Origem: Revista O Cristão – Justificação
Justificação “dos Pecados” e “de Vida”
Nos primeiros oito capítulos de Romanos, recebemos o evangelho plenamente revelado. É a resposta para a pergunta: “Como pode um homem ser justo para com Deus?” Esta é a grande questão de toda a epístola. Nós não vemos a ressurreição com Cristo nesta epístola, nem há união. É a morte com Cristo e a vida por meio d’Ele. Quando você obtém ressurreição com Cristo, você está associado a Ele em vida, e quando a união é ensinada, você nunca encontra justificação. Uma nova criação claramente não necessita de justificação. Este é o ensinamento de Efésios, onde você não obtém nada sobre justificação, mas todos os privilégios e deveres da nova criação. Em Romanos, somos pecadores e necessitamos de justificação. Em Efésios, somos vistos como “mortos em delitos e pecados”.
As duas partes da justificação
Existem duas partes da justificação – “dos pecados” e “de vida”. A primeira é a limpeza do meu antigo estado, enquanto a segunda me coloca em um novo lugar diante de Deus. Essas duas partes são tratadas distintamente nesta epístola, dividindo os capítulos 1-8 em duas partes. A primeira parte termina no capítulo 5:11. No capítulo 1, vemos o terreno que exigia justificação: “Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda impiedade” (v. 18). Não é a ira governamental, mas a ira contra o pecador, “porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3:23). Todos os tratamentos do Cristianismo estão neste terreno. Você deve andar na luz ou não terá nada a ver com Deus.
No capítulo 1, o primeiro fato que é declarado é que a justiça de Deus é revelada; no capítulo 2, a prova disso e a condição do homem. No capítulo 3, o apóstolo nos dá primeiro os privilégios do judeu, e então ele diz que exatamente aquilo que você se vangloria é o que te condena. Então todos são trazidos para debaixo do pecado. O que é preciso é aptidão para estar na presença de Deus e não ficar aquém da Sua glória.
A bondade do caráter de Deus
Propiciação satisfaz a Deus como um Juiz justo e santo. Quando uma pessoa ofendeu ou prejudicou outra, ela requer propiciação. Deus provê a propiciação e define Cristo como tal. A morte de Cristo glorifica o próprio Deus. É de imensa importância ver o modo de Deus colocando de lado os pecados do velho homem; não pode haver paz sem isso. Outra coisa é ver como Deus faz um novo homem.
Temos dois caracteres distintos de bem-aventurança nesses capítulos: o primeiro, capítulo 5:1-11; o segundo, capítulo 8. No capítulo 5, tenho coisas mais elevadas sobre Deus do que no capítulo 8. No capítulo 5, descubro o que Deus é para o pecador; no capítulo 8 é o que Ele é para o novo homem em Cristo Jesus. Deus é mais plenamente revelado na bondade absoluta de Seu caráter no capítulo 5, porque ali Suas relações são com o pecador que é culpado diante d’Ele e está destituído de Sua glória. Mas o santo está em um lugar mais elevado no capítulo 8 – ali Deus é por mim. Em primeiro lugar (cap. 5), Deus é conhecido como o Justificador; no segundo (cap. 8), como Abba Pai. A parte 1 termina no capítulo 5:11; é assim que Deus lida com um pecador em relação a seus pecados. Agora chegamos à segunda parte. A parte 1 não tem nada a ver com experiência, pois lá tenho minhas dívidas pagas. Isso pode produzir sentimentos muito felizes, como vemos no capítulo 5. A parte 2 tem tudo a ver com experiência.
O fruto e a árvore
É o fruto, e não a árvore, que é julgado na parte 1. A árvore em si é julgada na parte 2. Na parte 1, temos um homem que fez isso, aquilo e mais outro, e Cristo morreu por ele. Deus ressuscitou a Cristo e eu crendo n’Ele e sou justificado. É ratificado. A justificação não foi completada na cruz, embora a obra pela qual somos justificados foi. Não tenho a certeza disso até ver Cristo em ressurreição. A obra na cruz é aquela pela qual eu sou justificado, mas Ele foi ressuscitado para nossa justificação. Ele foi entregue, estando nossas ofensas diante de Sua mente. Ele foi ressuscitado, estando nossa justificação diante de Sua mente.
Então o capítulo 5 começa: “Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz”. Aqui obtemos todo o passado, presente e futuro: justificados quanto ao passado, tendo paz com Deus e permanecendo no favor de Deus quanto ao presente, e nos regozijando na esperança da glória de Deus quanto ao futuro. Eu tenho aprendido por todo esse processo não apenas o que eu sou, mas o que Ele é. Eu tenho o Espírito Santo em mim, como consequência da justificação, derramando o amor de Deus em meu coração. Quando sei que tudo está resolvido e que estou reconciliado, então tenho paz.
O estado da raça
Mas quando chegamos ao capítulo 5:12, chegamos à condição do homem. É o estado da raça e não do indivíduo. Eu fico mais preocupado com o pecado em mim do que com meus pecados passados. Mas aqui encontramos o remédio também – não que Cristo morreu pelos meus pecados, mas que eu morri com Cristo para o pecado. Esta é a justificação de vida aqui. Temos agora o lado ativo da justificação: “Portanto, agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8:1). Nos primeiros onze versículos do capítulo 5, vemos a bem-aventurança do crente como resultado do que o apóstolo estava trazendo na parte anterior da epístola, enquanto no capítulo 8 temos a bem-aventurança que é o resultado do que o apóstolo trouxe do capítulo 5:12 até o final do capítulo 7. Na parte 1, temos os pecados colocados de lado; na parte 2, é uma questão do que é o homem. Não encontramos perdão aqui. O pecado nunca é perdoado, mas condenado. “Deus, enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne” (Rm 8:3). Os pecados são postos de lado pelo sangue; o pecado é eliminado pela morte.
Nós vemos que a graça deve ter um aspecto tão grande quanto o pecado. A apresentação da graça é para todo o mundo, embora sua aplicação seja apenas para aqueles que recebem o dom. “Pois… por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida” (Rm 5:18). O dom da justiça é para todos. Como o pecado de Adão se dirige a toda a raça, assim também a justiça de Um. Aqui eu recebo justificação conectada com a vida.
Não somente o Senhor Jesus afastou o pecado, mas Ele levou todos os nossos pecados, os confessou como se fossem Seus, e todos eles se foram. Nunca é dito que Cristo morreu pelos pecados do mundo. Em Romanos 6-7, estou morto e justificado do pecado. Agora eu posso me considerar morto. Não sou eu; Eu já tive o suficiente do “eu”. Agora, Cristo é o “eu”. Se eu estou vivo por meio de Cristo, eu morri por meio de Cristo. “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl 2:20). O indivíduo é libertado do que era como filho de Adão e obtém os privilégios de um filho de Deus.
Perfeitamente livre
Agora você está perfeitamente livre. Você foi um escravo do pecado: Agora entregue-se a Deus. No capítulo 7, temos o mesmo princípio aplicado à lei. Você não pode ter tanto a lei quanto a Cristo. No versículo 6 vemos: “morremos para aquilo em que estávamos retidos”. Não é a lei que está morta, mas eu estou morto. A lei é o carcereiro; Eu sou o prisioneiro. O erro que as pessoas estão cometendo é que estão matando o carcereiro em vez do ladrão. O carcereiro não está morto; o ladrão está. Este capítulo é a experiência de uma alma vivificada que ainda está sob a lei. A experiência vem aqui, e não na primeira parte da epístola. Nos capítulos 2-3 é o que um homem fez. No capítulo 7, é o que ele é em si mesmo. Não é apenas que eu tenho feito coisas más, mas “eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (v. 18). Isso deve ser aprendido experimentalmente e não meramente conhecido como doutrina. A alma aqui aprende três coisas: primeiro, que em si mesmo, isto é, em sua carne, não há bem algum; segundo, ele vê que a carne não é ele mesmo, pois ele a odeia; terceiro, que ela é forte demais para ele, e ele clama por libertação. É Deus trazendo um homem ao pleno conhecimento de si mesmo; então ele diz: “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7:24). Então Cristo Se apresenta e nós temos a libertação completa do capítulo 8.
Minha experiência
Este capítulo, então, é experimental e a verdade precisa ser aprendida, não apenas como uma teoria, mas experimentalmente. Dizer que meus pecados são perdoados não é experiência, mas se você me disser alguma coisa sobre mim mesmo, minha experiência responde a ela ou não. Nós nunca desistimos da carne até que tenhamos aprendido quão completamente má ela é. Preciso aprender a dizer: “Não sou eu”, embora não o diga levianamente, porque, como filho de Adão responsável, sou eu, mas descobri outro eu. Quanto à carne, não há questão de perdão – eu quero ser libertado dela. Romanos 5:1-11, então, é o que Deus amava para o pecador. O capítulo 8 é a condição do crente com Deus.
Adaptado de Collected Writings, 21:193-200
