Origem: Revista O Cristão – A Igreja e a Profecia
As Dificuldades e os Perigos do Estudo Profético
Nos últimos 150 anos, houve uma renovação no interesse do estudo da profecia. Se o resultado disso é despertar a Igreja para um senso de sua própria glória, podemos esperar que Seus santos tivessem um maior entendimento de sua esperança. No entanto, existem algumas dificuldades que surgem e alguns perigos que se apresentam no estudo da profecia. É bom estarmos cientes disso, para ficarmos de guarda contra eles e, se possível, evitá-los.
A mente trabalhando
Em primeiro lugar, por causa da curiosidade natural do coração dos homens, a profecia se apresenta como um campo para o exercício da aprendizagem humana. Por estar ligado à antiguidade, história e cronologia, pode se tornar apenas um estudo intelectual. Quando isso acontecer, não haverá um tom profundo de espiritualidade, e não haverá nada para estabelecer ou alimentar as almas dos pobres do rebanho. A mente tende a estar em ação na verdade de Deus, em vez de estar sujeita a ela. Devemos lembrar que é o Espírito Santo Quem “guiará em toda a verdade” e “vos anunciará o que há de vir” (Jo 16:13). Ele sempre faz isso como Aquele que glorifica a Jesus. Ele nunca desvia a alma da Pessoa e da obra do Senhor. Ele apresenta as coisas que acontecerão como realidades vivas, sejam bênçãos ou julgamentos. Mas tudo é dado para alimentar nossa alma e nos permitir interpretar o presente à luz do futuro. Ao considerarmos a profecia, que possamos sempre ter uma sujeição verdadeira a orientação paciente e segura do Espírito Santo, pois isso será nossa salvaguarda contra o hábito especulativo de nossa mente natural.
Interpretação particular
Outro perigo é o da “particular interpretação” (2 Pe 1:20) Quando o valor da profecia é colocado na Escritura (“uma luz que alumia em lugar escuro”), a precaução também é dada: “sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação; porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (2 Pe 1:19-21). Alguns procuram resolver o aspecto atual dos eventos políticos pelo estudo da profecia. No entanto, é o Espírito Santo Quem inspira, e é só Ele Quem pode interpretá-la. Sua interpretação não será um fato isolado, mas aquilo que conecta as coisas com a glória de Cristo. Essas coisas “são conhecidas desde toda a eternidade” (At 15:18). Este é um princípio da mais profunda importância. O homem procura interpretar a profecia à luz dos eventos atuais, mas aquele que é guiado pelo Espírito conecta tudo com os propósitos revelados de Deus. Deus está constantemente seguindo o Seu caminho “de congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na Terra” (Ef 1:10). A interpretação particular é a consideração de qualquer evento marcado na profecia, independentemente de sua conexão com o conselho de Deus. Nesse caso, o evento em si terá mais significado do que o conselho de Deus no evento. Que tenhamos os propósitos de Deus em vista, e então a profecia terá seu efeito apropriado em nós.
Os propósitos atuais de Deus
Existe um terceiro perigo no estudo da profecia, a saber, o incorreto entendimento dos atuais propósitos de Deus concernentes à Igreja. O reconhecimento do atual relacionamento especial do Espírito Santo com a Igreja é uma necessidade preliminar do estudo profético, e a falta desse reconhecimento pode explicar grande parte da dificuldade e do perigo neste estudo. Certamente o Espírito Santo testificou de antemão os sofrimentos de Cristo e as glórias que se seguiriam, mas até que o propósito de Deus quanto à Igreja fosse claramente revelado, Ele não poderia os guiar em toda a verdade. Agora Ele não só é capaz de nos mostrar “as coisas por vir”, mas também é capaz de torná-las uma realidade presente para a alma. Se tivermos apenas um entendimento vago do que a Igreja é – seu chamado, seus privilégios, seu destino – nos acharemos incapazes de apreciar o alcance da profecia.
A Igreja é o grande assunto do Espírito Santo hoje, mas isso não interfere, anula ou substitui os propósitos anunciados por Deus. Pelo contrário, os confirma. Assim, é de toda a importância olhar para o futuro a partir da perspectiva posicional da Igreja. Devemos entender que enquanto a profecia é para a Igreja, ela não é sobre a Igreja. A profecia trata com os propósitos de Deus para a Terra e sempre diz respeito à Terra. A Igreja é uma companhia celestial, e assim o período durante o qual ela está na Terra não é contado no tempo profético. Isso explica por que a profecia muitas vezes toma eventos que vão ocorrer depois que a Igreja é chamada para o lar e os coloca diretamente após eventos que ocorrem no começo do período da Igreja. A Igreja é para esperar a vinda do Senhor a qualquer momento, e assim seu tempo na Terra não é o assunto da profecia. É como Se Deus tivesse “parado o relógio” do tempo profético quando a Igreja foi formada, e então Ele o reinicia novamente depois que o Senhor a leva para casa. A menos que isso seja claramente entendido, haverá uma grande confusão.
Se a verdade mais elevada da Igreja não for entendida, a própria verdade de Deus se tornará desarmoniosa e desconexa e tenderá a desestabilizar a alma em vez de estabelecê-la. Olhar para o futuro pode ser profundamente interessante, mas deve ser feito por aqueles a quem as riquezas da graça de Deus já foram tornadas conhecidas pelo Espírito Santo. Quando o coração tem sido estabelecido com graça, o entendimento da glória não será acompanhado daquele espanto que tende a desestabilizar a alma. Quando a Igreja olha para o futuro a partir de sua própria posição, o perigo e a dificuldade são removidos, e ela pode se conectar desinteressadamente com sua própria Cabeça ressurreta.
O espírito correto
Finalmente, existe o perigo de não termos nossa mente disciplinada, de modo a não entrar no estudo da profecia com o espírito correto – o espírito d’Aquele que chorou sobre Jerusalém. O encerramento desta era atual é retratado de forma assustadora na Escritura, e considerar isso requer preparação de alma. Se concentrar no desenvolvimento final do mal tende à autocomplacência, severidade de julgamento e legalismo. A Escritura nos mostra que o grande corpo professo da Cristandade deve ser cortado, porque eles não permaneceram na bondade de Deus. A salvaguarda dos Cristãos, portanto, é continuar na bondade de Deus. Então eles discernirão que nada se manifesta no final da era que já não estava agindo no começo, quando havia poder apostólico para discernir o mal e prover a salvaguarda.
Quando Paulo abre a Timóteo os perigos dos últimos dias, ele solenemente o encarrega de pregar a Palavra (2 Tm 4:2) e fazer a obra de um evangelista (2 Tm 4:5). Quando Pedro encerra sua exposição da terrível iniquidade dos últimos dias, ele dá esta salvaguarda: “Crescei na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 3:18). Quando Judas testifica do terrível mal que está vindo, ele guarda os santos assim: “Mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo, conservai a vós mesmos na caridade de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna” (Jd 20-21). Mesmo no Velho Testamento, muitos dos profetas tiveram que suportar uma disciplina dolorosa para prepará-los para o estudo do futuro de maneira correta. Por meio desse treinamento a consciência é exercitada diante de Deus. Então, por mais terrível que possa ser o mal que é falado, a alma exercitada diante de Deus pode ver em si mesmo raízes que, se não forem restringidas, levarão ao mesmo mal. Isso faz com que a alma se torne mais enraizada na graça e experimentada ainda mais no que um devedor é para a graça. Assim, o protesto mais firme contra o mal se torna ligado à humildade pessoal. Isto, por sua vez, produz julgamento próprio, juntamente com a compaixão e intercessão por aqueles que podem no momento estarem ajudando o mal. O modo de Deus agir nestes últimos dias, para nos preparar para enfrentar este mal crescente, é praticamente o de revelar a nós os recursos mais profundos de Sua graça, pois o estudo do mal por si mesmo é muito prejudicial para a alma. O reconhecimento da fidelidade de Deus nos levará para fora do mal que está ao nosso redor, ao mesmo tempo que seremos um testemunho a isto da graça de Deus. Além disso, deste ponto de vista, seremos encontrados perscrutando cada vez mais as graças e glórias de Cristo.
Adaptado de The Present Testimony, vol. 1, págs. 197-214
