Origem: Revista O Cristão – Dependência e Obediência
Obediência Cristã – A Obediência de Cristo
“Para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo” (1 Pe 1:2).
O caráter dessa obediência envolve todo o princípio e bem-aventurança da posição Cristã e a vida que pertence a ela. Nesta passagem, as palavras “obediência” e “aspersão do sangue” dependem igualmente de “Jesus Cristo”, e isso traz à tona o caráter distinto da obediência. Para a nação de Israel, a condição de entrada nas bênçãos era a obediência à lei, à qual estavam vinculados pelo sangue que Moisés aspergiu sobre o povo (Êx 24:6-8). Para o Cristão, é um caráter totalmente diferente de obediência – “de Jesus Cristo” – isto é, obedecer como Ele obedeceu. O sangue de Jesus Cristo, em vez de estabelecer a autoridade da lei por uma pena de morte por desobediência, se torna o poder libertador de uma obediência segundo o Seu próprio padrão.
O homem na carne
A lei foi dirigida ao homem na carne, mas sabemos que ela é “inimizade contra Deus”, de modo que “os que estão na carne não podem agradar a Deus”. A obediência de Cristo difere totalmente com isso. Ele obedeceu perfeitamente à lei, mas não como tendo que ser proibido de ter o que Ele desejava. “Então disse: Eis aqui venho; no rolo do livro está escrito de Mim: Deleito-Me em fazer a Tua vontade, ó Deus Meu; sim, a Tua lei está dentro do Meu coração” (Sl 40:7-8). Tampouco foi o caráter de Sua obediência que Ele renunciou Sua própria vontade em deferência à vontade do Pai, pois Ele diz: “Porque Eu desci do céu, não para fazer a Minha vontade, mas a vontade d’Aquele que Me enviou” (Jo 6:38). Assim, vemos Aquele cuja única vontade era fazer a vontade de Deus.
O novo homem
“Deus, enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne” (Rm 8:3). Mas essa condenação ocorreu na morte d’Aquele que Se entregou por mim para que Ele pudesse ser minha vida, vejo que tenho o direito de contar tudo o que aconteceu em Sua morte como tendo acontecido comigo. Assim, sabemos que “nosso velho homem”, isto é, tudo que éramos caracterizados pelo pecado e pela carne, “foi com Ele crucificado, para que o corpo do pecado” – todo o seu sistema e poder – “seja desfeito [anulado – JND], a fim de que não sirvamos mais ao pecado” (Rm 6:6).
A Paulo é dado apresentar esta nova criação sob a visão da nossa posição em Cristo, de acordo com os conselhos eternos de Deus, enquanto na epístola de João ela é trazida sob a visão de Cristo como nossa vida, envolvendo a participação na natureza divina. Em 1 João, então, não é o crente sendo visto agora como uma guerra de dois princípios opostos dentro dele – a carne com a qual ele nasceu neste mundo e a natureza divina como nascida de Deus. Em vez disso, como tudo o que era do primeiro homem se foi com a morte de Cristo, Deus coloca diante de nós os privilégios e a natureza característicos da vida para a qual fomos trazidos, como se nunca tivéssemos tido outra.
Separados para a obediência
Assim, vemos que fomos separados para a obediência de Cristo, para que nenhum caráter inferior de obediência possa pertencer ao Cristão. O princípio essencial da posição Cristã em seu mais profundo privilégio é revelado. A vida que era verdadeira somente n’Ele quando Ele estava aqui, agora é “verdadeira” n’Ele e em nós “porque vão passando as trevas, e já a verdadeira luz ilumina”. Os mandamentos e a Palavra que eram a plena expressão da vida n’Ele, agora são dados para direcionar essa vida em nós. Quaisquer que sejam os traços abençoados dessa vida expressos no caminho de Cristo aqui, se tornam Sua Palavra, com autoridade divina sobre mim como Seus mandamentos também, para indicar a expressão da mesma vida em mim.
A obediência de Cristo é, portanto, um contraste total com qualquer coisa apresentada ao homem antes. Em vez de uma lei agir de fora sobre uma natureza totalmente oposta a ela, trata-se da vontade revelada de Deus, expressa nos mandamentos e na Palavra de Cristo, chegando com autoridade para uma natureza que responde e se deleita nessa vontade e encontra sua liberdade na obediência.
É doce nos voltarmos para a vida humilde de Jesus, onde essa obediência é vista em toda a sua perfeição, ainda que a glória incomparável dela nos humilhe, e sentimos cada vez mais a pobreza de todos os nossos pensamentos sobre Ele. O Salmo 40, do qual já citei, nos leva à Sua entrada nesse lugar de obediência. O coração de Deus agora encontra toda a Sua satisfação n’Aquele que diz: “os Meus ouvidos abriste”.
Cristo em dependência
Em Isaías 50, O encontramos vindo, e trilhando o caminho. Em que caráter Ele veio? “O Senhor DEUS [Jeová – JND] Me deu uma língua erudita, para que Eu saiba dizer a seu tempo uma boa palavra ao que está cansado. Ele desperta-Me todas as manhãs, desperta-Me o ouvido para que ouça, como aqueles que aprendem. O Senhor DEUS [Jeová – JND] Me abriu os ouvidos” (vs. 4-5). Aquele que era Jeová veio como Homem para ser dependente e obediente, buscando a direção de Deus, com os ouvidos despertados manhã após manhã para recebê-la. Que estudo para nosso coração! Que obediência é assim prenunciada – Aquele que, sozinho, tinha direito à Sua própria vontade, mas Se tornou Homem apenas para cumprir a vontade do Pai!
Em Filipenses 2, a mente que estava em Cristo Jesus deve estar agora em nós – uma mente que, em vez de se elevar como fez o primeiro Adão para ser como Deus, desceu até não poder descer mais. Como Deus, Ele Se esvaziou, como Homem, Ele Se humilhou, e Sua obediência nessa posição foi até a morte, e morte de cruz, na qual Sua obediência foi colocada à última prova possível e se mostrou perfeita – tudo em que Ele estava entrando e dando o caráter dela a cada passo do Seu caminho. Como homem, Ele era dependente e obediente, mas o fato de que Ele, em Quem “toda a plenitude da Divindade aprouve habitar” (JND), deveria ocupar a posição de sujeição do homem para glorificar a Deus, submetendo-Se a Ele perfeitamente, dá à humilhação, à dependência e à obediência manifestadas n’Ele sua única medida e glória infinita.
Ele nunca havia estado em circunstâncias nas quais a obediência pudesse ser prestada. Não que houvesse algo naquela santa natureza contrário à obediência; como vimos, Ele Se tornou Homem apenas para obedecer e encontrou Seu único motivo para tudo na obediência. Mas assim Ele aprendeu obediência.
A obediência de Cristo
Sabemos realmente que essa é a obediência à qual fomos santificados? Não estou falando de fracassar em andar de acordo com ela, mas já nos curvamos sem reservas ao princípio dela, como provado em sua absoluta perfeição no bendito Senhor? Então saberemos como julgar, no segredo de nosso coração, qualquer fonte de pensamento ou ação que não tenha sua origem na vontade conhecida de Deus. Digo conhecida, porque não existe uma forma mais sutil de tentação do que quando é pressionado sobre nós que as circunstâncias exigem ação, quando não há palavra de Deus, nem intimação de Sua vontade. No entanto, se agirmos sem conhecer a vontade de Deus, nada pode ser mais certo do que estar fazendo a nossa própria, e essa é a essência do pecado. “Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar; e o atender melhor é do que a gordura de carneiros. Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniquidade e idolatria” (1 Sm 15:22-23). Nada é apropriado no homem, exceto a obediência. A confiança em Deus será certamente necessária para esperar, assim como aconteceu com o Senhor, que ficou quarenta dias sem comida, mas, para aqueles que conhecem Seu coração perfeitamente revelado no Filho, é algo estranho que devamos confiar n’Ele?
Amor – a fonte
Mais uma passagem conecta a obediência à fonte dela, que, seja n’Ele ou em nós, lhe confere todo o seu caráter e aceitação abençoados – amor. Refiro-me a João 14:30-31. “Já não falarei muito convosco, porque se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em Mim; Mas é para que o mundo saiba que Eu amo o Pai, e que faço como o Pai Me mandou. Levantai-vos, vamo-nos daqui”. Que ponto de partida o inimigo poderia encontrar em uma vida composta de nada além de amor e obediência?
Teste final de Satanás
Lucas nos leva ao ataque final de Satanás; no Getsêmani, a força plena da tentação vem diante de nós. Satanás, tendo o poder da morte sobre o homem, procurou pressioná-la nesse caráter sobre Ele, para detê-Lo de seguir todo o caminho em obediência. “Todavia não se faça a Minha vontade, mas a Tua”, registra a Sua entrega a ela, na perfeição da obediência aqui levada à sua prova absoluta e final. Assim, em profundezas infinitas de sofrimento, Ele suportou o julgamento da vontade da carne que uma vez nos caracterizou. Oh, que possamos saber, em verdadeira dependência e proximidade de coração do Senhor, como viver “levando sempre no corpo o morrer de Jesus” (ARA), para que nada além de Sua vida sem vontade própria possa se manifestar em nosso corpo!
Cristo nosso Objeto
E agora, para encerrar, eu diria a mim e a meus amados irmãos – estaria nosso coração sempre fazendo as coisas que Lhe agradam? É proveitoso para nossa alma passar nossa vida em revisão diante de Deus à luz de tal obediência e considerar quanto disso teria sido deixado de fora se Cristo estivesse enchendo nosso coração! Profundamente humilhante, como uma revisão do passado deve ser para cada um de nós, é bom que apenas magnifique a graça que está n’Ele! Se somos santificados à obediência de Jesus Cristo, podemos procurar realizá-la, não por esforço, mas permanecendo n’Ele. Mas essa permanência n’Ele deve ser onde Ele está, de modo a viver apenas a vida em uma esfera onde tudo é contrário a ela. Que cada um de nós saiba mais sobre essa vida – Cristo Se torna tudo como nosso Objeto, pois Ele é a nossa vida (Cl 3:11).