Origem: Revista O Cristão – Força e Fraqueza
Levando as Cargas
Na Palavra de Deus encontramos instruções sobre como ajudar os que estão em dificuldade, seja por causa de suas próprias falhas ou por causa de circunstâncias adversas. É um privilégio poder estender a mão e ser uma ajuda dessa forma. Nessa linha, encontramos uma exortação em Gálatas 6:2, onde lemos: “Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo”. Se um irmão crente, ou mesmo um incrédulo, se encontra sob o peso de algo que é difícil de suportar, devemos ajudá-lo a suportar esse fardo. No entanto, pode parecer confuso à primeira vista, quando lemos apenas três versículos mais adiante no capítulo: “Cada qual levará a sua própria carga” (Gl 6:5). Como devemos conciliar essas declarações aparentemente contraditórias?
Como em qualquer outro assunto falado na Palavra de Deus, descobrimos que a Escritura é perfeitamente equilibrada e aborda todas as situações que podemos encontrar. Para aplicá-la corretamente, devemos ler a Palavra cuidadosamente e buscar a direção do Espírito de Deus. A Palavra de Deus não se contradiz, mas nos dá luz de Deus que não vai a extremos em nenhuma direção. Embora não esteja claro em algumas de nossas traduções (ARC e ACF), as palavras originais (gregas) usadas para “carga” em ambos os versículos são bem diferentes. Não sou um estudioso do grego, mas qualquer um pode procurar essas palavras e aprender a diferença em seus significados.
As cargas dos outros
A palavra usada para “carga” no versículo 2, onde nos é dito para carregar as cargas uns dos outros, é uma palavra que significa aquilo que é pesado, opressivo e difícil de suportar. Ela é usada em outras partes do Novo Testamento com a mesma conotação. É usada em Mateus 20:12, onde os trabalhadores da vinha reclamaram que haviam suportado “o peso do dia e o calor extremo” (TB). Também é usada em 1 Tessalonicenses 2:6, onde Paulo diz que “podíamos… ser-vos pesados”, referindo-se à sua prática de sustentar a si próprio em vez de impor suas necessidades à hospitalidade dos outros. De uma maneira maravilhosa, é usada em 2 Coríntios 4:17, referindo-se ao nosso “peso eterno de glória” num dia vindouro. Ela sempre sugere o que é difícil de suportar por ser muito pesado.
Assim, quando nos é dito para levar as cargas uns dos outros, é com o pensamento de ajudar nosso irmão com aquilo que é incomum e o está sobrecarregando até o ponto da exaustão. E ajudá-lo com aquilo que é fora do comum e está causando muita dificuldade. Paulo se referiu exatamente a isso quando encorajou os coríntios a fazerem uma coleta para os crentes na Judeia, que estavam passando por um momento incomum de perseguição e dificuldades. Mas ele deixou claro que isso seria uma ajuda temporária, pois diz: “suprindo a vossa abundância, no presente, a falta daqueles, de modo que a abundância daqueles venha a suprir a vossa falta” (2 Co 8:14 – ARA). Portanto, é de Deus ajudar uns aos outros em situações severas.
Nossa própria carga
Quando a Escritura diz: “Cada qual levará a sua própria carga [fardo – ARA]”, a palavra é diferente e significa simplesmente algo que é carregado, sem referência ao seu peso. Essa palavra também é usada em outras partes da Escritura, particularmente pelo Senhor Jesus, quando Ele disse: “O Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve” (Mt 11:30). Ela pode ser usada para um fardo pesado, mas requer o adjetivo para isso acontecer. Assim, o Senhor Jesus disse dos fariseus que eles “atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem sobre os ombros dos homens” (Mt 23:4). O sentido da palavra, no contexto em que é usada aqui em Gálatas 6:5, é o dos deveres normais, próprios e cotidianos que Deus deu a cada um de nós. Refere-se à nossa responsabilidade de cuidar de nossos próprios assuntos de forma ordenada e adequada.
Sabedoria do Senhor
Ao ajudar os outros, é preciso sabedoria do Senhor para saber quando aplicar o versículo 2 e quando aplicar o versículo 5. Por um lado, é fácil ignorar os problemas do outro, especialmente quando ele pode ter se metido neles por meio de seu próprio descuido e falha. O mundo tem um ditado: “A falta de planejamento adequado de sua parte não constitui uma emergência de minha parte”. Mas, se o Senhor Jesus tivesse agido dessa forma, todo o mundo estaria sob juízo. O espírito de Cristo quer que ajamos com compaixão, pois “nós que somos fortes devemos suportar as fraquezas dos fracos e não agradar a nós mesmos” (Rm 15:1). Existem crentes que, em virtude de seu andar com o Senhor e diligência nas coisas espirituais, são fortes e ricos espiritualmente. Alguns crentes também são ricos materialmente. Sabendo que recebemos tudo em graça, devemos estar dispostos a usar essa riqueza espiritual e material para a bênção e ajuda de outros.
Aqueles que não trabalham
Por outro lado, é errado encorajar outros crentes a serem como sanguessugas, seja em coisas naturais ou espirituais. É bem sabido que existem aqueles neste mundo que raramente têm um dia produtivo de trabalho e que não administram seu tempo, energia e assuntos de uma forma piedosa e adequada. É triste dizer, mas até mesmo crentes podem agir assim, e Paulo teve que repreender alguns em Tessalônica que “andam entre vós desordenadamente, que nada fazem, antes se intrometem nos negócios alheios” (2 Ts 3:11). Geralmente, alguém que falha em administrar adequadamente seus assuntos naturais frequentemente será também espiritualmente pobre e pode muito bem se apoiar nos outros tanto na esfera espiritual quanto na natural. O Senhor Jesus podia dizer: “Os pobres, sempre os tendes convosco” (Jo 12:8). Isso não quer dizer que um homem pobre em coisas materiais seja necessariamente pobre nas coisas espirituais, pois muitas vezes os “pobres deste mundo” são “ricos na fé” (Tg 2:5). Da mesma forma, um homem pode ser pobre a vida toda, mas levar “sua própria carga”. Mas, quer sejamos ricos ou pobres, devemos administrar nossos negócios e levar nossa própria carga de forma ordenada e responsável.
Ao procurar ajudar os pobres, devemos ter cuidado para não torná-los dependentes de nós em vez do Senhor. Podemos ser gratos pela relativamente moderna “rede de proteção” de benefícios sociais que existe na maioria dos países ocidentais, mas às vezes isso tende a promover uma atitude de “eu tenho direito” e uma expectativa de que “o mundo tem o dever de me sustentar”. Nunca encontramos tal coisa na Palavra de Deus. Se alguém precisasse ser cuidado por um longo período (como uma viúva na assembleia), isso deveria ser feito apenas em determinadas circunstâncias e dentro das diretrizes bíblicas.
Se olharmos para o Senhor, certamente Ele, por Seu Espírito, nos dará sabedoria para equilibrar a compaixão com a responsabilidade, para usarmos o que temos com preocupação pelos outros, mas buscando o bem maior deles, preservando a responsabilidade deles por si mesmos diante de Deus.