Origem: Revista O Cristão – Deus tem falado?
A Inspiração e a Autoridade da Bíblia
De todos esses grandes itens de verdade escriturística que são fundamentais em seu caráter, o que forma nosso tema atual está em primeiro lugar. Agora que nosso Senhor e Seus apóstolos se foram deste mundo, temos aquelas revelações que nos são transmitidas em escritos, divinamente inspirados e, portanto, de plena autoridade, e formando a base da fé hoje. Portanto, até que a inspiração e a autoridade da Bíblia estejam total e firmemente assentadas em nossa alma, dificilmente vale a pena estabelecer de suas páginas aquelas verdades adicionais que, à primeira vista, podem parecer de caráter ainda mais fundamental.
Antes da criação do homem
No Velho Testamento, três coisas nos impressiona . Primeiro, nos capítulos iniciais, somos informados de coisas completamente fora do alcance da observação de qualquer escritor humano – coisas que não poderiam ser conhecidas à parte de uma revelação divina, uma vez que acontecimentos anteriores à criação do homem são relatados ali. Além disso, essas coisas são declaradas não em termos condizentes com a especulação humana, mas com a silenciosa ressonância e certeza de absoluto conhecimento e, portanto, de verdade.
A história humana
Segundo, em todos os livros históricos encontramos características totalmente desconhecidas de todas as histórias humanas. Podemos especificar tal característica como a ausência completa de todo culto ao herói. Há homens, de fato, aprovados por Deus, mas mesmo assim suas falhas são relatadas, e todas com um elevado desprendimento das paixões e preconceitos humanos, com um julgamento imparcial e sereno que é encontrado apenas no próprio Deus. Ou, mais uma vez, notamos que assuntos que nunca teríamos sequer mencionado são discorridos longamente, como as passagens de Juízes 17, 18:14-26 e 1 Samuel 1:4 a 2:11, enquanto coisas que deveríamos ter pensado que mereceriam muita atenção são ignoradas. Por exemplo, o grande terremoto no reinado de Uzias nunca é mencionado historicamente, e não teríamos o conhecimento de que esta grande catástrofe aconteceu, não fosse por duas alusões passageiras em Amós e Zacarias. Os livros históricos, em suma, são apenas “história”, na medida em que seu relato serve ao propósito de iluminar os propósitos ou os caminhos de Deus.
“Assim Diz o Senhor”
Terceiro, nos profetas, não podemos deixar de sentir a retidão de seus apelos. Sem hesitação, sem desculpas, mas o mais direto e enfático “Assim diz o Senhor” repetido várias vezes. A Palavra de Deus veio através de seus lábios e penas, e seu poderoso apelo ao coração e à consciência é perceptível hoje na hostilidade que suas palavras ainda despertam em homens pecadores, assim como no modo de subjugar o coração dos homens tendo em vista a sua bênção final.
Quando chegamos ao Novo Testamento, encontramos endossos claros da inspiração e autoridade do Velho, primeiramente vindos dos lábios do nosso Senhor mesmo, e depois dos evangelistas em suas frequentes referências ao cumprimento da Escritura do Velho Testamento na vida, na morte e ressurreição do Senhor Jesus. “Para que se cumprisse” e “para que a Escritura se cumprisse” são palavras que lemos repetidas vezes. Nas epístolas, também, temos inspiração claramente reivindicada para os escritores do Velho Testamento.
No Novo Testamento, temos o apóstolo Paulo reivindicando inspiração para declarações verbais dele mesmo e dos outros apóstolos ao transmitir as verdades da revelação divina. Além disso, nos versículos introdutórios ao seu evangelho, temos Lucas reivindicando uma “acurada investigação de tudo desde sua origem” (Lc 1:3 – ARA), e também que ele escreveu “em ordem” ou “com método”, de modo que, em resultado, Teófilo poderia ter “plena certeza” das verdades que tinha sido previamente instruído. No Apocalipse, temos o apóstolo João recebendo a revelação, registrando-a e, em resultado, produzindo “as palavras desta profecia” (Ap 1:1-3), e finalmente pronunciando uma maldição solene a quem ousasse adulterar essas “palavras” (Ap 22:18-19). Aqui, novamente, a inspiração verbal é assumida.
Revelação
1 Coríntios 2 é talvez o capítulo mais marcante sobre este assunto, pois aqui nos é permitido ver o processo que Deus Se agradou em ordenar pela comunicação de Seus pensamentos a Seu povo. Aqui estão três etapas distintas e uma ação distinta do Espírito Santo de Deus em conexão com cada uma.
O primeiro passo é o da revelação. As coisas preparadas por Deus para aqueles que O amam, coisas invisíveis, que não foram ouvidas e inimagináveis pelo homem, foram tornadas conhecidas pelo Espírito de Deus, que é completamente competente para tal obra, como mostra o final do versículo 10. O versículo 11 vai além e declara que o Espírito de Deus é a única Fonte possível de tais revelações. Ora, estas revelações dadas pelo Espírito alcançaram, não o mundo, nem mesmo todos os santos, mas os apóstolos e profetas (veja Ef 3:5), que são os “nós” do versículo 10, e tendo as recebido, eles procederam em transmiti-las aos outros. Portanto, o “nós” do verso 13 indica o “nós” do versículo 10.
Inspiração e apropriação
O segundo passo, então, é o da inspiração. Deus cuidou para que os apóstolos e profetas transmitissem essas revelações a outros sob a supervisão de uma forma direta e divina. Eles não foram deixados livres para exercer sua própria sabedoria sobre qual seria a melhor maneira de confirmar a verdade, mas foram guiados pelo Espírito Santo nas palavras exatas que deveriam ser usadas, como ensina o versículo 13.
Em terceiro lugar, vem o passo da apropriação. A verdade tendo sido revelada aos homens escolhidos por Deus, e por eles comunicada por palavras inspiradas, deve agora ser recebida ou apropriada para ter um efeito de iluminar e controlar os homens. Disto fala o verso 14. Nenhum homem natural – isto é, o homem em sua condição natural ou não-convertida – pode receber essas coisas. Ele carece totalmente da capacidade que lhe permitiria recebê-las. As coisas espirituais são discernidas espiritualmente. Os crentes têm “a mente de Cristo” e receberam o Espírito de Deus para que possam “conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus”.
A revelação está relacionada com a transferência da verdade da mente de Deus para a mente dos apóstolos e profetas, de modo que eles possam ter a concepção e o entendimento dela.
A inspiração está relacionada com a transferência da mesma verdade das mentes dos apóstolos e profetas para todos os santos, e para isso palavras eram necessárias, não meramente pensamentos. Mas se as palavras humanas são a expressão adequada para a verdade divina, elas devem ser escolhidas e usadas com perfeita adequação e precisão, e isso foi assegurado pela ação do Espírito Santo. “Homens santos de Deus falaram inspirados [movidos – ARA] pelo Espírito Santo” (2 Pe 1:21).
O Espírito Santo
Às vezes, de fato, essa ação do Espírito Santo tomava uma forma tão poderosa a ponto de superar as limitações necessárias que existiam na mente do profeta em questão, e fez com que ele escrevesse coisas, cujo significado real e completo ele mesmo não conhecia; e então aconteceu que alguns, se não todos os escritores da Escritura do Velho Testamento, tiveram que inquirir e pesquisar diligentemente sobre o significado daquilo que eles próprios haviam escrito. Em resposta à sua busca, foi-lhes revelado ainda que estavam escrevendo para o benefício dos santos do futuro – os santos da presente dispensação. Sendo assim, a importância total de seus escritos inspirados permaneceu vaga e indistinta na própria mente deles. Houve inspiração completa, mas nenhuma revelação completa, exceto para as futuras gerações. 1 Pedro 1:10-12 nos fala sobre isso e prova quão poderosa e real a inspiração é.
O tipo de inspiração mencionado em 1 Pedro 1:10-12 caracterizou, em grande parte, os escritores do Velho Testamento; e como os profetas, que nesses casos eram os veículos das mensagens, não foram instruídos quanto ao pleno significado de suas palavras, pode ser descrito, por falta de um termo melhor, como inspiração ininteligente.
Inspiração inteligente
O tipo de inspiração mencionado em 1 Coríntios 2 é o que caracteriza quase todos os escritos do Novo Testamento, e pode, em contraste, ser denominado por inspiração inteligente. A possível exceção à regra, que nos leva a inserir a palavra “quase” na declaração acima e em itálico, é o caso de algumas partes de Apocalipse. É bem provável que algumas das visões e afirmações dessa notável revelação do futuro fossem obscuras para João assim como são para nós, e que elas somente surgirão claramente, em seu sentido pleno e distinto, para os santos do período da tribulação vindoura. O famoso número seiscentos e sessenta e seis (Ap 13:18) é o exemplo mais nítido do que queremos dizer.
A distinção acima pode ser útil para aqueles que querem estudar esta questão um pouco mais de perto. Nunca deve ser negligenciado, no entanto, que, seja inteligente ou não inteligente, o fato e o grau de inspiração são exatamente os mesmos em ambos os casos. Está escrito não para os preguiçosos, mas para os diligentes na busca da verdade e da direção, como os judeus bereanos (At 17), que liam com fé e dependência de Deus. Só assim iremos “manejar” corretamente (2 Tm 2:15) o seu conteúdo e obteremos luz e sabedoria de Deus.
