Origem: Revista O Cristão – Justificação

Palavras Claras sobre a Justificação

Foi uma questão séria que foi colocada a Jó por um de seus amigos há mais de três mil anos: “Como, pois, seria justo o homem perante Deus, e como seria puro aquele que nasce da mulher?” (Jó 25:4). Depois de todos esses séculos, podemos ainda perguntar: “Existe algo assim, justificação para com Deus?” Evidentemente, Bildade, o suíta (Jó 25), teria se inclinado a uma resposta negativa, pois prossegue, em linguagem patética: “Olha, até a Lua não resplandece, e as estrelas não são puras aos Seus olhos. E quanto menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é um bicho!” (Jó 25:5-6). Se nos voltarmos para as palavras do salmista Davi, encontramos (Sl 143:2) que ele fala de uma forma similar: “E não entres em juízo com o Teu servo, porque à Tua vista não se achará justo nenhum vivente”.

A luz do Novo Testamento 

Felizmente, vivemos à luz brilhante do Novo Testamento e, ao consultarmos suas páginas, não temos nenhuma perda para descobrir a verdadeira resposta à nossa pergunta. Aquele maravilhoso terceiro capítulo de Romanos, que cala toda boca e prova todo homem culpado diante de Deus, declara que “nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei” (v. 20). Não nos surpreende que Bildade e o salmista devam concluir igualmente que não havia justificação diante Deus. Para nós, ao contrário, quão bendito é descobrir que quando o apóstolo descreve sumariamente a condição e a culpa do homem nas breves palavras: “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3:23), é apenas uma limpeza preparatória do terreno para a afirmação graciosa que segue no mesmo fôlego: “sendo justificados gratuitamente pela Sua graça”. Também lemos em Gálatas 3:8: “tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios”. E novamente, em Romanos 8:30, “aos que chamou, a esses também justificou”.

Quem é o Justificador? 

A justificação envolve um Justificador. Quem então é esse Justificador? Em Romanos 3:26 lemos essas palavras abençoadas: “Para demonstração da Sua justiça neste tempo presente, para que Ele seja Justo e Justificador daquele que tem fé em Jesus”. E novamente, em Romanos 8:30, “aos que [Deus] chamou, a esses também justificou”. Deus, então, é o Justificador, e a importância disto nunca será exagerada o suficiente, pois a quem Ele justifica deve ser justificado de fato! Não é uma obra falível, marcada e arruinada pela imperfeição humana, mas uma coisa completamente divina de valor incontestável e imutável para a eternidade. A magnitude e a grandeza desta porção da verdade divina incendiaram o coração do apóstolo quando ele exclamou: “É Deus Quem os justifica. Quem os condenará?” (Rm 8:33-34).

Quem é justificado? 

Nossa próxima pergunta é: quem são estes que são justificados? Se existe tal coisa como justificação, e o próprio Deus é o Justificador, é importante para nós entendermos quem Ele justifica. Novamente nos voltamos para Romanos 3:26 e lemos as palavras conclusivas de que Ele é o “Justificador daquele que tem fé em Jesus”. Nada poderia ser mais claro. É o crente e somente o crente a quem Deus justifica. Nós não hesitamos em dizer que nenhuma pessoa pode saber o que é ser justificado a não ser um crente n’Aquele Bendito – o Homem de dores uma vez, e o Homem de glória para sempre! Mas talvez se responda que, no próximo capítulo, lemos que Deus justifica “o ímpio”. A palavra descreve seu estado até o momento em que ele se torna um crente. Essa palavra “ímpio” descreve o estado do homem por natureza, e isso é totalmente revelado no quinto capítulo, onde três expressões são usadas descritivas de nossa condição natural. No sexto verso, estamos “sem força”, no oitavo versículo “pecadores” e no décimo “inimigo”. O primeiro desses termos mostra sua incapacidade – homem sem poder para fazer boas obras. O próximo mostra sua capacidade – ele é praticamente um trabalhador do mau, um pecador. O último é o pior de todos, pois ele tem um coração cujas fontes interiores estão em inimizade para com Deus. Isto foi claramente provado quando Cristo estava aqui na Terra, pois o próprio Deus Se manifestou em carne, habitando entre nós em perfeito amor ao homem, e foi odiado sem causa. Ele era a canção do bêbado, e por Seu amor eles lhe deram ódio. Tal é o homem! Não obstante, bendito seja o Seu nome: “e, por meio d’Ele, todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés” (At 13:39 – ARA). Isto é Deus!

O que é justificação? 

Mas é hora de fazer a pergunta: o que é justificação? Devemos nos referir a Romanos 4:3 para a resposta de Deus ao nosso questionamento: “Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado [considerado – JND] como justiça”. Novamente, no verso 5: “Mas, àquele que não pratica, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada [considerada – JND] como justiça”. E também no verso 9: “A fé foi imputada [considerada – JND] como justiça a Abraão”. A resposta simples, então, é que justificação é justiça judicial; em outras palavras, Deus nos considerando ou nos declarando justos diante de Si mesmo – com base naquilo que veremos em breve. No presente, devemos ser claros quanto à coisa em si, e enfaticamente destacaríamos na mente do leitor essa verdade simples, mas profundamente importante, que a justificação significa alguém ser considerado por Deus e perante Deus judicialmente justo, que é a posição positiva, absoluta e imutável do crente agora e eternamente. Isso, e somente isso, é justificação. Assim, não é meramente perdão, que nos fala daquilo que nos foi tirado, mas um estado que fala do que obtivemos, da justiça realizada e sempre subsistente em Cristo diante de Deus, a Quem já somos levados pelo próprio ato de Deus, como o Justificador daquele que crê em Jesus.

A justiça prática de Cristo 

Aqui, notemos que a Escritura não apoia o pensamento de que a justiça prática de Cristo em Sua vida santa e inculpável na Terra é imputada em nossa conta para a justificação. Que Ele magnificou a lei e colocou honra sobre ela em Sua própria Pessoa é plenamente admitido, mas nada é encontrado na Escritura que dê aprovação à noção equivocada de que essa Sua justiça foi imputado a nós. A doutrina bíblica da justiça imputada significa simplesmente que somos considerados justos sem a observância da lei quanto ao princípio de justificação (Rm 3:21) e sem obras de qualquer tipo quando à prática (Rm 4:5). É a nossa posição judicial que é indicada por esta imputação de justiça, e é baseada somente em que “cremos n’Aquele que dentre mortos ressuscitou a Jesus, nosso Senhor” (Rm 4:24 – ACF). Não é que as boas obras feitas por Cristo são colocadas em nossa conta, o que seria tornar a vida de Cristo algo vicário, mas sim que “como Ele é” (o Homem glorificado na presença de Deus), “somos nós também neste mundo” (1 Jo 4:17). Esta é a doutrina escriturística da imputação da justiça, e exibe maravilhosamente o caráter divino da nossa justificação.

Sobre o princípio da fé 

Além disso, nos deixe perguntar: Sobre o que somos justificados? Romanos 4:25 ensina que Jesus, nosso Senhor, foi ressuscitado para a nossa justificação; Romanos 5:1, que somos justificados pelo princípio de fé; versículo 9, que somos justificados no poder do Seu sangue. Cada um desses versículos nos ajuda a obter uma resposta. Em seu caráter intrínseco, nossa justificação está de acordo com o valor que o sangue de Cristo tem para Deus. Unicamente pelo sangue somos justificados para com Deus e, de acordo com seu inestimável valor, é o caráter de nossa aceitação e posição em Sua santa presença. Mas olhando para o homem, é por fé; isto é, obtemos justificação sob o princípio de fé e não de obras. Praticamente não somos e não podemos ser justificados até que a fé tenha sido exercitada por nós. Assim, lemos na linguagem peculiarmente incisiva de Romanos 4:5: “Mas, àquele que não pratica, porém crê n’Aquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada [considerada – JND] como justiça”. Por conseguinte, Abraão, sem obras, mas proeminente por sua fé, é apresentado como o padrão de um homem justificado. Novamente, está em conexão direta com a ressurreição – a ressurreição de Cristo. Ele foi ressuscitado, lemos, para nossa justificação, e a menos que tenhamos parte em Sua ressurreição, não somos justificados. Deus é nosso Justificador, e o Cristo ressuscitado em Sua presença é nosso Representante na justificação, a expressão daquele estado de justiça alcançada que subsiste para sempre, no qual somos colocados como aqueles justificados de Deus em virtude da morte de Cristo (2 Co 5:21).

Finalmente, perguntaremos: quais são os resultados disso? Os versículos que estávamos examinando agora fornecem a resposta final. Primeiro, nossos pecados (ofensas) se foram todos, pois Aquele que foi assim ressuscitado havia sido entregue por eles. Ele foi entregue por causa dos nossos pecados e para que fossem colocados de lado, e tendo Ele sido ressuscitado, nossos pecados não têm mais lugar diante de Deus que os tratou com justiça. Segundo, tendo sido justificados, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. A paz é eternamente estabelecida entre nós e Ele mesmo! Terceiro, “Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo Seu sangue, seremos por Ele salvos da ira” (Rm 5:9). O primeiro resultado tem a ver com o passado, pois os meus pecados foram apagados pelo Seu sangue; o próximo resultado com o presente, pois é agora que tenho paz com Deus; o último resultado com o futuro, pois a ira é a ira vindoura, e estou certo, no testemunho divino, de que estou tão limpo diante de Deus e tão aceito e estabelecido no amor que tenho o direito “para que no dia do Juízo tenhamos confiança” (1 Jo 4:17).

Quão maravilhoso, em todos os pontos de vista, é a nossa justificação diante de Deus! O Senhor nos dá uma apreensão verdadeiramente escriturística dela, “para louvor e glória da Sua graça, pela qual nos fez agradáveis a Si no Amado” (Ef 1:6).

Adaptado de The Christian Friend, 1879

W. Rickards

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