Origem: Revista O Cristão – O Homem Celestial
Cristo Revelado em Paulo
Atos 20:24-27
“Aprouve a Deus… revelar Seu Filho em mim” (Gl 1:15-16).
Paulo ocupa um lugar único na revelação de Deus ao homem, como aquele que foi escolhido por Deus para revelar o mistério de Cristo e a Igreja, um mistério que estava oculto em Deus desde antes da criação do mundo. Embora inicialmente um violento perseguidor da Igreja, ele se converteu de maneira notável quando viajava para Damasco, e depois se tornou um dos maiores servos que o Senhor já teve. Certamente foi característico da graça de Deus que quando o ódio do homem apagasse uma das luzes mais brilhantes que Deus tinha na Igreja primitiva (na pessoa de Estevão), Deus procurou o pior responsável e, por assim dizer, falou, “Você, venha e ocupe o lugar dele!” Deus então faz de Paulo um servo ainda maior do que Estêvão. Paulo, num sentido muito definido, é o ministro do chamado da Igreja, de suas bênçãos e glória.
Um padrão para a dispensação
Paulo não era apenas aquele que foi especialmente escolhido para receber do Cristo ressurreto em glória aquelas revelações divinas que falavam da Igreja, mas também podemos dizer que ele foi chamado para ser o homem representante. Isto é, ele foi escolhido para mostrar, em seu caminho por este mundo, aquele caráter especial do caminhar e do comportamento que é o padrão desta dispensação. Sem dúvida nosso Senhor Jesus Cristo sempre será o nosso padrão, pois ninguém andou como Ele andou, e “nunca homem algum falou assim como este Homem” (Jo 7:46). Contudo, nosso bendito Mestre não andou por este mundo como parte da Igreja, pois Ele estava destinado a ser sua Cabeça. Neste sentido Ele não sofreu pela Igreja em seu caráter celestial, pois a Igreja não havia sido formada. Assim Paulo foi levantado, não apenas para receber a verdade da Igreja, mas para ser o padrão da dispensação e para liderar o caminho no qual os crentes deveriam andar.
É por isso que ele pôde dizer aos filipenses: “Sede também meus imitadores, irmãos” (Fp 3:17), e também: “O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso fazei” (Fp 4:9). Aos coríntios, ele pôde dizer: “Admoesto-vos, portanto, a que sejais meus imitadores” (1 Co 4:16). Da mesma forma, ele pôde dizer aos tessalonicenses: “E vós fostes feitos nossos imitadores e do Senhor” (1 Ts 1:6). Ao dar tais instruções, ele toma o lugar de um homem representativo que, por sua vida e ministério, estava mostrando um padrão para a dispensação da Igreja. O privilégio especial de Paulo e, finalmente, de todos os que fazem parte da Igreja é dado a nós em Gálatas 1:16-17, onde Paulo relata que “aprouve a Deus… revelar o Seu Filho em mim”.
É o feliz privilégio de todo crente nesta dispensação, não apenas ter Cristo revelado a ele, mas também ter Cristo revelado nele. Vemos esse duplo caráter de privilégio e testemunho Cristão exemplificado em Paulo, e especialmente em seu discurso de despedida aos anciãos efésios em Mileto. É a este resumo de sua vida e serviço que desejamos direcionar nossa atenção. Ao relatar como ele havia trazido a verdade de Deus para eles e para os outros, ele menciona em particular três coisas que têm a ver com Deus, e que são pertinentes ao fato de Cristo ter sido revelado a nós e em nós.
O Evangelho da Graça de Deus
A primeira característica é encontrada em Atos 20:24, onde ele menciona “o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus”. A maneira com que isso foi escrito é revigorante e, sem dúvida, aquele que poderia prontamente se identificar como o maior dos pecadores, estava ciente da graça que lhe fora oferecida. É o único lugar nas Escrituras onde o evangelho é particularmente denominado “o evangelho da graça de Deus”. Desta forma, Paulo enfatiza a graça como sendo central para a sua mensagem do evangelho, e é aqui que cada um de nós deve começar se vamos nos aproximar de Deus. Nós, que fomos salvos, antes de mais nada reconhecemos nossa completa incapacidade diante de Deus, e foi somente no terreno da graça de Deus que poderíamos receber qualquer bênção.
Deste modo, a graça de Deus deve ser central tanto para ter Cristo revelado a nós como para qualquer revelação de Cristo em nós. Deus Se revelou em graça e todas as nossas bênçãos em Cristo estão no terreno da graça. O entendimento e o desfrute dessas bênçãos devem estar no terreno da graça. Uma percepção disso em nossa alma produzirá felicidade e humildade, pois o verdadeiro Cristianismo faz tudo de Cristo e nada do homem. Que possamos sempre ter uma forte percepção de Sua graça em nossa alma!
Da mesma forma, o evangelho da graça de Deus deve ser parte integrante do testemunho de todo Cristão. Deus está lidando com este mundo em graça, e nos é dito em Colossenses 4:6: “A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada um”. Nossa mensagem para este mundo é de graça, embora temperada com sal, para que possamos alcançar a consciência assim como o coração. Mas Deus procura atrair os homens por Sua graça, e nossa caminhada e palavras devem demonstrar o caráter da graça de Deus.
O evangelho da graça de Deus é a primeira verdade que um mundo perdido deve ouvir, para que as almas sejam salvas. Então também, nossa própria alma é refrescada e encorajada por ter o evangelho de Sua graça constantemente diante de nós. Embora a Escritura apresente o evangelho como um exercício individual e não uma responsabilidade primária da assembléia, ainda assim é verdade que, se não houver divulgação do evangelho, muitas vezes haverá pouca benção na assembléia local. Se continuamente temos Cristo revelado a nós, mas não temos a energia para revelar Cristo em nós, nos tornamos como o Mar Morto. Em um corpo de água que não tem vazão, ocorre uma estagnação gradual e o acúmulo de minerais torna a água prejudicial à saúde e incapaz de sustentar a vida vegetal ou animal. Assim acontece com o crente que recebe, mas nunca dá. Que sempre busquemos do Senhor esse amor pelas almas e a energia para trazer o evangelho da graça de Deus diante deles!
O reino de Deus
A segunda característica de seu ministério que Paulo menciona é em Atos 20:25, onde ele diz: “Todos vós, por quem passei pregando o Reino de Deus”. A expressão “o Reino de Deus” é usada extensivamente pelo Senhor Jesus nos Evangelhos, particularmente em Marcos e Lucas. Ela também é usada várias vezes no livro de Atos e nas epístolas de Paulo. De um modo geral, a expressão “o Reino de Deus” transmite o caráter moral adequado ao reino de Deus. Quando o Senhor Jesus Se apresentou a Israel como seu Rei, Ele também apresentou o caráter moral de Seu reino. O homem em sua condição pecaminosa não poderia viver de maneira prática tal caráter moral, e assim eles rejeitaram o Senhor Jesus. No entanto, permanece o fato que existe uma caminhada e uma condição moral do homem que responde a Deus, e aqueles que reconhecem o legítimo Rei são chamados a exibir esse caráter neste mundo durante Sua ausência.
A exibição desse caráter moral envolve não apenas um claro conhecimento dos pecados estarem perdoados, mas também o reconhecimento de sermos libertados do poder do pecado pela morte e ressurreição de Cristo. Para que essa nova vida em Cristo seja manifestada em nossa vida, deve ser reconhecido que morremos para o pecado. Tais escrituras como Romanos 6:1-12 e Gálatas 2:19-20 claramente trazem diante de nós que morremos para o pecado pela da morte de Cristo e que agora devemos andar em novidade de vida. O batismo é o sinal exterior de termos tomado este lugar e nossa identificação com a morte e ressurreição de Cristo. Na medida em que reconhecemos a pecaminosidade inerente à nossa antiga natureza de Adão, exibiremos nossa nova vida em Cristo de maneira prática em nossa caminhada e teremos aquele caráter moral que é adequado ao reino de Deus.
A importância disso não pode ser subestimada, pois nosso Senhor Jesus Cristo é honrado e glorificado quando nossa caminhada é agradável a Ele. O mundo não pode ver nosso coração, mas nossa vida é uma “carta… conhecida e lida por todos os homens” (2 Co 3:2). É triste dizer que a caminhada dos crentes tem sido muitas vezes fora do caráter do reino de Deus e, como resultado, seu testemunho sofre. Enquanto isso não tira a culpa daqueles que não creem, é uma reflexão solene para aqueles que professam conhecer o Senhor quando suas vidas são um mau testemunho em vez de um bom testemunho. Em questões como retidão pessoal e honestidade, o crente deve ser um exemplo de Cristo. Na questão da imoralidade, tais coisas “nem ainda se nomeiem entre vós, como convém a santos” (Ef 5:3). É relatado que na maioria dos países ocidentais, a taxa de divórcio entre os chamados crentes fundamentalistas é aproximadamente a mesma que entre os incrédulos. Que comentário sobre nossa posição como pertencentes ao reino de Deus! Que sejamos completamente exercitados a prestar atenção em nossa caminhada e maneiras, e procurar cada vez mais perceber que estamos “mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6:11).
Todo o conselho de Deus
A terceira característica do ministério de Paulo é mencionada em Atos 20:27, onde ele diz: “Nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus”. Isto é talvez mais apropriado à doutrina de Paulo, pois todo o conselho de Deus envolve a posição peculiar de Paulo como aquele a quem a verdade da Igreja foi revelada. Ele poderia dizer a respeito destas preciosas verdades que lhe foram reveladas, “da qual eu fui tornado ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para convosco, para completar a Palavra de Deus” (Cl 1:25 – JND). Até que o Senhor Jesus Cristo veio a este mundo, a revelação de Deus não estava completa. Da mesma forma, até que Paulo recebesse a verdade da Igreja diretamente de Cristo ressuscitado no céu, a revelação de todo o conselho de Deus não estava completa. A Paulo foi dada a revelação final de Deus para o homem e completada a Palavra de Deus. Outros podem acrescentar detalhes, como a revelação dada a João muitos anos depois de Paulo ter sido martirizado, mas Paulo já havia nos dado a verdade da Igreja na qual tudo é exibido. É no “completo conhecimento do mistério de Deus, no qual estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento” (Cl 2:2-3 – JND). Jamais entenderemos a Palavra de Deus, nem seremos capazes de olhar de maneira inteligente sobre os acontecimentos do mundo ao nosso redor, a menos que vejamos claramente os propósitos de Deus de encabeçar todas as coisas em Cristo, abençoar a Igreja no céu e abençoar Israel na Terra. Esses propósitos foram especialmente dados a Paulo para serem trazidos à luz.
Que possamos valorizar nossos privilégios, como sendo chamados a viver nesta dispensação da graça de Deus, e assim poder desfrutar do conhecimento de “todo o conselho de Deus”! O Senhor Jesus pôde dizer a Seus discípulos: “pois vos digo que muitos profetas e reis desejaram ver o que vós vedes e não o viram” (Lc 10:24). Certamente temos tido o privilégio de ver muito mais do que até mesmo os discípulos e, no entanto, quão indiferentes somos às vezes à revelação dos conselhos de Deus! Deus quer que desfrutemos agora em nosso coração o que Ele fará no futuro, particularmente em exaltar Seu amado Filho! O crente agora tem interesses comuns com Deus, e ele espera estar associado a Ele em toda aquela glória brilhante!
Que estejamos dispostos a compartilhar esses conselhos com outros também, pois o desejo expresso por Paulo era que ele pudesse “iluminar todos com o conhecimento do que é a administração do mistério escondido por todos os séculos em Deus” (Ef 3:9 – JND). Deus revelou Seus propósitos em Seu Filho amado, e isso nos traz de volta ao evangelho, que, antes de tudo, não se refere ao homem em sua necessidade, mas sim “a respeito de Seu Filho (nascido da semente de Davi segundo a carne, declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santidade, pela ressurreição dos mortos)” (Rm 1:3-4 – JND). Mas Deus quer trazer pecadores perdidos e culpados em associação com o Seu Filho, a fim de que Ele possa manifestar “as abundantes riquezas da Sua graça, pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus” (Ef 2:7). Que manifestação de Sua graça!
