Origem: Revista O Cristão – Oração
Oração e Jejum
O jejum é mencionado muitas vezes na Palavra de Deus, tanto no Velho como no Novo Testamento. Muitas vezes está intimamente ligado à oração, especialmente no Novo Testamento, onde a oração é um privilégio especial de todo crente. Será que o jejum deve ter um lugar na vida dos crentes hoje? É algo que deve ser feito rotineiramente ou apenas em certas ocasiões? O jejum associado à oração torna essa oração mais aceitável aos olhos de Deus? Se nós jejuarmos, quanto tempo devemos fazer?
A primeira menção do jejum na Bíblia é encontrada em Juízes 20:26, onde Israel chorou e jejuou na presença do Senhor depois de ser derrotado duas vezes pela tribo de Benjamim. Novamente, no tempo de Samuel, quando Israel estava com medo dos filisteus (1 Sm 7:6), eles jejuaram diante do Senhor e confessaram seus pecados. Em outra ocasião, quando Saul e Jônatas foram mortos no Monte Gilboa, aqueles que os enterraram, jejuaram sete dias. Davi e seus homens também jejuaram e lamentaram quando ouviram a triste notícia. Mais tarde, Ester jejuou antes de entrar na presença do rei Assuero para implorar pelo seu povo. É significativo que não houvesse mandamento na lei para fazer tal coisa. Em vez disso, eles sentiram que, em seu esforço para se humilharem na presença do Senhor, o jejum era apropriado para a ocasião. Mesmo que a oração não seja especificamente mencionada, cada ocasião foi marcada por tristeza, humilhação na presença de Deus, um senso de absoluta dependência d’Ele e uma necessidade sentida pela ajuda do Senhor.
Vemos tudo isso realizado por nosso bendito Senhor em Seu caminho aqui abaixo, enquanto Ele andava em perfeita dependência diante de Seu Pai. Nós O encontramos jejuando por quarenta dias e quarenta noites antes de ser tentado pelo diabo. Da mesma forma, Ele pôde indicar que quando Ele fosse tirado deles, Seu povo jejuaria (Mt 9:15).
Razões erradas
Por outro lado, o jejum às vezes era feito pelas razões erradas, e isso não poderia ter a aprovação de Deus. Quando Jezabel desejou que Nabote fosse executado, ela deu ordens para que um jejum fosse proclamado, enquanto ao mesmo tempo ordena que falsas testemunhas sejam arranjadas para acusá-lo de blasfêmia para que ele pudesse ser apedrejado até a morte (1 Rs 21:9-10). Por meio do profeta Isaías, o Senhor poderia dizer a alguns em Israel: “Eis que, para contendas e debates, jejuais e para dardes punhadas impiamente”, e pergunta: “Chamarias tu a isso jejum e dia aprazível ao SENHOR?” (Is 58:4-5) Da mesma forma, o Senhor Jesus repreendeu aqueles que faziam uma demonstração pública de um semblante contristados e estavam desfigurando seus rostos enquanto jejuavam, chamando-os de hipócritas. Assim, vemos que o jejum é um ato exterior que depende, por seu valor, de um estado interior da alma que responde a Deus e ao significado de tal jejum.
Nessa mesma conexão, sabemos que o jejum foi levado a um extremo na Igreja primitiva, depois que os apóstolos foram chamados para o lar. Paulo pôde advertir Timóteo de que, nos últimos tempos, alguns se afastariam da fé, “dando ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios” (1 Tm 4:1). Uma dessas doutrinas de demônios seria “a abstinência dos manjares que Deus criou para os fiéis e para os que conhecem a verdade, a fim de usarem deles com ações de graças” (1 Tm 4:3). Sabemos que esse jejum legalista começou como um costume, mas depois se tornou um comando que foi imposto em muitos casos por lei. Até depois da reforma, as pessoas foram executadas por desobedecer às leis sobre o jejum.
O jejum dos discípulos do Senhor
Apesar desses abusos da prática, as referências positivas ao jejum devem nos exercitar. Quando os discípulos perguntaram ao Senhor Jesus por que eles não conseguiram expulsar o demônio do menino lunático, Ele lhes disse: “Mas esta casta de demônios não se expulsa senão pela oração e pelo jejum” (Mt. 17:21). Depois que a Igreja foi formada, o jejum foi feito evidentemente por aqueles em responsabilidade e liderança na assembleia em Antioquia, e quando se sentiram levados a enviar Barnabé e Saulo para a obra do Senhor, eles jejuaram e oraram antes de fazê-lo. O jejum também foi feito por Paulo e Barnabé quando usaram sua autoridade apostólica para ordenar presbíteros nas várias assembleias (At 14:23). Paulo também falava sobre o marido e a mulher que se separavam por algum tempo para se entregarem ao “jejum e oração” (1 Co 7:5). Assim, parece claro que o jejum definitivamente tem a aprovação de Deus nesta dispensação de Sua graça, e foi praticado nos dias dos apóstolos.
Razões justas
À luz das várias Escrituras que consideramos, sugiro os seguintes pensamentos sobre o jejum. Primeiro, como foi mencionado anteriormente, o jejum é um ato exterior que não tem valor aos olhos de Deus, a menos que seja acompanhado por um estado interior de alma que corresponda ao ato. O jejum, por uma questão de rotina ou de comando, não tem apoio bíblico. Não podemos ter pecado não julgado em nossa consciência ou ser indiferentes às reivindicações de Deus, e então realizar um ato exterior a fim de chegar a Seus ouvidos.
Em segundo lugar, o jejum está quase sempre ligado à oração. Isso é importante, pois o jejum fala da nossa abstinência de todos os meios humanos de ajuda, enquanto a oração expressa nossa dependência de Deus. A forma mais pura de jejum não é tanto um ato consciente, mas o resultado da natureza espiritual estar tão ocupada com os assuntos celestes que o desejo de comida é negligenciado no momento. Se nosso coração está sobrecarregado com um assunto à vista de Deus, então nossos desejos naturais darão lugar à nossa preocupação com a situação diante de nós, e não sentiremos o mesmo desejo por comida.
Terceiro, enquanto o jejum está ligado à comida e, portanto, é algo com o qual todos podemos nos identificar, eu diria que o princípio não está limitado à comida. Isso é mostrado claramente em 1 Coríntios 7:5, já referido, onde o desfrute normal do relacionamento entre marido e mulher também é colocado de lado para um tempo de oração. Para alguns pode ser algum outro desejo ou necessidade natural, não errado em si mesmo, mas que dá lugar a uma responsabilidade especial que transcende essa necessidade. Como um exemplo disso, encontramos nosso bendito Mestre mais de uma vez passando Seu tempo à noite em oração a Seu Pai, quando, sem dúvida, o sono teria sido muito bem-vindo ao Seu corpo cansado.
Quarto, lembremo-nos de que o jejum deve ser feito em oculto e fora dos olhares do público para ser aceitável a Deus. Sem dúvida, aqueles em Antioquia que jejuaram o fizeram coletivamente e, assim, sabiam das ações uns dos outros, mas não parece que toda a assembleia estava envolvida. Em vez disso, aqueles que tinham a responsabilidade em seu coração estavam diante do Senhor e jejuaram. Se a questão se tornar uma coisa pública, alguns podem participar dela sem estarem realmente exercitados e envolvidos na presença do Senhor. Além disso, existe o perigo real de o orgulho se intrometer e, como vimos, o Senhor Jesus condenou isso nos termos mais fortes.
Em vista de todas essas considerações, podemos ver que o jejum definitivamente não é proibido hoje, mas é encorajado pelos exemplos que examinamos na Palavra de Deus. Também vemos que não pode haver uma regra para o jejum. Tornar isso uma regra e procurar impor isso apenas o corrompe aos olhos de Deus. Nem no Velho nem no Novo Testamento era um comando direto, mas sim aquilo que era considerado adequado a situações particulares e encorajado por Deus naquelas circunstâncias. Para nós, jejuar deve ser um exercício pessoal na presença do Senhor, e isso inclui o momento do jejum, bem como por quanto tempo se jejua.
Finalmente, vamos ressaltar que a oração em sua essência é o privilégio de ter interesses em comuns com Deus. Se sentíssemos as situações mais como Ele as sente, certamente nosso coração estaria mais sobrecarregado diante d’Ele, e o jejum seria mais comum entre os crentes. Se nossos pensamentos estivessem mais sintonizados com os pensamentos de Deus, certamente nos negaríamos com mais frequência a essas coisas naturais, de que todos nós precisamos, enquanto nos envolvêssemos com Seus interesses. Mefibosete “não tinha lavado os pés, nem tinha feito a barba, nem tinha lavado as suas vestes” (2 Sm 19.24) até que Davi retornou em paz. Ninguém lhe disse para fazer isso, mas os interesses de Davi eram seus interesses, e ele sentiu que seu rei foi rejeitado e estava ausente. Que a ausência de nosso Senhor Jesus – a ausência de nosso Noivo – seja mais real para nós, e que Seus interesses ocupem nosso coração de tal forma aqui para estarmos prontos a esquecer nossos desejos naturais e assim estarmos ocupados com Ele!
