Origem: Revista O Cristão – Misticismo
Fé e Incredulidade
Há coisas, boas e más, que nunca se misturam, mas que sempre se mantêm em sua própria companhia. De um lado, fé e confiança são companheiras inseparáveis e, do outro, incredulidade e misticismo sempre se encontram no mesmo nevoeiro de confusão.
A verdade
A fé nunca toma conselho com o que alguém sente, ou pensa, ou conclui, nem faz do estado de alguém o seu objeto, porque nenhum objeto se adequa à fé, exceto a verdade, que é Cristo, um Objeto fora de nós mesmos. É dito que Cristo, não Deus, é a verdade, porque “a verdade” é aquilo que é dito sobre outra coisa. É somente no Homem que Deus Se faz ver e Se dá a conhecer; portanto, é dito que Cristo é a verdade quanto a Deus. Ele é “a imagem do Deus invisível”, pois é somente em Cristo que Deus pode ser realmente conhecido. Portanto, fé e confiança estão sempre no mesmo alto nível em que a verdade está – verdade que agora exibe a “glória de Deus, na face de Jesus Cristo”, isto é, a expressão da satisfação de Deus na obra que resgatou pecadores para Ele mesmo. O crente agora não é apenas feito idôneo para a luz, de acordo com a glória da própria natureza de Cristo, mas adequado para que Ele tenha Seu deleite na companhia do homem resgatado, de uma maneira que tais intimidades entre Deus e o homem na inocência jamais poderiam ter sido conhecidas.
Desejo de satisfação
A incredulidade busca encontrar dentro de nós mesmos algo em cima do que raciocinar e procura obter de Deus um testemunho do nosso próprio estado, em vez do testemunho que Ele sempre Se deleita em dar de Seu Filho bendito. Assim, a incredulidade e o misticismo estão sempre no mesmo nível baixo, em busca de suprir a necessidade em outro lugar que não seja “a verdade” como ela é “em Jesus” – ansiando por uma satisfação que nunca será possuída ou desfrutada dessa forma. Quando falamos frequentemente de nossa própria felicidade, é um sinal claro de que a felicidade é o objeto, em vez de Cristo.
Um objeto fora de nós mesmos
A fé se alimenta de um objeto fora da pessoa, o qual é a verdade – o precioso Cristo de Deus, que satisfaz plena, profunda e infinitamente, enquanto a incredulidade busca um objeto para a satisfação própria dentro, que se trata de misticismo, ou algo no homem que o faz estar sempre desejando e nunca totalmente satisfeito. Assim, temos um teste pelo qual podemos sempre distinguir entre verdade e misticismo.
Lemos em Gálatas sobre “a fé que opera pelo amor” (Gl 5:6 – TB). Permita-me perguntar, o amor de quem? Certamente é o amor que nunca esfria, que é o de Cristo, não o nosso. “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (ARA). O novo homem, vivendo por fé neste Objeto colocado diante dele e que age sobre ele, torna-se a expressão inteligente do amor do qual ele se alimenta, mas no instante em que os olhos têm por objeto qualquer coisa diferente de Cristo para ele, tal como Cristo nele para o seu estado, a fé se torna inativa, porque Cristo, o verdadeiro Objeto da fé, é substituído. Quando um homem se concentra em seu progresso, sua santidade ou seu testemunho (embora estes não possam continuar a menos que Cristo, que forma seu estado, esteja nele), a fé se torna inativa.
Um coração purificado
É-nos dito em Atos 15 que Deus purifica o coração pela fé (v. 9), mas um estado fundado na evidência de qualquer coisa que encontramos em nós mesmos não purifica o coração, pois mesmo aquilo que é operado em nós pelo Espírito Santo, com o qual podemos estar satisfeitos, não é um objeto para a fé. A nova vida não pode viver por si mesma; ela precisa ter um objeto positivo fora de si mesma para sustentar sua própria natureza. Em todo caso envolvendo uma criatura moral, aquilo que é objetivo é a fonte do estado subjetivo. Nosso coração, portanto, está sendo purificado pela fé, que nos conduz ao coração de Deus, contempla Sua revelada “glória de Deus, na face de Jesus Cristo” e se alimenta de seu objeto como sendo seu.
Fé, não sentimento
Em Romanos 10:17 (JND), lemos que “a fé, pois, é por relato, mas o relato pela Palavra de Deus”. É um alívio ser tirado completamente do “eu”, sentimentos e tudo, pois o relato é o testemunho de Deus a respeito de Seu Filho (1 Jo 5:6-12). Não é eu acreditar em algo porque eu sinto, mas acreditar em tudo que Deus diz, porque Deus o disse. Assim, o que Deus é e diz produz, sustenta e energiza a fé. O resultado é confiança divina, pois quando a fé está ativa na alma, ama-se a bondade, não em si mesmo, mas em Outro, e apropria-se daquilo que se ama, a saber, um maravilhoso caráter de bondade em Cristo, que supre a própria carência que se tem dela. A incredulidade, por outro lado, é sempre mística em seu amor à bondade, pois o mal dela é que, embora ame a bondade, ela a ama em si mesma – na criatura, em vez de em Cristo. Por causa disso, nada é apropriado, com os desenhos da fé, de um Objeto exterior, e toda a sua bondade imaginária é apenas uma espécie mais sutil do “eu”.
Cristo e o Espírito Santo
Quão triste é que os santos façam de seu próprio estado seu objeto, em vez de Cristo ministrado a nós pelo Espírito Santo! Alguns amados santos estão buscando, para o “eu”, o que eles chamam de “o ouro prometido a Laodiceia”, alguns buscam ser um testemunho, enquanto outros buscam devoção e santidade para o “eu”, não vendo que o “eu” nunca cruzou e nunca poderá cruzar o Jordão. Quando qualquer coisa, não importa o que seja, se torna um objeto para o “eu”, é um sinal claro de que Cristo nunca foi tomado em vez do “eu”, e assim os santos são envoltos em nuvens de piedade mística, em vez de estarem desfrutando da verdade de Deus.
Quão melhor é, como alguém já disse, ter Cristo – andar com Ele e após Ele, ter comunhão com o Pai e o Filho, andar em obediência e humildade não fingidas e permitir que o Espírito de Deus nos forme, pela graça, cada vez mais à imagem d’Ele.
