Origem: Revista O Cristão – Jonas

Jonas o Servo

Existem dois requisitos essenciais que cada um dos que creem precisa ter para adquirir aptidão prática e serem úteis no serviço do Senhor. Estes são:

  1. Uma vontade quebrantada;
  2. Um coração quebrantado.

Quando nossa vontade própria está quebrantada somos capazes de discernir a vontade de Deus, quer seja para as dificuldades práticas do nosso dia-a-dia, quer para Seu serviço e ministério. Se na escola das profundas provações e tristezas temos aprendido a julgar nossa própria vontade perversa, seremos, então, capazes de experimentar “qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12:2).

Quando nosso coração, com suas próprias inclinações, tem sido quebrantado de uma maneira prática, Deus pode revelar a nós Seu próprio coração cheio de graça, amor e terna compaixão.

Uma vontade subjugada nos torna aptos a servir ao Senhor, porém um coração quebrantado nos faz servir a Ele “segundo o Seu coração”, em espírito e verdade.

Jonas, embora sendo um corajoso servo de Deus, ainda não havia aprendido essas coisas. Ele estava ocupado com sua própria importância – com sua própria dignidade como um profeta – e se esqueceu de que era um profeta de Deus. Logo após receber um mandamento de Deus, tentou “fugir diante da face SENHOR”. Porém o Senhor logo mostrou a insensatez de tal tentativa e Jonas teve que aprender algumas lições extremas – duas delas na barriga de um peixe e a terceira debaixo da aboboreira.

O que Jonas aprendeu na barriga do peixe 

Os primeiros dois capítulos do livro de Jonas nos ensinam duas verdades importantes. Primeiro aprendemos que não existe nenhum lugar no qual o braço de Deus não possa nos alcançar; Segundo, aprendemos que não existe nenhuma prisão da qual as mãos de Deus não possam nos libertar.

Talvez alguém suponha que Jonas, sendo profeta do Senhor, não fosse muito inteligente e temente a Deus, para executar a vã tentativa de fugir da presença do Senhor. Não vamos tratar o profeta de maneira tão dura, pois quão frequentemente seguimos, como Jonas, as incitações dos nossos desejos naturais! É fácil esquecer esta verdade tão importante na vida prática da fé, como expressa no Salmo 139:7: “Para onde me irei do Teu Espírito ou para onde fugirei da Tua face? Se subir ao céu, Tu aí estás; se fizer no Seol (que é abismo ou lugar dos mortos) a minha cama, eis que Tu ali estás também”. Foi exatamente esta verdade esquadrinhadora que Jonas praticamente esqueceu.

Aparentemente ele deve ter pensado assim: “Deus deve ter intenções graciosas a respeito de Nínive, me enviando com esta mensagem de aviso, e como resultado os ninivitas irão se converter de suas obras más e irão se arrepender. Deus então irá Se arrepender do julgamento anunciado contra eles e eu serei exposto como um profeta mentiroso”. A tentação no caso de Jonas não era pequena, mas onde estava sua fé? Onde estava sua confiança em Deus, e o olho e coração focados na simples obediência pela fé? Será que Deus não era capaz de cuidar do caráter de Seu profeta?

Oh que coisa miserável é o “ego”, especialmente no serviço e ministério do Senhor! Seria melhor deixar milhões de almas de ninivitas perecerem do que o caráter do profeta de Deus ser difamado! Nesta dispensação da Graça, a história da Igreja nos dá testemunho dos tristes frutos de tal orgulho não julgado em alguns que são vistos como servos do bendito Senhor. Oh, que possamos aprender a ser pequenos diante d’Ele que uma vez foi o menor de todos os Servos e que agora está exaltado à direita de Deus!

Jonas aprendeu duas coisas muito importantes na barriga do peixe:

  1. “Os que observam as vaidades vãs deixam a sua própria misericórdia”;
  2. “Do SENHOR vem a salvação”.

A vaidade mais enganadora não está no mundo lá fora, mas dentro de nós mesmos. Jonas, em meio aos constantes apelos de seu serviço como profeta, não permitiu a si mesmo tempo suficiente para aprender, na luz da presença de Deus, a traiçoeira profundeza do seu próprio coração mau. Se tivesse aprendido, não teria tentado fugir da presença do Senhor e não seria achado na barriga do peixe. Jonas teve que aprender isso na profundeza dos mares, onde ele tinha a “sentença de morte” em si mesmo, para que ele não confiasse em si mesmo, “mas em Deus, que ressuscita os mortos” (2 Co 1:9). Ele teve a mesma experiência que o apóstolo Paulo teria no futuro, embora que não na mesma altura e profundidade da medida Cristã que o apóstolo tinha. Mas, mesmo um servo de Deus como Paulo, o apóstolo da glória, não podia ser poupado desta lição. Assim como aconteceu com Jonas e com o apóstolo, da mesma forma é com cada um de nós. Ter “a sentença de morte” em nós mesmos deve ser experimentado, antes que a vitoriosa e triunfante certeza da fé possa nos tornar superiores às dificuldades que nos rodeiam.

Cedo ou tarde, cada um de nós, como foi com Jonas, tem que passar uma temporada na barriga do peixe (frequentemente até mesmo várias temporadas), para aprendermos, como ele, esta difícil, mas tão importante verdade que “os que observam as vaidades vãs deixam a sua própria misericórdia”.

Do SENHOR vem a Salvação 

Porém havia outra, mas não menos importante verdade, que Jonas tinha que aprender em sua prisão. Como temos visto, a primeira grande verdade teve que ser aprendida por ele nas profundezas do mar, quando ele estava desprovido de qualquer ajuda humana. Tão logo Jonas aprendeu essa lição por completo, a segunda foi aprendida em seguida que é: “do Senhor vem a salvação”.

Quando os israelitas chegaram ao Mar Vermelho e todos os meios de livramento humano terminaram, então somente as seguintes palavras foram ouvidas: “Não temais; estais quietos, e vede o livramento do SENHOR, que hoje vos fará” (Êx 14:13). Somente quando o homem, em Romanos 7, convertido, porém ainda legalista, na barriga do peixe, reconheceu inteiramente o seu fracasso a respeito de suas próprias forças, é que ele percebe que a salvação e o livramento devem vir do Senhor, e então exclama, “Dou graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 7:25).

Assim foi com Jonas. Ele primeiro teve que aprender que “os que observam as vaidades vãs deixam a sua própria misericórdia”, e então, que “do SENHOR vem a salvação”. Imediatamente, “falou, pois, o SENHOR ao peixe, e ele vomitou a Jonas na terra” (Jn 2:10).

O que Jonas aprendeu debaixo da aboboreira 

Jonas tinha que aprender agora, pelo murchar de seu próprio coração neste desapontamento, o que são a terna piedade e misericórdia do coração de Deus. Isto ele aprendeu debaixo da aboboreira milagrosa. O Senhor preparou esta aboboreira para o conforto de Jonas – uma aboboreira que se formou em uma noite. Entretanto, o conforto que a aboboreira trouxe para Jonas durou pouco. “Mas Deus enviou um bicho, no dia seguinte, ao subir da alva, o qual feriu a aboboreira, e esta se secou. E aconteceu que, aparecendo o Sol, Deus mandou um vento calmoso, oriental, e o Sol feriu a cabeça de Jonas e ele desmaiou, e desejou com toda a sua alma morrer, dizendo: Melhor me é morrer do que viver” (Jn 4:7-8). Em resposta à pergunta de Deus sobre sua ira, a linguagem do profeta assume um caráter desafiador: Ele responde, “ É justo que me enfade a ponto de desejar a morte” (Jn 4:9).

Mas o que Jonas estava fazendo debaixo da aboboreira? Não estava ele esperando pelo julgamento de Deus, enquanto Deus estava esperando para demonstrar graça? Mas o profeta ainda não tinha entendido esta mensagem de graça. A aboboreira deveria então ser despojada de suas folhas, para que então o profeta, desprovido da sombra que o beneficiava, pudesse aprender, por seu próprio sofrimento, a sua própria necessidade daquela compaixão da qual ele tinha falta e pouco conhecimento de como apreciá-la.

O coração 

Este exercício de consciência e de coração não pode ser evitado nem mesmo pelo mais excelente santo de Deus. A consciência deve ser alcançada na barriga do peixe, porém o coração deve ser tocado pelo murchar da aboboreira. Era a intenção de Deus que o coração, assim como a consciência de Seu profeta (como todos Seus servos) devessem ser exercitados. Existem crentes cuja consciência tem sido verdadeiramente exercitada, mas por falta de exercício em seu coração, conhecem pouco sobre a compaixão de Cristo. Jonas entendeu, ainda que em pouca medida, a terna misericórdia de Deus; Ele tinha, entretanto, que aprender pelo sofrimento a sua própria necessidade dela.

“E disse o SENHOR: Tiveste compaixão da aboboreira, na qual não trabalhaste, nem a fizeste crescer; que, em uma noite, nasceu e, em uma noite, pereceu; e não hei de Eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que estão mais de cento e vinte mil homens, que não sabem discernir entre a sua mão direita e a sua mão esquerda, e também muitos animais?” (Jn 4:10-11). Jonas lamentou a súbita morte de uma aboboreira, porque isso o privava do alívio que ela tinha provido a ele. E não deveria ter Deus piedade de uma cidade como Nínive, com seus milhares de bebês (Deus sabia o número deles) que não podiam discernir sua mão esquerda da sua mão direita, e muitos animais? Assim então Deus tinha alcançado o coração de Jonas, e seu coração deveria ser quebrantado e moldado pela percepção da graça e misericórdia de Deus.

O fato de o próprio profeta ter escrito este livro, registrando, dessa forma, seu próprio pecado e vergonha, nos prova completamente como não somente sua vontade, mas também seu coração, foram quebrantados e humilhados pela percepção da graça de tão grande Deus. Que nós possamos também receber a instrução que Deus pretende nos passar, porque as coisas que aconteceram com Jonas foram escritas para aviso nosso.

J. A. vonPoseck (Adaptado)

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