Origem: Revista O Cristão – O Mundo, a Carne e o Diabo
Um “Homem em Cristo” e a Carne
Há um grande contraste entre o início e o fim de 2 Coríntios 12: entre Paulo arrebatado ao terceiro céu e os Cristãos em Corinto; entre o que um Cristão deve ser e a que nível ele é capaz de descer. No versículo 2, Paulo fala de si mesmo como um homem em Cristo, e é isso que caracteriza todo Cristão, toda a Igreja. Não foi como apóstolo que Paulo foi arrebatado ao terceiro céu, mas como um homem em Cristo, no mesmo nível do resto da Igreja. Aquele que está em Cristo é uma nova criação e tem seu lugar no terceiro céu, embora todo homem em Cristo não seja arrebatado para lá como o apóstolo. Mas somos vivificados juntamente com Cristo, assentados juntos em lugares celestiais em Cristo. Não há lugar onde a fé não possa penetrar.
Paulo não recebeu uma revelação no terceiro céu para comunicá-la aos outros; pelo contrário, ele foi lá para ouvir mistérios de que ao homem não é lícito falar; ele foi lá para perceber a presença de Deus e disso tirar sua força. Quando os olhos da fé penetram na presença de Deus, ali eles encontram, juntamente com a comunhão, força para andar diante d’Ele em todas as circunstâncias. Aqui também não é como no monte da transfiguração, a visão da futura glória de Cristo; é comunhão com Deus, da qual o corpo não pode participar, à qual ele se torna até insensível. O princípio desta comunhão se aplica a todos nós; o grau não é o mesmo de Paulo, mas nosso grande e comum privilégio é este: “para que também tenhais comunhão conosco (os apóstolos); e a nossa comunhão é com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo” (1 Jo 1:3).
As duas orações de Efésios
Efésios 1:15-20 e 3:14-21 contêm duas orações muito diferentes. A primeira tem em vista o conhecimento da glória de Cristo e o que está conectado a ela; a segunda expressa o desejo de que nossa alma desfrute da comunhão com Deus. O apóstolo pede que sejamos fortalecidos pelo Espírito Santo no homem interior, para que Cristo habite em nosso coração pela fé e sejamos cheios do conhecimento do amor de Cristo em toda a plenitude de Deus. Não podemos perceber essas bênçãos quando estamos buscando coisas daqui da Terra, pois assim estamos entristecendo o Espírito Santo, e o homem interior é imediatamente enfraquecido.
Qual foi o motivo de glória de Paulo? Não o que ele era, nem o que ele tinha feito, mas suas fraquezas (v. 9). Em comunhão com Deus, ele aprendeu que sua força estava em Deus. Se, na fraqueza da carne (Gálatas 4:13), ele tinha sido o meio de conversão de muitos, era porque o poder de Deus estava com ele, de modo que ele sentia prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo; a carne não tinha parte alguma em tudo isso, nem poderia suportar.
O espinho na carne
Tão logo o apóstolo recupera a consciência de sua presença na carne, esta procura se exaltar, e Deus envia o espinho. A carne busca alívio; ela teme lutas e dificuldades, mas Deus não a aliviará à custa da alma. É possível orar com fervor pela cura de enfermidades ou pela libertação de circunstâncias dolorosas, o que Deus não concede. Com isso nossa dependência de Deus aumenta. Não apenas devemos esperar enfermidades, mas devemos ter prazer nelas, para que o poder de Cristo possa se manifestar em nós.
Esse espinho na carne dado a Paulo para que ele não se exaltasse foi algo que o tornou desprezível em sua pregação (Gl 4:13-14). Era um contrapeso ao arrebatamento com o qual ele havia sido honrado. Podemos não ter necessariamente o espinho idêntico ao de Paulo; Deus sempre nos enviará aquele que precisamos. Deus às vezes emprega Satanás contra a carne, e Satanás age sobre a carne de quatro maneiras diferentes:
Quatro ações de Satanás na carne
- Antes da conversão, a carne está sob o domínio de Satanás, estando a consciência endurecida. Esse foi o caso de Judas, que amava o dinheiro e era ladrão. Após ele tomar o bocado, Satanás entrou nele para instigá-lo à iniquidade desenfreada e para depois entregá-lo ao desespero ao contemplar o resultado de seu crime.
- Antes da conversão, a carne é induzida a agir pelas seduções de Satanás.
- Após a conversão, a carne permanece sempre ali e pode ficar sob a ação direta de Satanás, se o Espírito, o selo da redenção, ainda não tiver sido dado, ou então se Ele ainda não tiver realizado a obra de libertação em nós. Tais pessoas se veem, então, como Pedro, opondo-se a Cristo em quase todas as ocasiões. Antes da transfiguração, quando Jesus falou de Seus sofrimentos que se aproximavam e Pedro, por afeição, mas na carne, desejava dissuadi-lo, o Senhor responde: “Para trás de Mim, Satanás” (Mt 16:23).
- Satanás deseja nos ter para poder nos peneirar como trigo por meio da carne. Jesus anuncia isso aos Seus discípulos e ora especialmente por Pedro, em quem a carne era forte.
A carne no Cristão
Pedro se colocou à frente em todas as ocasiões e mostrou a cada vez que a carne é o exato oposto de Cristo. Jesus disse aos discípulos: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação”. Isso ainda não é entrar em pecado. O efeito do Espírito foi incitar Cristo à oração, de modo que, quando a tentação veio, ela não teve poder sobre Ele. Mas os três discípulos, em vez de vigiar e orar, acabam dormindo, dominados pela tristeza, e quando a tentação vem, eles se tornam presas dela. No momento em que tudo o que poderia partir o coração do Senhor se combinava contra Ele e quando Judas O traía com um beijo, Jesus permanece calmo, Se submete, Se entrega, sofre toda humilhação, mas Pedro desembainha sua espada. A carne leva à tentação, mas não sustenta ninguém nela; leva Pedro ao sumo sacerdote. Ali Jesus dá um testemunho glorioso; Pedro, incitado por Satanás, O nega. Em tudo, a carne se opõe a Cristo, e ainda assim Pedro verdadeiramente amava o Senhor. Mesmo depois de ter recebido o Espírito Santo, encontramos Pedro ainda agindo na carne (Gl 2:11-21).
Toda vez que um Cristão age segundo a carne, o que há de piedade nele sanciona e autoriza, aos olhos dos outros, sua ação maligna. Quando a carne está agindo em um Cristão, os efeitos são, por essa mesma razão, muito mais fatais do que em uma pessoa não convertida. Pedro, pelo seu exemplo, levou todos os Judeus de Antioquia, até o apóstolo Barnabé, à sua dissimulação.
Até mesmo ter estado no terceiro céu não muda em nada a carne. Ela exaltou a si mesma, dizendo a Paulo: “Ninguém além de você esteve lá”. É então que o mensageiro de Satanás tem permissão para esbofeteá-lo, mas se torna o instrumento da bondade de Deus para impedir Paulo de se exaltar. Deus mesmo não faz isso, mas Satanás, que ama ferir os filhos de Deus, é usado por Ele como um meio de tornar a carne desagradável para nós, justamente onde ela desejaria se exaltar e ser estimada.
As circunstâncias dolorosas para a carne são as de maior proveito para a alma. Seria inútil para um pai infligir uma punição que não fosse sentida como tal por seu filho. A obra e o poder de Deus em nós, bem como nossa própria fraqueza, se manifestam nessas dificuldades. Quando algo difícil está diante de nós, a resposta de Deus é: “A Minha graça te basta”. Deus quer que nós tenhamos gozo em Sua presença, e tudo o que nos faz sofrer na carne é especialmente proveitoso.
