Origem: Revista O Cristão – Misticismo

Verdade Objetiva e Subjetiva

Uma das principais características do misticismo é a distorção da verdade objetiva e subjetiva. Em vez de preservar o equilíbrio bíblico entre os dois, o lado subjetivo é frequentemente enfatizado a tal ponto que o lado objetivo, embora admitido, é amplamente obscurecido.

Os pensamentos de Deus 

Vejamos a distinção entre verdade objetiva e subjetiva, para que possamos ter os pensamentos de Deus sobre elas. Primeiro, temos os pensamentos de Deus em Sua própria Palavra – eles são Seus; então, quando os recebemos d’Ele, eles são os mesmos em nós – pensamos Seus pensamentos. A verdade objetiva é a maneira como Deus Se revela em Cristo, que é a expressão positiva de Deus diante do homem. Em seguida, descobrimos que a verdade subjetiva é aquela que é produzida em nós pelo Espírito Santo, que não fala por Si mesmo, mas glorifica Jesus ao tomar Suas graças morais e nos mostrá-las como nossas. É assim que Ele cria em nossa consciência e afeições uma resposta à verdade objetiva apresentada e, por esse meio, torna os crentes os efeitos do testemunho de Deus sobre a obra na qual Ele foi perfeitamente glorificado e plenamente revelado. Mas observe que essa ação subjetiva só é realizada colocando um objeto de fé diante da alma, como o Senhor disse: “Mas, quando vier Aquele Espírito da verdadeEle Me glorificará, porque há de receber do que é Meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16:13-14).

Fé e paz 

Em Romanos 5:1 lemos: “Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo”. Aqui temos fé objetiva produzindo paz subjetiva, e estas nunca devem ser separadas nem confundidas. A palavra “pois” nos leva de volta ao final do capítulo 4, onde temos o objeto dessa fé, a saber, a atestação de Deus à obra de Cristo em nosso favor, por quem ela foi realizada. No capítulo 5:5, temos nosso estado subjetivo sendo novamente referido, a saber: “O amor de Deus está derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado”, mas somos instantaneamente levados à verdade objetiva no capítulo 5:6-8, a saber, o amor que salva, que é maior do que as coisas dadas, pois esse é o meio pelo qual Deus, o Espírito Santo, produz uma resposta subjetiva que se adapta às afeições do Pai. Assim, Cristo e Seu amor não são apenas a fonte, mas o Objeto íntimo de nossa nova vida, dependente, pela qual o estado subjetivo se desenvolve e santidade é produzida, pois a santidade é o desenvolvimento do amor.

Cristo em mim 

Quando a verdade é recebida no coração, Cristo é recebido, e isso me humilha, porque está relacionado com o mal que está em mim; então não é apenas Cristo como um Objeto fora de mim, mas um Cristo vivo em mim. Mas um mero conhecimento exterior, que não tem poder sobre a consciência, apenas incha (1 Co 8:1). Quando, no entanto, o mal interior é descoberto e julgado pela consciência, eu possuo Cristo como parte do meu próprio ser moral. Meus sentidos são exercitados para discernir entre o bem e o mal, entre o que é Cristo e o que sou “eu”, enquanto eu estiver neste corpo com pecado em mim. Quando Cristo é assim recebido, é como se Ele estivesse me dizendo: “Eu resolvi toda a questão para você entre a coisa velha e Deus, e agora você resolve a questão para Mim entre a coisa nova versus o mundo, a carne e o diabo”. E isso só é feito na prática morrendo diariamente, “trazendo sempre por toda parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos” (2 Co 4:10). Na prática, essa é a única maneira de se elevar acima do mal (o “eu”), assim como Deus está acima dele.

Feitura Sua 

“Porque somos feitura Sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:10). Essa passagem se refere evidentemente ao caráter recém-criado pelo qual Cristo é exibido em Seus santos, ou verdade subjetiva, pois aquilo que é de valor para Deus não é a quantidade de trabalho que pensamos que fazemos, mas a medida de Cristo que apresentamos aos outros, na humildade, na gentileza e na graça que Ele exibiu quando esteve aqui. (Compare João 1:18 e 1 João 4:12). E não preciso dizer que Cristo deve estar no vaso pela ocupação com Ele fora do vaso, para produzir essas belas graças no mundo em que Ele tem sido rejeitado, caso contrário, seria apenas um “eu” melhorado, isto é, uma espécie de mistura mística.

Verdade e a consciência 

A consciência nunca deve permitir que nada se coloque entre ela e Deus (Hb 4:12). É a verdade que comanda a consciência e a torna perfeita, porque a verdade é o testemunho de Deus sobre a eficácia da expiação, da qual Cristo é agora a exibição. É a glória de Deus desvendada em redenção eterna consumada – uma maravilhosa verdade de que agora não há, para a fé, nenhum véu sobre a glória de Deus na face de Jesus Cristo e nenhum véu nos olhos de fé que a veem. É isso que nos faz superiores ao mal, até mesmo ao mal que está em nós.

Todo santo com uma consciência despertada é trazido a um combate espiritual entre o bem e o mal, o conhecimento do qual nós adquirimos com a queda. Existem dois princípios poderosos em todo crente, um do bem e outro do mal. Nós devemos ou nos elevar acima do mal, assim como Deus está acima dele, tendo Cristo em vez do “eu”, ou podemos ser místicos e farisaicos no combate, e miseráveis, se honestos com nós mesmos.

Mas, quando a consciência é verdadeiramente despertada e quando nos contentamos em considerar Cristo em vez do “eu”, esse Objeto é colocado diante de nós e, agindo sobre nós, nos eleva acima do mal, assim como o próprio Deus está acima dele, nos impregnando, no poder do Espírito Santo, com o significado da glória desvendada de Deus na face de Jesus Cristo, que é colocada diante de nossa fé para nos alimentarmos, como é dito em 2 Co 3:18; 4:4, 6.

Cristo visto de três maneiras 

Para facilitar nosso entendimento espiritual do que esse bendito Objeto transmite, podemos considerar três maneiras distintas pelas quais a Escritura vê Cristo. Primeiro, a Escritura O mostra à nossa fé antes da encarnação. Lemos sobre Ele em João 1: “No princípio era o Verbo”. Aqui temos Sua eternidade. A segunda maneira pela qual a Escritura O vê é na humildade da encarnação: “E o Verbo Se fez carne”. “Deus Se manifestou em carne” (ACF). Mas observe: Ele é a mesma Pessoa aqui que Ele era antes de Se tornar Homem. Quando Ele abdicou a “forma de Deus”, de acordo com Filipenses 2, Ele nunca deixou de ser Aquele que a tinha abdicado. É assim que vemos as glórias morais de Sua humilhação muito mais maravilhosas do que os brilhos deslumbrantes das glórias que Ele tinha com o Pai antes que o mundo existisse, mas que Ele encobriu com a humilhação e humildade d’Aquele que, “sendo rico, por amor de vós Se fez pobre, para que, pela Sua pobreza, enriquecêsseis”. Por fim, a Escritura olha para o Senhor de uma maneira presente – Aquele que foi até à morte e agora ressuscitou da morte, criando um lugar de aceitação para nós. Em Seu estado presente, ressuscitado da morte, Ele Se tornou a vida de todo crente, bem como a justiça deste diante de Deus. Assim, a justiça não está em mim, embora exista uma resposta em minha consciência, em vez de nos meus pecados, para o que Cristo agora é para mim como justiça diante de Deus. Por conta de tudo isso, sou capaz de considerar a coisa velha como morta.

Transformação 

Em 2 Coríntios 3:18, temos outro ensinamento contundente, mostrando a distinção entre verdade objetiva e subjetiva e a impossibilidade de separá-las. A fé se apossa da primeira parte do versículo, “Mas todos nós, contemplando a glória do Senhor, com rosto descoberto, somos transformados”, porque a comunicação da verdade, por meio da fé, nos transforma na imagem daquilo que nos foi comunicado. Nós “somos transformados conforme a mesma imagem de glória em glória, como pelo Senhor o Espírito” (JND).

Tais exibições de Jesus, de como Ele é agora, criam uma resposta e fazem com que o pobre vaso se assemelhe ao Objeto de seu deleite. Somos transformados na mesma imagem de glória em glória, nosso estado sendo formado pela revelação daquilo em que Cristo entrou. Há primeiro o Objeto, e depois há uma resposta, na consciência e no coração, a essa “excelente glória”.

H. H. McCarthy, adaptado

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