Origem: Revista O Cristão – Jó: O Homem e Seu Caráter

Justo e Bom

Em Romanos 5:7(ARA), lemos: “Dificilmente alguém morreria por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém se anime a morrer”. Esse versículo pode parecer um pouco intrigante no início, e podemos nos perguntar qual é a diferença entre ser justo e ser bom. As duas palavras não têm um significado semelhante?

Quando nos aproximamos da Palavra de Deus, muitas vezes devemos deduzir o significado das palavras da maneira como a Escritura as usa e pelo contexto em que são usadas. Isso não significa que podemos interpretar a Escritura da maneira que desejarmos, ou colocar uma construção estranha nas palavras usadas pelo Espírito de Deus. Mas “as coisas do Espírito de Deus” se “discernem espiritualmente” (1 Co 2:14), e devemos discernir o significado da Palavra de Deus dessa maneira.

Em Romanos 5:7, a palavra “justo” tem o pensamento de ser totalmente reto, honesto e exato no trato com os outros, e isso talvez inclua também a perspectiva de alguém em relação a Deus. Isso não significa que o indivíduo necessariamente tenha um relacionamento com Deus: Ele pode estar confiando em sua própria justiça para assegurar-lhe o favor de Deus. No entanto, ainda assim, quanto aos padrões humanos, ele pode ser justo. Contudo, esse tipo de indivíduo tende a manter os outros no mesmo padrão sob o qual ele mesmo opera. Deixe que os outros falhem em algum aspecto da justiça, por menor que seja, e ele é rápido em apontar isso e talvez condená-los por isso. As pessoas podem respeitar e admirar tal indivíduo, mas muitas vezes não sentem nenhum calor ou amor por ele. Elas podem realmente se sentir um pouco desconfortáveis na presença dele, pensando que talvez elas vão dizer ou fazer algo que poderá trazer uma repreensão.

Por outro lado, a palavra “bom” neste versículo vai além de simplesmente ser justo. Inclui justiça, mas o indivíduo não é “demasiadamente justo” (Ec 7:16), e não implica com os outros por pequenos deslizes de retidão, cortesia ou boas maneiras. Ele é íntegro e não é negligente em relação ao pecado, mas também trata os outros com graça e amor, talvez ignorando certas coisas, no espírito de que “o amor cobre multidão de pecados” (1 Pe 4:8 – ARA). Esse tipo de indivíduo não será apenas respeitado, mas também amado. Como Romanos 5:7 nos diz, os homens estariam mais dispostos a se sacrificar por alguém que fosse bom do que por alguém que fosse justo.

Tanto justo quanto bom 

Onde tudo isso nos deixa com um homem como Jó? Ele era apenas justo ou também era bom? Eu sugeriria que o livro de Jó nos mostra que ele incorporou ambas as características naquilo que ele era diante dos homens e também diante de Deus.

Em primeiro lugar, é evidente que Jó era um homem justo, embora, em última análise, seus três amigos o acusassem de ser injusto e hipócrita. O próprio Jó mantém sua justiça aos seus três amigos, e ele poderia lhes dizer: “Agora, pois, por favor, olhai para mim; porque de certo à vossa face não mentirei. Mudai de parecer, peço-vos, não haja injustiça; sim, mudai de parecer, que a minha causa é justa. Há iniquidade na minha língua? Ou não poderia o meu paladar discernir coisas perversas?” (Jó 6:28-30 – AIBB). Embora Jó tenha dito essas palavras, não temos motivos para sugerir que ele estivesse mentindo ou mesmo exagerando sobre si mesmo.

Mais do que isso, e muito mais importante, temos o testemunho do Senhor quanto ao caráter de Jó, pois o Senhor poderia dizer a Satanás: “Observaste o Meu servo Jó? Porque ninguém há na Terra semelhante a ele, homem sincero e reto, temente a Deus, desviando-se do mal” (Jó 1:8). Vale ressaltar que Satanás, que hoje é “o acusador de nossos irmãos” (Ap 12:10), não tenta refutar a declaração de Deus sobre Jó. Não há dúvida de que Jó era um homem justo.

No entanto, creio que temos evidências de que ele também era um homem bom. Um homem justo, e especialmente aquele que é rico, é muitas vezes detestado, mesmo que apenas por causa do ódio inato do homem natural à superioridade. No entanto, Jó tinha amigos, três dos quais vieram visitá-lo, assentaram-se com ele e conversaram muito com ele. Eles eram verdadeiramente seus amigos, e o Espírito de Deus os chama de seus amigos em todo o livro de Jó.

Mais do que isso, o próprio Jó dá testemunho de sua bondade para com os pobres e da maneira como usou sua riqueza para ajudar os outros. Seus amigos o acusaram de oprimir os pobres, mas Jó podia dizer: “porque eu livrava o miserável, que clamava, como também o órfão que não tinha quem o socorresse e eu fazia que rejubilasse o coração da viúva” (Jó 29:12-13). Novamente, não temos motivos para concluir que isso era falso, ou mesmo um exagero. Ele também poderia dizer: “O estrangeiro não passava a noite na rua; as minhas portas abria ao viandante” (Jó 31:32). Isso certamente ia além da ação de muitos, pois admitir um estranho em casa é de fato ser um homem “bom”.

O Senhor não ficou satisfeito 

Acredito que no caráter de Jó podemos ver justiça e bondade, pois a Palavra de Deus usa esses termos em Romanos 5:7. No entanto, ainda havia algo importante em sua vida com o qual o Senhor não estava satisfeito. Os caminhos de Deus conosco estão muitas vezes além do nosso entendimento, e Jó, por mais que fosse bom, tinha uma lição a aprender que só o Senhor poderia ensiná-lo.

Eu faria apenas um comentário final. Alguém pode ser justo e bom, mas ainda assim ser odiado por muitos. A fim de obter a perspectiva perfeita sobre qualquer coisa, devemos trazer Cristo à questão, e quando consideramos nosso bendito Mestre e Senhor, descobrimos que Ele demonstrou perfeita justiça e perfeita bondade em Sua vida. No entanto, o Senhor Jesus disse: “O mundo não vos pode odiar, mas ele Me odeia a Mim, porquanto dele testifico que as suas obras são más” (Jo 7:7). Este mundo gosta de justiça e bondade perfeitas, mas não gosta de ser lembrado de sua condição perdida e de sua necessidade de um Salvador. Tal era o coração do homem, manifestado quando Deus enviou Seu Filho amado a este mundo.

W. J. Prost

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