Origem: Revista O Cristão – O Mundo, a Carne e o Diabo
Uma Carta sobre o Mundanismo
Querido irmão,
Gostaria de comentar sobre a tendência nos dias de hoje ao mundanismo, e mais especialmente sobre os meios empregados pelo inimigo para desviar os Cristãos de um caminho de fidelidade.
Muitos dirão imediatamente: “Enquanto estamos aqui na Terra, temos ocupações que nos colocam em contato direto com o mundo, e consequentemente é impossível cumprir nossos deveres sem, de alguma forma, participar dos princípios que o governam”. Isso eu nego totalmente, e a Palavra nos mostra claramente que existe em nós um poder grande o suficiente para nos manter limpos das manchas do mundo e capazes de resistir a ele até o fim. A Palavra não admite a possibilidade de vivermos fora do mundo; pelo contrário, ela nos ensina que somos deixados nele, mas que somos guardados do mal (Jo 17:15; 1 Co 5:10), e, para nos encorajar, ela nos diz que Aquele que está em nós é maior do que aquele que está no mundo (1 Jo 4:4). O que falta então? Deus colocou à nossa disposição todas as armas necessárias para enfrentar os ataques do inimigo, e, se nos deixarmos derrotar, é porque ou não empregamos as armas com as quais Deus nos equipou, ou as utilizamos mal. Um verdadeiro Cristão desempenha seu trabalho honestamente para ganhar seu pão, mas seu real objetivo é obter glória eterna com Cristo, e este é um Cristão normal de acordo com a Palavra.
Os meios de Satanás
Chego agora aos meios empregados por Satanás para nos desviar, se o coração não estiver verdadeiramente apegado à Pessoa de Cristo. Embora talvez evitemos quedas sérias e pecados flagrantes, podemos facilmente nos deixar vencer, pouco a pouco, por caminhos mundanos, pelas pressões sociais ou por velhos amigos. Não vemos que a vida divina em nós perde sua energia e que gradualmente “coisas velhas” tomam posse de nosso coração. A princípio sofremos e para nós é quase um sacrifício agradar o mundo em coisas que não são más em si mesmas, mas terminamos gostando do “vinho velho” (Lc 5:39) e esquecemos que o novo é muito melhor.
Temos uma imagem de tudo isso na história de Salomão. Ele nunca teve uma queda como seu pai Davi, mas um exame atento de sua conduta nos revelará um retorno gradual ao mundo. Seu reinado começou em meio à glória de um pequeno milênio, e ao seu redor tudo era alegria e paz, mas infelizmente foi de curta duração. Com o passar do tempo, é fácil ver que sua glória passada desaparece, seu coração se volta para o mundo e o mundo se torna seu mestre. O reino que começou com paz e glória e com o conhecimento de Deus termina entre ídolos e mulheres estranhas. E como essa decadência começou? Note que isso não aconteceu tudo de uma vez, mas gradualmente – sem perceber, as coisas do mundo ganharam acesso ao seu coração, e ele foi de mal a pior até se tornar um idólatra.
Isso pode ser um aviso saudável para nós e certamente nos mostra por que João disse aos jovens que já eram fortes na vida Cristã: “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há” (1 Jo 2:15). Estamos na verdade, mas não estamos fora de perigo, e somente o Senhor pode nos manter fiéis.
Entre os muitos artifícios de Satanás para rebaixar os santos está o de introduzir sutilmente o mundo sem que eles percebam. Por essa razão, é bom não ignorar as armas dele, para poder desviá-las de nós. Tentarei indicar algumas delas, com a esperança de que possamos nos beneficiar da experiência de outros Cristãos que nos precederam neste caminho difícil.
Velhos conhecidos
Na primeira posição, podem ser colocados velhos conhecidos, porque com eles mantivemos íntimas relações e nossas fraquezas são por eles conhecidas. Existem apenas duas maneiras de evitar esse perigo: ou romper qualquer ligação com eles ou pregar a verdade a eles, mostrando-lhes que encontramos um Objeto digno de nossas afeições e que tem ciúmes de qualquer amizade que não seja baseada na obra da redenção. Reconheço a dificuldade de dar as costas a um velho amigo, que talvez tenha nos servido, e o inimigo aproveita tudo isso para nos manter em escravidão e nos atrair para uma atmosfera muito prejudicial para aqueles cujos sentidos são preparados para uma atmosfera celestial. Pode acontecer, por exemplo, de um conhecido mundano de tempos passados aparecer e expressar o desejo de passar uma noite conosco. O que deve ser feito em tais circunstâncias? Se não tomarmos cuidado, isso pode se tornar um meio de nos fazer perder uma reunião ou um estudo da Palavra agendado com outras pessoas, então qual é o caminho correto? Penso que o melhor serviço que podemos prestar a um amigo mundano que persiste em buscar nossa amizade é falar a ele fielmente da obra do Salvador. Geralmente o resultado será um de dois: se ele escutar, muito melhor; o Senhor pode operar e nos ajudar a ganhar uma alma; se ele não escutar, provavelmente se queixará de que mudamos e somos menos amáveis do que antes, mas, ao mesmo tempo, ficaremos livres para seguir o Senhor. Isso pode parecer algo difícil, como verdadeiramente é para a carne, e seria um ato vil se o motivo não fosse o do Senhor, mas não devemos esquecer o que Pedro disse aos seus contemporâneos: “Ora, pois, já que Cristo padeceu por nós na carne, armai-vos também vós com este pensamento: que aquele que padeceu na carne já cessou do pecado” (1 Pe 4:1). E também temos a exortação que Paulo escreveu aos coríntios: “Pelo que saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor; e não toqueis nada imundo, e Eu vos receberei; e Eu serei para vós Pai, e vós sereis para Mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-poderoso” (2 Co 6:17-18).
Velhos hábitos
Depois dos velhos amigos, nosso maior perigo está nos velhos hábitos, os gostos do primeiro Adão, que são tão facilmente reacendidos em nós. Que coisa triste ser um Cristão e ainda continuar com os caminhos que permitíamos antes de conhecer o Senhor! Os cretenses eram mentirosos por natureza, e permaneceram assim embora convertidos (Tt 1:12-13), mas eles deveriam ser repreendidos severamente, porque não estavam andando segundo o novo homem ou em dependência do Espírito de Deus.
Há muitos de nossos irmãos que, sem cair em pecado aberto, permitem que coisas velhas, já julgadas como prejudiciais, tomem posse do coração, e aqui está a principal causa da fraqueza que eles muitas vezes lamentam. Reconheço que cada um de nós tem um caráter diferente e que os gostos diferem de acordo com o temperamento, mas essas são coisas inerentes ao primeiro homem; e, se formos seguir nossos gostos individuais, sairemos da esfera da comunhão Cristã, onde o gosto pelo Senhor Jesus é a única coisa. Se, por exemplo, aquele que lê romances procura alguma antiga história para passar o tempo, e assim, se cada um de nós voltar a uma ocupação que amávamos quando a luz ainda não tinha nos alcançado, quem estará ocupado com Jesus de Nazaré? Quem proclamará Suas virtudes? Quem O exaltará em um hino de louvor? Lembre-se de Eliseu, que, antes de vestir a capa de Elias, rasgou suas próprias vestes.
Possessão atual
Não posso deixar de mencionar outra arma que Satanás usa com sucesso em seu trabalho de atrair de volta para o mundo aqueles que Deus separou para Si: as coisas presentes, ou seja, o próprio ar que nos rodeia. É bem verdade que a maioria dos Cristãos não gosta do mundo em suas formas mais ostensivas; eles não vão a festas nem jogam, mas isso é suficiente? A Palavra nos diz: “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há”, e é evidente que muitos, apesar de não amarem o mundo em sua roupagem mais popular, amam certas coisas que há no mundo. É muito fácil ser levado por um objeto que em si não é mau, mas, se nosso coração é enredado por coisas que são visíveis, perdemos o gosto pelas coisas que não são visíveis e, assim, sem perceber, nos encontramos em uma atmosfera mundana.
Outro dia recebi uma carta de um irmão que eu esperava conter alguma palavra de edificação; em vez disso, eu a encontrei repleta de informações sobre uma grande exposição industrial e artística que estava acontecendo em uma cidade europeia. Você pode imaginar, caro irmão, o meu espanto. Mas é a esse ponto que chegamos. Nas reuniões dizemos que somos celestiais, imprimimos e lemos bons livros, publicamos excelentes periódicos e então, pelas práticas de muitos de nós, vemos que os corações estão cheios de coisas mundanas e insensíveis à glória de Jesus, que muito em breve herdaremos. Não digo que a arte e a ciência sejam coisas más, mas gostaria, no entanto, de lembrar a você que Adão fez um uso muito errado das árvores do jardim do Éden, que em si mesmas não eram coisas más, quando ele as usou para se esconder de Deus.
