Origem: Revista O Cristão – Sangue e Água

Lavar os Pés

Em outra parte desta edição, falamos sobre o lavar dos pés e como nosso Senhor lavou os pés de Seus discípulos pouco antes de ir para a cruz. Também vimos o significado do Seu ato, que nos foi apresentado como figura, extraído da frase “lavagem da água, pela Palavra” (Ef 5:26). Nosso próprio Senhor os lavou naquela ocasião, mas então Ele deu aos Seus discípulos a exortação: “Porque Eu vos dei o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13:15). Temos o privilégio de lavar os pés uns dos outros, seguindo o exemplo do nosso bendito Mestre. No entanto, quantas vezes falhamos nesse importante serviço de lavar os pés uns dos outros, seja fazendo da maneira errada ou, talvez por medo do fracasso, não fazendo de maneira alguma. Eu gostaria de analisar algumas das razões pelas quais fracassamos e apontar na Escritura a maneira correta de lavarmos os pés uns dos outros.

O Lugar Baixo 

Primeiro de tudo, descobrimos que o Senhor Jesus “tirou as vestes e, tomando uma toalha, cingiu-Se” (Jo 13: 4). Há uma profundidade de significado nesta frase. Como alguém observou, o Senhor Jesus, enquanto estava neste mundo, era sempre “O cingido, não O arrumado”. Ele estava aqui para servir, não para ser servido. Assim também nós, se formos lavar os pés de outra pessoa, devemos ser servos, não aqueles que ocupam um lugar alto, esperando honra uns dos outros. Nos dias em que nosso Senhor viveu na Terra, era função do servo lavar os pés dos convidados da casa, e nós também deveríamos estar dispostos a tomar este lugar baixo, se quisermos ser de alguma ajuda uns para os outros.

Ele colocou de lado Suas vestes. As vestimentas na Escritura às vezes falam de nossos direitos neste mundo e de nossas circunstâncias externas que, talvez, nos distinguem. Isso também deve ser deixado de lado, se quisermos nos abaixar para lavar os pés de outra pessoa. Não podemos insistir em um lugar que possa ser nosso em virtude de nossa posição nesta vida; antes, devemos seguir nosso bendito Senhor, que Se humilhou até a morte da cruz. Todo o nosso desejo deve ter em vista a bênção e a restauração à comunhão com aquele cujos pés lavamos; não deve, de forma alguma, estar conectado com o reconhecimento de nós mesmos.

Amor 

Em segundo lugar, lemos que o Senhor Jesus, “como havia amado os Seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13:1). O amor do Senhor não envolveu apenas a Sua obra na cruz para tirar os nossos pecados, mas também envolve o Seu cuidado por todos nós durante toda a nossa senda. Da mesma forma “Que vos ameis uns aos outros; como Eu vos amei a vós” (Jo 13:34). Tendo uma nova vida em Cristo, temos a capacidade de mostrar o amor divino uns aos outros, e esta deve ser a motivação para lavar os pés. Na Igreja de Deus, somos chamados dentre muitas nações, origens raciais, modos de vida, culturas e línguas. Às vezes o amor natural pode não estar presente, mas o amor divino flui em direção ao seu objeto sem pedir nada em retorno. Este é o amor que deve estar operando em nossa alma, se vamos lavar os pés dos outros. E se o amor divino está ali, ele se mostrará de uma forma que será sentido e desfrutado por seu objeto, e isso preparará o caminho para lavar os pés.

Um Relacionamento 

Em terceiro lugar, temos que cultivar um relacionamento entre nós, para que possamos ter confiança uns para com os outros. Se nosso principal contato com nossos irmãos é somente quando nos aproximamos deles para lavar os seus pés, poderemos descobrir que eles não apreciam nossos esforços. Eu sugeriria que obtivéssemos um bom padrão e uma ordem apropriada em Romanos 15:14: “Eu próprio, meus irmãos, certo estou, a respeito de vós, que vós mesmos estais cheios de bondade, cheios de todo o conhecimento, podendo admoestar-vos uns aos outros”. Devemos estar cheios de bondade, e isso deve ser evidente pelo nosso amor prático e bondade para com todos. Não devemos estar apenas com aqueles a quem somos naturalmente atraídos; nosso coração deve ir em direção a todos os santos de Deus. Se nós mesmos estamos caminhando com o Senhor, somos atraídos a outros que também estão buscando agradá-Lo, e não há nada de errado nisso. No entanto, isso pode levar a uma tendência de desconsiderar e ignorar aqueles que, na nossa opinião, não se ajustam ao nosso padrão. Devemos lembrar que nem todos alcançamos a mesma maturidade espiritual ao mesmo tempo e que somos chamados a “a levantar as mãos cansadas e os joelhos desconjuntados” (Hb 12:12). Da mesma forma, devemos “auxiliar os enfermos” (At 20:35). Devemos estar prontos para suportar o fardo dos outros e compartilhar o sofrimento de outros. Isso significa que devemos encorajar e promover um relacionamento caloroso com todos os crentes, mesmo que estejamos preocupados com alguns de seus comportamentos. A maioria das pessoas pode perceber rapidamente quem gosta delas e elas respondem a esses. Nós nos apressamos em dizer que isso não significa tolerar o que é desonroso para o Senhor, mas significa que nosso amor vai em direção a todos, embora não possamos amar todos os seus caminhos. Lembremo-nos de que isso foi o que Deus fez por nós, ao nos mostrar Seu amor quando estávamos distantes d’Ele e em pecado.

Conhecimento 

Além de sermos cheios de bondade, devemos ser preenchidos com todo o conhecimento. Isso significa, em primeiro lugar, ter um bom entendimento da Palavra de Deus, não apenas procurar lavar os pés de outras pessoas só porque meus próprios pensamentos não coincidem com os dele. Mas eu sugiro que se vá além disso. Precisamos ter um conhecimento da pessoa cujos pés desejamos lavar. Ajuda muito quando conhecemos seu passado, suas dificuldades e toda a sua situação de vida, pois isso temperará e modificará o que dizemos. Quantas vezes o dano foi causado por palavras fortes, talvez justas, mas sem qualquer consideração pela mágoa e talvez pela fragilidade emocional daquele a quem foram ditas! Nosso conhecimento deve incluir alguma compreensão do indivíduo com quem falamos, e isso só acontece quando temos um relacionamento com eles.

Admoestação 

Se estamos cheios de bondade e conhecimento, somos capazes de “admoestar uns aos outros” – procurar ajudá-los com algo que está estragando sua comunhão com o Senhor e talvez prejudicando sua utilidade. É claro que, mesmo que mostremos amor e bondade e talvez tenhamos um verdadeiro conhecimento, o indivíduo pode rejeitar nossa lavagem dos seus pés. Mas certamente esta é a abordagem correta e fará uma tremenda diferença.

Finalmente, nós mesmos devemos estar andando em comunhão com o Senhor, para que possamos agir em Seu tempo e em Seu caminho. Este é o ingrediente mais importante de todos e talvez o mais difícil de se ter. Alguns têm o dom de pastor, e isso é de grande ajuda. Mas mesmo se alguém tiver o dom de pastor, o uso apropriado dele é outra coisa. Um irmão uma vez comentou sobre isso desta maneira:

“Eu acredito que um pastor é um dom raro […] Um pastor deve ser como um médico: Ele deve saber a comida certa, o remédio certo, o diagnóstico certo e toda a farmacêutica, e ele deve saber como aplicá-los também. Em certo sentido, é um dom raro e muito precioso”.

Ainda outro comentou de maneira semelhante:

“Parece-nos que um pastor é para a alma o que um médico é para o corpo. Ele deve ser capaz de sentir o pulso espiritual. Ele deve entender a doença e o medicamento. Ele deve ser capaz de dizer qual é o problema e quais remédios aplicar. Ai de mim! Quão poucos mestres adequados existem! Talvez eles sejam tão raros quanto pastores adequados. Uma coisa é tomar o título e outra coisa fazer o trabalho”.

Os Melhores Dons 

A Escritura nos diz “procurai com zelo os melhores dons” (1 Co 12:31), e talvez isso possa ser aplicado à lavagem dos pés. Devemos desejar ter o dom de pastorear almas, o que geralmente envolve a lavagem dos pés da maneira correta. Podemos não ter o dom naturalmente, mas podemos cultivar o amor pelas almas e pelo seu bem-estar. Então, a comunhão com o Senhor pode nos dar o tempo e o lugar certos para lavar os pés, mesmo se não formos naturalmente dotados dessa maneira.

Nosso Senhor e Mestre 

Em conclusão, devemos reconhecer que nosso bendito Senhor e Mestre lava os pés de Seus santos da melhor maneira possível. Podemos procurar fazê-lo da maneira correta e buscar a mente do Senhor quanto ao tempo certo, mas ainda assim descobrir que os que nos trazem preocupação não nos ouvirão. Ou talvez eles escutem, mas não mudem seus modos. Em tais situações, nosso recurso é a oração, pois Aquele que primeiro lavou os pés de Seus discípulos ainda é Aquele que sempre faz isso da maneira correta. A esse respeito, é digno de nota como o Senhor introduz Seus discípulos no pensamento de lavar os pés uns dos outros. Em João 13:13, Ele lhes disse: “Vós Me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque Eu o sou.” Ele era seu Mestre (ou Professor), pois eles haviam aprendido sobre Ele nesse caráter, e então também aprenderam a chamá-Lo de Senhor. Mas então, quando Ele fala de lavar os pés uns dos outros, Ele gentilmente inverte a ordem: “Ora, se Eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros” (Jo 13:14). Seu amor estaria com eles até o fim, mas logo Ele deveria ser glorificado e tomaria Seu lugar no trono de Seu Pai. Nesta capacidade, Ele deve ser reconhecido como Senhor de todos, e Seu Senhorio deve ditar tudo em suas vidas. Ele não deixaria de ser o Mestre, mas Ele agora era O exaltado. “Deus O fez Senhor e Cristo” (At 2:36). Nesta capacidade, Ele ainda Se comprometeria a lavar os pés de Seus santos, mesmo que os discípulos falhassem nisso.

Era a Sua glória que Ele queria que eles compartilhassem, e sem que seus pés fossem lavados, Ele teve que dizer [a Pedro]: “não tens parte comigo” (Jo 13:8). Se eles quisessem ter parte com Ele como um Cristo ressuscitado e glorificado, seus pés deveriam ser lavados, e eles deveriam reconhecê-Lo antes de tudo como Senhor. Quão bom é antecipar o dia em que nossos pés não serão mais contaminados e onde, por toda a eternidade, desfrutaremos da presença d’Aquele com Quem compartilharemos a glória!

W. J. Prost

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