Origem: Revista O Cristão – Jó: O caminho de Deus é com ele

O Homem Aprendendo Sua Própria Insignificância

“Toda a nossa infelicidade e fracasso, seja como santos ou pecadores, brota da incredulidade na bondade que está no coração de Deus para nós” (H. E. Hayhoe).

Em Jó, vemos um homem aprendendo a lição de sua própria nulidade, no fogo ardente de uma profunda aflição, pelo “mensageiro de Satanás” – por meio de perdas, luto e doença – lutando sozinho contra a filosofia grosseira e os ataques cruéis de seus amigos e, acima de tudo, com seu próprio orgulho, sua insubmissa justiça própria, e incredulidade, até que “um intérprete” seja ouvido, que o conduz ao ponto em que ele ouve a Deus e aprende a lição de todas as eras, que somente Deus é Deus, e nisso reside a bênção do homem.

Conhecendo Deus pessoalmente 

Em sua piedade, assim como em sua prosperidade, parece ter havido em Jó uma falta de verdadeiro conhecimento pessoal de Deus. É essa falta de verdadeiro conhecimento de Deus, juntamente com a correspondente ignorância de seu próprio coração, foi o que provavelmente tornou necessárias as provações às quais Jó foi submetido.

Deus iria vindicar Sua verdade, silenciar Satanás e os homens maus, mas Ele sabia que Seu servo Jó precisava aprender lições para sua própria alma. Ele colocaria o minério precioso no cadinho[1], pois sabia quanto mal insuspeitado jazia escondido sob toda aquela excelência exterior, misturada até mesmo com a piedade interior deste bom homem. Ele mostraria que nem mesmo a piedade pode se alimentar de si mesma, nem a justiça se apoiar em seu próprio braço. Estas são algumas das lições que Jó deve aprender. Que nós também as aprendamos!
[1] Cadinho: Vaso utilizado para fundir minérios ou em reações químicas a temperatura muito elevada (Conf: Dicionário Aulete Digital)

Duvidando da bondade de Deus 

Enquanto os sofrimentos de Jó eram exteriores, ou físicos, ele estava calmo, mas quando ele começou a duvidar da bondade de Deus, ele entrou em colapso. Isso aparecerá abundantemente à medida que prosseguirmos; é simplesmente notado aqui como sugerindo um tema principal do livro – a vindicação de Deus e Seus caminhos com os homens.

Jó havia perdido a percepção do favor de Deus; seus suspiros jorravam como uma torrente porque ele temia que Deus o tivesse abandonado. Ele não conseguia suportar a dúvida torturante de que Deus o havia entregado à miséria sem esperança. Esse temor aparentemente estava à espreita em seu coração – possivelmente até mesmo em seus dias brilhantes – e agora veio sobre ele! Ele lamenta: “Nunca estive descansado, nem sosseguei, nem repousei (do primeiro ataque de Satanás), mas veio sobre mim a perturbação”.

Na controvérsia dos três amigos, temos uma unidade de pensamento, baseada em um princípio comum. Esse princípio é que todo sofrimento é de natureza punitiva e não instrutiva – que é baseado na justiça de Deus e não em Seu amor – embora estes estejam sempre combinados em todos os Seus caminhos.

Jó difere de seus amigos nisto: Enquanto eles tendem firmemente a uma convicção de sua hipocrisia e pecado, Jó enfrenta o terrível pensamento da injustiça de Deus . Ele é levado a isso pela consciência da retidão pessoal, da qual ele não pode abrir mão na hora mais sombria. Por que então ele está tão aflito? Por outro lado, graças a Deus, ele tem fé verdadeira. Mesmo onde ele não consegue entender, ele precisa crer em Deus, e essa fé permanece, com luz crescente, através de todos os seus sofrimentos e apesar de todos os mistérios.

No desespero de Jó, sua aflição é indizivelmente grande; não há cura possível, portanto a morte seria um alívio bem-vindo. Não há um lampejo de esperança em meio à escuridão; a fé é quase completamente eclipsada por enquanto, e há a percepção da ira de Deus que é o precursor de uma dúvida sobre Sua bondade e justiça. Mas Jó precisa de luz, e ele deve aprender a confiar em Deus quando não consegue entendê-Lo. Jó quer que Deus tire sua vida. Isso, ele diz, seria um conforto, pois sua retidão consciente o sustentaria: Ele não rejeitou as palavras de Deus – não foi rebelde contra Ele. Temos aqui, como em todo seu longo conflito, uma declaração de retidão consciente. Embora verdadeira – como era de fato o fruto da graça de Deus nele – Jó está usando essa justiça de uma forma de justiça própria, para se justificar à custa da justiça de Deus .

Temos aqui o estado habitual da mente de Jó ao longo de toda a sua controvérsia com seus amigos. Há um senso de retidão moral, de temor genuíno de Deus, que ele não pode negar. É o testemunho de uma boa consciência, e permanece como uma rocha contra todas as suspeitas e acusações de seus amigos.

Acusações contra Deus 

Ele faz acusações contra Deus, pois ainda não está pronto para ser despojado de toda a sua justiça imaginária. Ele acha que Deus o mantém como um inimigo, o conduz como uma folha seca diante do vento e o acusa daqueles pecados quase esquecidos da juventude (ah, Jó, parece que até você deve reconhecer que houve pecados).

O próprio fato de Jó ansiar por um intercessor mostra a fé escondida em sua alma. Enquanto isso, ele olha para a sepultura, sem fazer uma pausa para que Deus fale com ele. O simples fato de ele apelar a Deus, trazendo suas dúvidas e medos a Ele, mostra que a fé não falhou, e não pode falhar. Portanto, encontramos aqui a nobre declaração, que expressou a fé dos santos de todas as eras: “Eu sei que meu Redentor vive” (Jó 19:25).

Jó está totalmente ocupado com seu relacionamento com Deus – ele precisa entender Deus. Jó O acusa como o Autor de sua miséria e sofrimento. Sua reclamação e palavras inflamadas não lhe dão alívio. Ele não está disposto ou é incapaz de confiar em Deus na escuridão.

Com seu senso de indignação, Jó deseja ir diante de Deus e fazer acusações contra Ele! Ele iria com ousadia à Sua presença, em Sua própria morada, e exporia seu caso diante d’Ele, com sua boca cheia de argumentos. Ele até desafia qualquer resposta de Deus: Eu “Saberia as palavras com que Ele me responderia”. Assim pode um homem justo falar quando está distante de Deus. Quão diferente era quando ele teve seu desejo e Deus lhe apareceu!

Misturando fé e incredulidade 

E aqui, quando seu desafio quase insano a Deus está no auge, irrompe um vislumbre daquela confiança em Deus que já tivemos ocasião de notar. “Ele pleiteará contra mim com Seu grande poder! Não! Mas Ele colocaria força em mim,” ou “me consideraria com compaixão”. Estas certamente não são as palavras de um incrédulo. Ele duvida dos caminhos de Deus, acusa-O, mas está confiante de que se pudesse apenas vê-Lo, tudo seria esclarecido. Deus consideraria seus “gritos fracos e errantes” e o justificaria da injustiça divina! Mas que anomalia – o homem justo disputando com Ele e liberto pelo próprio Juiz de Sua severidade injusta! Estranha contradição é tudo isso, mas é muito melhor desejar ir diante de Deus, do que o orgulho que lhe diria: “Retira-Te de nós; porque não desejamos ter conhecimento dos Teus caminhos”. É sempre melhor trazer até mesmo nossas dúvidas sobre Deus para Ele, se não temos mais nada a trazer.

Toda desconhecida para ele, a graça de Deus estava em ação, pois ele era um filho de Deus: não lhe era permitido ir aonde seus pensamentos incrédulos o levassem. Mas ainda temos que ouvi-lo derramar todo o seu coração, antes que Deus possa ser ouvido.

Há maior ou menor inconsistência no monólogo de Jó (Jó 29-31), correspondendo ao estado de seu coração, no qual emoções conflitantes, de integridade consciente diante do homem e do temor do Senhor, são misturadas com reminiscências doentias de grandeza passada e lamentos sobre a degradação presente. O tom geral, no entanto, mostra a necessidade de Deus tratar com sua alma e nos prepara para o que se segue.

É repulsivo que um pecador se debruce sobre sua própria bondade – da qual não tem nenhuma – e que um filho de Deus siga o mesmo caminho, isso mostra claramente que ele ainda não aprendeu sua lição.

Sinceridade é suficiente? 

Não podemos questionar a verdade e a sinceridade de tudo o que Jó diz, mas, podemos muito bem perguntar, se a sua conclusão é feliz até para ele mesmo? Ele fecha a boca de seus amigos; ele parece abundantemente satisfeito consigo mesmo. Suponha que Deus deixasse as coisas dessa forma. Seria algo agradável o espetáculo de um homem completamente justificado por si mesmo? Ah, a verdade divina, assim como o amor divino, não permitirá que ele se envolva nessas ervas daninhas da justiça própria. Em outras palavras, Deus é deixado de fora, exceto no que diz respeito à justiça de Jó: Sua grandeza, bondade, santidade, como temas de adoração e gozo, são ignorados. No final de tudo o que ele tem a dizer, Jó está tão longe de Deus quanto no começo; não, mais longe ainda. Quando nos lembramos de que todos os caminhos de Deus com o homem são para trazê-lo para perto de Si mesmo, vemos a loucura e o pecado do curso de Jó.

Mas devemos notar a justiça própria que moveu Jó a falar de si mesmo dessa forma. Ele estava se enfeitando em vez de dar glória a Deus. Sem dúvida, no fundo, ele era um homem de piedade genuína, mas não é glória expor a própria glória.

Eliú fala pelo Senhor 

Não; em uma breve frase Eliú deixa de lado todos os raciocínios humanos: “maior é Deus do que o homem”. Em outras palavras, Deus é Deus. Se formos raciocinar, que não seja do menor para o maior, mas do maior para o menor. Digamos: Como poderia o Todo-Poderoso, um Ser Todo-Perfeito, cometer um ato injusto? “Não faria justiça o Juiz de toda a Terra?” (Gn 18:25). Enquanto uma alma levanta uma questão contra o caráter de Deus, ela não está em condições de ter suas dificuldades atendidas. Eliú agora passa a explicar isso. Enquanto Jó acusa, ele não obtém resposta; que ele se submeta e Deus tornará tudo claro.

Eliú deixa claro que Deus fala assim ao homem. Quando a luz da natureza é retirada, quando tudo está em silêncio, Ele fala em “uma voz mansa e delicada” e torna conhecida Sua mente. Assim, a instrução é selada no coração do homem. Seu objetivo é corrigir pensamentos e ações erradas, afastar o homem do “mal”, ou do seu propósito, e esconder o orgulho do homem. Isso vai mais fundo do que a ação, pois o orgulho espreita no coração, e Deus o esconderia do homem – impediria seu controle sobre ele. “Também de pecados de presunção guarda o teu servo” (Sl 19:13 – AIBB). Assim, o homem é mantido afastado da destruição. Ele se curva à correção da verdade de Deus e, assim, é poupado do golpe da vara ou da espada.

A confiança na retidão de Deus é o fundamento de uma caminhada correta. “Bem sei eu, ó SENHOR, que os Teus juízos são justos e que em Tua fidelidade me afligiste” (Sl 119:75). Certamente, se perdermos a fé na justiça de Deus, o que resta? Isso é andar “no conselho dos ímpios”, muito mais perigoso do que as formas exteriores do mal. O efeito de tal ensino é que não há proveito em buscar agradar a Deus ou ter comunhão com Ele. Que acusação monstruosa para sair dos lábios de alguém que era filho de Deus! Podemos ser gratos que a fé de Jó não falhou apesar dessa nuvem de incredulidade. Como Deus poderia agir perversamente ou perverter o que é certo? Ele não seria Deus se isso fosse possível.

“Ainda que dizes que não O vês, a tua causa está diante d’Ele; por isso, espera n’Ele”. Não pense que Deus Se esqueceu; seja paciente; aprenda a lição que Ele lhe ensina. Quão admirável e bíblico é esse conselho – exatamente o que Jó precisava. “Espera pelo SENHOR, tem bom ânimo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo SENHOR” (ARA).

Em uma palavra, ele varre as suspeitas profanas que foram abrigadas por Jó – “Eis que Deus é mui grande; contudo, a ninguém despreza”. Infinito em poder como Ele é, Ele olha com compaixão para a mais fraca de Suas criaturas. Há dois infinitos nos quais Ele é igualmente visto – no infinitamente grande e no infinitamente pequeno. Quão reconfortante é a verdade: Ele “a ninguém despreza”! O desprezador encontrará sua condenação com todos os impuros, mas Deus salvará o humilde sofredor, em, e de fato, por sua aflição. Ela “opera” bênçãos para ele. É o Todo-Poderoso, não podemos compreender Sua grandeza, mas sabemos que Sua retidão é tão grande quanto Seu poder. Vamos nos curvar em adoração diante d’Ele: Ele não ouve aqueles que são sábios em seus próprios conceitos.

A voz de Jeová 

O testemunho de Jeová vindo da Criação está testando Jó e trazendo-o para o pó. Não estamos mais ouvindo o tatear da mente natural, como nos discursos dos amigos; nem os clamores irrefletidos de uma fé ferida, como em Jó; nem mesmo a linguagem clara e sóbria de Eliú – estamos na presença do próprio Jeová, que fala conosco.

Então, a voz que veio a Jó do redemoinho o trouxe à presença de Alguém de cujo caráter ele até então era grandemente ignorante. Ele havia falado muitas coisas excelentes sobre Deus, mas Sua presença real nunca havia sido conhecida antes. Isso, como se verá, fornece a chave para a maravilhosa mudança operada em Jó. Quando Deus é pessoalmente reconhecido como presente, Ele é assim reconhecido na totalidade de Seu ser. Não é meramente Seu poder que é visto ou Sua grandeza ou mesmo Sua bondade, mas Ele mesmo, Aquele em cuja presença os serafins velam seus rostos enquanto clamam: “Santo, santo, santo”.

Pedro teve tal vislumbre d’Ele no mar da Galileia (Lucas 5), e foi constrangido a clamar: “Senhor, ausenta-Te de mim, por que sou um homem pecador”. E Paulo caiu em terra sob a mesma revelação, como também João no Apocalipse. A exibição externa em cada um desses casos foi diferente, passando de um humilde Homem em um barco de pesca para a Majestade entronizada nos céus; mas o fato essencial é que é Ele mesmo, e por mais que Ele possa velar Sua glória e encontrar o homem em misericórdia e graça, é Deus Quem assim fala e age. Se isso não for percebido, nenhuma grandeza de cenário, nenhum esplendor de fenômenos naturais, pode transmitir Sua mensagem ao homem.

Isso é tristemente evidente no uso que os homens fazem do majestoso panorama da natureza, diariamente estendido diante de seus olhos. Os céus como uma tenda infinitamente espaçosa estão arqueados acima, resplandecentes de dia e de noite; a cortina das nuvens, a grandeza das montanhas, a beleza da floresta, do campo e do mar – o que isso diz a alguém que não ouve a Voz? O pagão faz sua imagem, ou se curva ao Sol e à Lua; o cientista varre os céus com seu telescópio, e perfura a parte mais íntima da Terra com seu microscópio; ele fala erudita e interessantemente de “leis da natureza”, de “princípios da física e da química”, de gravitação, coesão e afinidade: mas a menos que tenha ouvido a Voz de Jeová, ele não O conhece mais do que o pobre idólatra iludido rastejando diante do hediondo ídolo Vixnu.

Essa ignorância é uma ignorância culpada, “Porque as Suas coisas invisíveis [Seus atributos invisíveis – ARA], desde a criação do mundo, tanto o Seu eterno poder como a Sua divindade, se entendem e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a Deus, não O glorificaram como Deus” etc. (Rm 1:18-25). Todos os homens estão em certa medida conscientes dessa culpa e distância moral de Deus, e bastante dispostos a permanecer nessa condição. Eles tapam os ouvidos à Voz d’Aquele que não está longe de cada um de nós.

Quão necessário para nós, ao falarmos disso, perceber Sua voz que fala na natureza e em Sua Palavra. Que seja a nossa porção, não nos retirarmos distanciando-nos, nem nos escondermos em meio a Suas belas árvores, mas nos aproximarmos com pés descalços e rostos velados e ouvir o que Deus, o Senhor, falará.

Olhando para Suas Palavras como um todo, podemos ficar surpresos com seu caráter. Elas não são, num sentido, profundas, como profundezas reveladoras da verdade teológica. Elas dificilmente são didáticas em um sentido moral, imprimindo ao homem seu dever. Elas não são tanto uma revelação da verdade quanto uma pergunta a Jó se ele conhece as verdades que estão ao seu redor na vasta criação de Deus. É isso que torna essas palavras de Jeová tão maravilhosas. Ele fala, não “numa língua que nenhum homem pode entender”, mas na linguagem da natureza, sobre a Terra, o céu, as nuvens e a chuva, e os animais e pássaros.

Pois a própria criação é, diríamos reverentemente, uma humilhação divina. Ela nos lembra d’Aquele que, “sendo em forma de Deus”, esvaziou-Se de Sua glória e tomou a forma de um Servo, sendo feito à semelhança dos homens. A criação é a “treliça” (JND) atrás da qual o Amado Se esconde (Cantares 2:9). E ainda assim Ele Se revela assim à fé. As faixas de panos (ou envolvedouro – Jó 38:9) do mar são apenas uma figura daquelas faixas de panos que Aquele que fez todas as coisas tomou sobre Si, quando Se tornou carne (Lc 2:7). O universo inteiro, imenso e ilimitado, forma as vestes do Deus infinito, que assim Se revela.

Ele nos encoraja a crer que Ele está Se aproximando de nós, que a mensagem que Ele tem a dar é de misericórdia. A mensagem da natureza e Sua Palavra testa e humilha o homem. Jó, que se gloriava em sua retidão, que parecia considerar seu conhecimento todo-suficiente, é obrigado a reconhecer sua ignorância, sua fraqueza e sua injustiça. Isso é divinamente feito, e feito de forma tão eficaz que a lição traz Jó ao seu verdadeiro lugar para sempre.

Julgando Deus 

Jó presumiu assentar-se em julgamento sobre Jeová e Seus caminhos; sua competência para isso é testada: O que ele sabe? O que ele pode fazer? Deve a criatura – tão insignificante em poder, tão ignorante e, além disso, tão cheia de orgulho vão – presumir instruir Deus quanto a Seus deveres, apontar a Ele Suas falhas, de fato usurpar Suas prerrogativas? O efeito sobre Jó é visto em suas duas respostas. Na primeira resposta às perguntas de Deus, ele se humilha e coloca a mão sobre a boca. Na segunda, ele faz uma confissão completa de seu orgulho pecaminoso e abomina a si mesmo, preparando assim o caminho para a recuperação externa e restauração da prosperidade.

Podemos dizer que a segunda parte do discurso do Senhor é dedicada à humilhação do orgulho de Jó, ao colocar diante dele as criaturas nas quais esse orgulho é exibido, de forma figurada. O propósito divino pode ser visto por toda parte, e os efeitos são os mais abençoados e completos.

Jeová pergunta: “Quem é este que escurece o conselho”, que esconde os propósitos de Deus e a verdade, “com palavras sem conhecimento?” Jó havia derramado uma enxurrada de palavras – lamentações, protestos, acusações. Havia muita coisa que era verdadeira e excelente, mas tudo estava viciado, no que diz respeito aos propósitos de Deus, pela exaltação de sua própria justiça à custa da de Jeová. Ele conduz Jó através das vastas, e ainda assim familiares, cenas da criação. Será que ele pode resolver um de dez mil de seus enigmas? Ele pode desvendar os segredos ocultos da natureza? Se não, por que ele tenta declarar os conselhos de Deus e se intromete nos propósitos de Alguém que não dá conta de nenhum de Seus assuntos; de Quem o apóstolo adorador declara: “Quão insondáveis são os Seus juízos, e quão inescrutáveis os Seus caminhos!” (Rm 11:33).

A ciência tem muito a nos dizer que pode muito bem nos encher de admiração e espanto, e de reverência e adoração – de QUEM? Quanto mais conhecemos apenas de Suas manifestações, menos realmente conhecemos d’Ele mesmo, exceto quando Ele Se faz conhecido em Cristo. Ele não nos deu para mudar a ordem da natureza, ou ascender àqueles céus, mas Ele nos ensina a dar a verdadeira resposta às Suas perguntas, e essa resposta é: “vemosJesus” (Hb 2:9).

Assim, Jeová encerra Seu primeiro teste de Jó. Ele tomou, por assim dizer, o barro da Criação e o colocou sobre os olhos do pobre sofredor, que havia sido cegado por suas próprias tristezas para todo o poder, sabedoria e bondade de Deus. Será que Jó irá se lavar “no tanque de Siloé”?

O arrependimento de Jó 

Ele se curvará ao teste de seu Criador? “Aquele que contende com o Todo-Poderoso O instruirá? Aquele que repreende Deus, que ele responda” (JND). Aqui está a raiz do problema de Jó: Ele havia se assentado para julgar Deus; ele havia acusado o Onipotente de mal. Deus Se aproximou, fez Sua presença ser sentida e levantou o véu da face da natureza para revelar parte de Seu caráter. Qual é o efeito sobre o homem orgulhoso?

Eis que sou vil; que Te responderia eu?

A minha mão ponho na minha boca”.

Muitas palavras Jó havia proferido: no início de seus sofrimentos, palavras de fé em Deus. Mesmo durante seu “choro na noite”, muitos pensamentos belos e nobres haviam saído de seus lábios, mas nenhuma palavra como essas – música no ouvido de Deus – confissão, contrição, reconhecimento calado de todo o erro de seu pensamento.

Aqui praticamente encerra o teste de Jó, e ainda assim, em fidelidade, Jeová sondará ainda mais os recessos mais profundos de seu coração e exporá seu potencial mal. Então, devemos ouvir mais o que o Senhor tem a falar. Em Seu segundo discurso, o Senhor aprofunda a obra que já está ocorrendo no coração de Jó. No primeiro, Jó é silenciado e convencido pela majestade, poder e sabedoria de Deus. Tal Ser, cujas perfeições são exibidas em Suas obras, não pode ser arbitrário e injusto em Seus tratamentos com o homem. O grande efeito de Seu primeiro discurso sobre Jó parece ser que Jeová Se tornou uma realidade para ele.

No segundo discurso, essas impressões são aprofundadas. Deus não deixará Seu servo com sua lição aprendida pela metade: Ele ara mais profundamente em seu coração até que as profundezas ocultas do orgulho sejam alcançadas e julgadas. O segundo discurso, portanto, se detém nesse orgulho tão comum à criatura. Ele convida Jó, por assim dizer, a ver se ele pode humilhar os orgulhosos e trazê-los para baixo. A implicação manifesta é que o próprio Jó está nessa classe.

No entanto, no chamado, “Cinge agora os teus lombos como varão”, temos encorajamento e também repreensão. Deus não está esmagando Seu pobre e tolo servo, mas apelando à sua razão e também à sua consciência. Jó já aprendeu, como de fato conheceu em medida, o poder, a sabedoria e a bondade de Deus. Mas o apelo presente é particularmente à sua consciência. Ele anulará, negará o julgamento justo de Deus e condenará Deus para que possa estabelecer uma mesquinha justiça humana? Isso é realmente o que estava no fundo das queixas de Jó; ele estava sofrendo aflição que não merecia; ele, um homem justo, estava sendo tratado como se fosse injusto. A conclusão então era inevitável – Aquele que o estava afligindo era injusto! Eliú já havia pressionado Jó com essas terríveis consequências de seus pensamentos: “Sou justo, e Deus tirou o meu direito” (cap. 34:5). “Achas que é justo dizeres: Maior é a minha justiça do que a de Deus?” (cap. 35:2 – ARA). O Senhor queria enfatizar a Jó a repugnância desse pecado.

Ele presumiu julgar Deus – com base em que fundamentos? Ele tem poder e majestade divinos? Ele pode falar com uma voz de trovão? Ele pode reprimir a rebelião orgulhosa de todo malfeitor e trazer os homens ao pó diante dele? Ele fez isso com seu próprio coração orgulhoso e rebelde? Ele humilhou até mesmo seus amigos? Quanto menos o mundo inteiro.

É cruel da parte de Jeová tratar assim com uma pobre criatura de coração partido? Em vez disso, perguntemos: teria sido gentileza deixá-lo segurando seu orgulho sobre si como uma vestimenta e afrontando o Todo-Poderoso? Somente assim o orgulho pode ser humilhado, sendo levado face a face com a sua nulidade na presença da majestade e da bondade ilimitada de Deus. Até que Jó tenha aprendido isso, e aprendido completamente, todas as dispensações de Deus com ele em suas aflições, e os raciocínios de seus amigos e de Eliú, são em vão, e piores.

Somos levados assim a ouvir a aplicação por Jeová da lição da força e orgulho da criatura, como exibido e tipificado no beemote e no leviatã. E ainda assim ele é apenas uma criatura, dotada por Deus, para Seus propósitos Todo-Sábios, com força sobre-humana. Que possa Jó, e todos os que são tentados a confiar em sua própria força, seja do corpo, como aqui, ou do coração e da mente, considerem esta criatura, autossuficiente e indomável. Quão insignificante seu próprio braço parecerá. A justiça própria, o egoísmo, o orgulho de conduta ou de caráter, nega sua necessidade de Cristo e de Deus. Tal é o pecado na carne – incorrigível e repulsivo. Quem pode subjugá-lo ou mudar sua natureza?

Jó responde às palavras penetrantes e humilhantes de Jeová. Ele repete primeiro sua confissão de forma completa. Ele reconhece a onipotência de Deus e que Ele não pode ser frustrado em Seus propósitos, que demonstram Seu poder, sabedoria e bondade tão completamente quanto Suas obras. Há uma rendição completa e reversão de tudo o que ele havia dito anteriormente contra Deus. Citando as próprias palavras de Jeová, ele se pergunta: Quem é aquele que escurece o conselho? Quem ousa lançar uma sombra sobre o Todo-Poderoso? “Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é sobremodo elevado, não o posso atingir” (Sl 139:6).

“Agora Te veem os meus olhos” 

Aplicando as palavras de Jeová a si mesmo, Jó se pergunta: “Quem é aquele?” “Escuta-me, pois, e eu falarei”. É como se ele se curvasse envilecido a essas perguntas, repetindo-as e dando sua resposta ao seu Questionador divino. E que resposta é esta! A única resposta que o orgulho humano pode dar a Deus: “Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi” – Jó tinha sido instruído corretamente de uma maneira geral, mas ele só tinha aprendido sobre Deus – “mas agora tem veem os meus olhos” – ele havia sido trazido face a face com Deus, não de fato visualmente, embora houvesse a glória terrível no céu, mas ele tinha tido uma percepção de Deus em sua alma pela razão iluminada que ele deu, e principalmente pela consciência. Deus tinha Se aproximado, Se aproximado pessoalmente, e Jó estava consciente daquela santidade inefável, bem como poder, que pertencem a Ele. Anteriormente ele tinha estado na presença do homem, e ele poderia mais do que se manter com o melhor deles. Na presença de Deus, nenhuma criatura pode se vangloriar, e Jó estava finalmente naquela gloriosa e santa Presença. Todos os “trapos de imundícia” de uma justiça pessoal imaginária caíram dele, e ele se levantou em todo o horror nu do orgulho e da rebelião contra Deus. Quem pode duvidar que o arrependimento de Jó vá além do mero julgamento de suas palavras; ele julgou a si mesmo – “me abomino”.

Estas são as palavras pelas quais podemos dizer que o Senhor há muito tempo estava esperando ouvir. O propósito de Deus era produzir justamente esta confissão. E por quê? Para humilhá-lo? Não, mas para dar-lhe a verdadeira glória – para privilegiá-lo, desde o pó, para que contemplasse a glória do Senhor e nunca mais tivesse uma nuvem sobre sua alma! A experiência valeu a pena? Só há uma resposta. Que todos nós a possamos dar.

Esta foi a controvérsia que, para Jó, se encerrou de forma tão feliz. Dirigindo-Se a Elifaz , como o líder dos três, Jeová declara Sua ira contra todos eles, porque eles não tinham falado d’Ele o que era reto, como Seu servo Jó tinha falado. Ainda que toda a contenda deles tenha sido aparentemente pela justiça de Deus! Pelo menos aparentemente. Mas Deus não aceita honra em detrimento da verdade. É Sua glória que todos os Seus atributos se misturem em uma luz harmoniosa. Ele pode então aceitar uma vindicação de Seu caráter e caminhos que é baseada em uma acusação falsa? “Como o meu servo Jó”. Quando Jó tinha falado assim? Certamente não quando Jó derramava amargas acusações contra Deus.

Isso é falar de Jeová “o que é reto”; é tomar e manter o lugar da criatura pecadora que não consegue entender o menor desses caminhos perfeitos – caminhos que são retos quando parecem os mais errados. É a declaração de que Deus é Deus – Jeová, o AutoExistente, Perfeito; o mais Sábio e Justo e Bom, bem como o mais Poderoso; Justo e Santo em todos os Seus caminhos, quaisquer que sejam.

“Ouvistes qual foi a paciência de Jó e vistes o fim que o Senhor lhe deu; porque o Senhor é muito misericordioso e piedoso”.

S. Ridout (extraído e adaptado)

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