Origem: Revista O Cristão – Ana, Mical, Abigail, Bate-Seba
Oração de Ana
Muitas vezes falamos do cântico de Ana, mas na Escritura lemos: “Então, orou Ana” (1 Sm 2:1). Podemos nos perguntar por que sua ação de graças é chamada de oração. É muito significativo que foi em Siló, na reunião anual de adoração e sacrifício ao Senhor, que a dor de Ana era inconsolável. Quando seu marido a pressionou a participar dos sacrifícios de suas ofertas pacíficas, ela só pôde chorar; ela não podia comer. E por quê? A oferta pacífica tinha um significado especial, pois nela o Senhor condescendeu em trazer os adoradores à comunhão com Ele. Uma porção selecionada era chamada de “manjar da oferta” e devia ser consumida no holocausto e com a oferta de manjares, antes que eles ou os sacerdotes participassem do que lhes era reservado. Tudo apontava para Cristo e para o infinito deleite que Deus encontrou n’Ele – em Sua vida e morte – e os crentes, redimidos por Seu sangue, deveriam participar desse deleite divino. Poderia haver comida para Ana nesta oferta se não houvesse para o Senhor?
O estado das coisas em Siló
Qual era então o estado das coisas em Siló? Os sacerdotes abertamente deixaram de lado a vontade revelada de Deus e instituíram um costume próprio (1 Sm 2:13-17). O adorador consciencioso pode pleitear que Deus seja honrado pela obediência à Sua Palavra, mas ele pleiteia em vão. Mais do que isso, os sacerdotes, com violência insolente, tomavam das ofertas tudo o que desejavam – “Agora a hás de dar; e, se não, por força a tomarei” era a ameaça deles. Até mesmo o sumo sacerdote Eli, embora protestasse, permitiu que essas coisas continuassem e tornou-se participante do pecado. “honras a teus filhos mais do que a Mim”, disse-lhe o Senhor, “para vos engordardes do principal de todas as ofertas do Meu povo de Israel” (1 Sm 2:29).
Como aqueles que temiam a Deus poderiam ter comunhão com tudo isso? Os homens abominavam a oferta do Senhor, e os que prosseguiam com a forma exterior o faziam com impiedosa indiferença à santidade de Deus e à autoridade de Sua Palavra. Este foi o caso de Penina, que aproveitou esta oportunidade pública para provocar Ana; e com mais confiança, pois ela poderia apontar para seus muitos filhos como prova da bênção do Senhor, enquanto a esterilidade de Ana deve ser uma indicação segura de Seu desagrado. Isso intensificou, não apenas sua dor, mas seu isolamento. No meio de uma multidão de adoradores externos e na presença de Eli ela estava sozinha, mas sozinha com Deus.
O sacerdócio
Ainda assim, ela estava sob a lei, e o sacerdócio levítico ocupava um lugar de grande importância em conexão com a lei. O sumo sacerdote intercedeu por eles, obteve conselho do Senhor para eles e no dia da expiação os representou. Mas Ana teve de corrigir Eli, embora com mansidão, como lhe convinha, e ele aceitou a repreensão. Pessoalmente, Eli era piedoso e gracioso, embora sua fraqueza culposa como sumo sacerdote, juiz e pai trouxesse julgamento sobre si mesmo e sua casa.
Oração por um filho
Sozinha, Ana implorou ao Senhor, e podemos deduzir de seu voto muito do que estava exercitando sua alma. Havia a ausência do eu, uma coisa muito abençoada na oração; toda a sua preocupação era com a glória do Senhor e o serviço de Seu povo. Ela ansiava por um filho, para que pudesse dá-lo ao Senhor para ser um meio de bênção para Israel, numa época em que aqueles que haviam sido dados para esse fim estavam servindo a si mesmos. Sendo seu marido da tribo de Levi, esse desejo estava de acordo com o espírito da lei (Números 3), mas há algo extremamente comovente em sua oração. Ela implorou por apenas um filho: “SENHOR dos Exércitos! Se benignamente atentares para a aflição da Tua serva, e de mim Te lembrares, e da Tua serva te não esqueceres, mas à Tua serva deres um filho varão, ao SENHOR o darei por todos os dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha” (1 Sm 1:11). Estavam corrompidos o serviço e a adoração a Deus pelos levitas? Embora ainda no início da história de Israel, parece que sim. Certamente o Espírito de Deus nas orações e lágrimas de Ana estava expressando as necessidades do remanescente piedoso naquele povo, e também encorajando todos na mesma tristeza na Igreja de Deus.
Esperança para a nação
Agora entramos em uma cena de grande interesse. Em meio aos males e à previsão de julgamentos iminentes daquela triste época, ela e Samuel parecem ser a única esperança para a nação. Sansão havia falhado com sua grande força, e Eli em sua posição exaltada. Que esperança pode haver em uma mulher fraca e em uma criança ainda mais fraca? A resposta certamente está em oração, e nisso Ana e Samuel são um; Samuel é a continuação de Ana. Se ignorarmos a divisão dos capítulos um e dois, podemos ler: “E ele adorou ali ao Senhor. Então orou Ana” (1 Sm 1:28-2:1). Antes de deixar a criança em Siló, nós os vemos adorando juntos. Foi um momento doloroso para uma mãe, mas sua vontade foi quebrada e seu coração estava cheio. Ela, com efeito, começa as orações e o serviço de seu filho com seus louvores, pois a ação de graças é inseparável de tais orações.
A Salvação do Senhor
O fundamento de tudo é a conhecida e desfrutada salvação do Senhor. Por causa disso, seu coração exultou n’Ele, como as hostes celestiais, em Sua santidade. Sem Sua salvação, o que vale a prosperidade natural de Penina, ou mesmo a exaltada posição dos sacerdotes? Não são essas coisas externas que são consideradas, mas ações, pois o Senhor é um Deus de conhecimento. Por que então as vantagens externas são tão cobiçadas pelo homem? Os arcos dos poderosos serão quebrados, os cheios ficarão vazios, os frutíferos definharão. A graça, por outro lado, levanta os caídos e os cinge com força, os famintos são satisfeitos, as estéreis se alegram com os filhos. Assim, o caminho do Senhor é humilhar aqueles que Ele exaltará, abaixar aqueles que Ele vai levantar. Onde o propósito e o orgulho do homem murcham, a fé pode crescer, e “o coração dos sábios está em casa de luto” (Ec 7:4). Ana provou isso, e ela os vê, embora humildes aqui – feitos para sentar-se com príncipes e herdar o trono de glória. Esta é a salvação como Ana a conhecia, vinda d’Aquele que tão ternamente tratou com ela.
E então aqueles que o rejeitam ou negligenciam? Como eles vão escapar? Se estiverem vivos quando o Senhor vier reivindicar a Terra, eles serão despedaçados (Salmo 2), enquanto os mortos serão julgados diante do grande trono branco. Ana parece distinguir, assim, entre “os que contendem com o Senhor” – aqueles que estarão dispostos contra Ele para a batalha – e “os ímpios” – todos aqueles sem Cristo. Nós também fazemos esta distinção clara, do preciso ensino de Apocalipse 19:11-21; 20:11, 15.
Louvor
Mas o julgamento não é um final adequado para declarações exaltadas como essas; consequentemente, “o Seu Ungido” – o Messias, é introduzido. Antes que ela orasse, o novilho que ela trouxera com seu filho havia sido sacrificado, e o testemunho dos sofrimentos de Cristo e Sua obra expiatória havia sido dado. Ela não pode encerrar sua oração sem falar das glórias que se seguirão: “o SENHOR … dará força ao Seu Rei, e exaltará o poder do Seu Ungido” (1 Sm 2:10). Quando consideramos os tempos e pensamos na fraqueza da mulher, esta é uma porção maravilhosa da Palavra de Deus, mas tornada por Deus a primeira das bênçãos para Seu amado povo, que estava em um estado humilde. A princípio, Ana ficou sobrecarregada com as dificuldades. Quando ela encontrou toda a sua força no Senhor, tão grande foi seu gozo n’Ele, que em toda essa oração ela nunca nomeou ou mesmo mencionou seu filho. Com nossa maior luz e privilégios, quão poucos são como ela nisso! Quão importante é para nós estar na brilhante certeza da salvação, ter o coração cheio de louvor e contemplar a glória!