristo? Pobres criaturas incrédulas que somos! Em nossas provações, assim como em nossas necessidades, a única coisa que esquecemos é a mesma coisa que não devemos perder de vista – o poder divino. Pedro também, depois de sair a Ele, começou a pensar na violência do vento e a se lembrar de suas próprias forças, esquecendo que tinha diante de si um poder de atração mais forte que o poder da gravidade que infalivelmente o levaria a Jesus. E ele começa a afundar.

Quem não esteve, como Pedro, a ponto de afundar? Não compartilhamos todos o mesmo destino? Mas um grito sai dos lábios do discípulo: “Senhor, salva-me!”; ele não diz: Ausenta-Te de mim”, pois o crente conhece o Salvador e que Seu caráter é salvar. Pedro clama por ajuda, justamente quando está a ponto de alcançar seu objetivo, e Jesus só tem que estender a mão para atraí-Lo para Si mesmo. Um momento mais de fé e o discípulo não teria afundado. Ainda devemos duvidar? Confiemos n’Aquele que é capaz de nos salvar até o fim, pois a tempestade não cessará até que o Senhor e os Seus estejam definitivamente unidos.

H. L. Rossier (adaptado)

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