Origem: Revista O Cristão – Fracasso no Testemunho
Oração e Confissão
Em comum com as outras profecias de Daniel, o nono capítulo nos leva para o futuro, trazendo diante de nós o destino de Jerusalém. Como profeta, Daniel teve visões e recebeu revelações do futuro; agora iremos vê-lo como o intercessor em favor do povo de Deus e, em resposta à sua oração e súplica, recebendo instruções quanto à mente de Deus.
O cenário da oração (vs. 1-2)
Sessenta e oito anos se passaram desde que Daniel fora levado cativo na queda de Jerusalém. Ele tinha visto a ascensão e queda da Babilônia, enquanto a Pérsia, o segundo império mundial, havia passado à frente. Neste reino, Daniel ocupava uma alta posição de autoridade. Mas os envolventes assuntos de estado não podiam ofuscar seu amor ardente pelo povo de Deus, ou sua fé na Palavra de Deus no que dizia respeito a eles.
Versículo 2 – Vimos que Daniel era um homem de oração; agora aprendemos que ele também era um estudioso da Escritura. Daniel aprende que não apenas Babilônia seria julgada, mas que o Senhor havia dito a Jeremias “que, passados setenta anos na Babilônia, vos visitarei e cumprirei sobre vós a Minha boa palavra, tornando-vos a trazer a este lugar” (Jr 29:10).
Daniel faz esta importante descoberta no primeiro ano de Dario. O retorno propriamente dito, nós sabemos, ocorreu dois anos depois, no primeiro ano de Ciro (Ed 1:1).
A confissão de Daniel sobre o pecado do povo de Deus (vs. 3-6)
O efeito imediato de saber pela Palavra que Deus está prestes a visitar Seu povo é Daniel se voltar a Deus. Ele tem comunhão com Deus acerca daquilo que ele recebe de Deus. O resultado é que ele enxerga o verdadeiro caráter do momento e age de maneira adequada ao momento.
Deus está prestes a parar Sua mão disciplinadora e conceder um pouco de avivamento ao Seu povo. Daniel, enxergando o verdadeiro significado do momento, volta-se para Deus “com oração, e rogos, e jejum, e pano de saco, e cinza”, e faz confissão ao Senhor seu Deus. Ele vê o passado marcado pelo fracasso, o futuro sombrio com a previsão de tristezas mais profundas e maior fracasso, e nenhuma esperança de libertação para o povo de Deus como um todo até que o legítimo Rei venha. Diante dessas verdades, Daniel foi profundamente afetado, seus pensamentos o perturbavam, seu semblante mudou, e ele enfraqueceu e esteve enfermo alguns dias (Dn 7:28; 8:27).
Mas Daniel fez outra descoberta. Ele aprendeu com a Escritura que, apesar de todo o fracasso do passado, Deus havia predito que haveria um pequeno avivamento no decorrer dos anos. Em tudo isso, vemos uma correspondência entre nossos dias e aqueles nos quais Daniel viveu. Em meio a todo o fracasso da Igreja, o Senhor disse definitivamente que haverá um reavivamento Filadélfia de alguns que, em meio à corrupção da Cristandade, serão achados em grande fraqueza, buscando guardar a Sua Palavra e não negar o Seu Nome.
Daniel, em sua oração e confissão, mostra o espírito que deve marcar aqueles que, em seus dias ou nos nossos, desejam atender a porta aberta de libertação que Deus coloca diante de Seu povo. Olhando além do fracasso de indivíduos, Daniel vê e admite o fracasso do povo de Deus como um todo. Ele diz: “Pecamos, […] nossos reis, nossos príncipes e nossos pais, e […] todo o povo da terra”. Da mesma forma, em nossos dias, todos nós tivemos nossa parte na baixa condição que levou à ruptura da Igreja.
Daniel justifica a Deus (vs. 7-15)
Tendo confessado o pecado de “todo o povo da terra”, Daniel justifica a Deus por tê-los castigado. Ele reconhece que esses males devem ser aceitos como vindos de Deus, agindo em Sua santa disciplina, e não simplesmente como resultado de atos particulares de indivíduos. Isso é claramente visto na grande divisão que ocorreu em Israel. Instrumentalmente, ela foi causada pela loucura de Roboão, mas, Deus diz, “de Mim proveio isso” (2 Cr 11:4). Daniel não se refere à violência implacável de Nabucodonosor; mas, olhando além desses homens, ele vê, na dispersão, a mão de um Deus justo. Por outro lado, “a misericórdia e o perdão” pertencem ao Senhor nosso Deus. Não só Deus é justo, mas Ele é misericordioso e cheio de perdão.
Além do mais, quando o mal veio, eles não se voltaram a Deus em oração (v. 13). Aparentemente, não havia desejo de se desviarem de suas iniquidades e entender a verdade. Certamente há uma voz para nós em nossos dias. O povo de Deus está disperso e dividido por causa de seus pecados, e, no entanto, quão calmamente, e até com complacência, esse estado de divisão é frequentemente visto pelo povo de Deus!
A súplica de Daniel a Deus por misericórdia (vs. 16-19)
Tendo confessado o pecado e o fracasso do povo de Deus e tendo, além disso, justificado a Deus em todos os Seus caminhos, Daniel agora ora em forma de súplica. É significativo que, ao rogar pela cidade, pela montanha, pelo santuário e pelo povo, ele os vê não em relação a si mesmo ou à nação, mas como pertencentes a Deus. Ele não diz nossa cidade, ou nosso santuário, ou nosso povo, mas “Tua cidade”.
É da mais profunda importância ver que a base da súplica de Daniel é o fato, repetidamente enfatizado em sua confissão, de que o próprio Deus é quem havia dispersado o povo. Até que esse fato seja encarado e admitido, sem qualquer reserva, não pode haver recuperação.
Enxergar somente os homens causando divisões levou muitas pessoas sinceras à falsa conclusão de que, se os homens causaram divisões, eles têm o poder para remediá-las. Daí os esforços que são feitos para reunir novamente o povo de Deus estarem fadados ao fracasso, e pior do que fracasso, pois apenas aumentam a confusão entre o povo de Deus. Reunir está além da inteligência do homem; é obra de Deus. Podemos destruir, podemos espalhar, podemos partir corações, mas “O Senhor edifica a Jerusalém; congrega os dispersos de Israel. Sara os quebrantados de coração, e lhes ata as suas feridas” (Sl 147:2-3 – ACF).
Aqui, então, na oração de Daniel, temos o curso que deve sempre guiar o povo de Deus em um dia de ruína: primeiro, obter, ao voltar-se para Deus, um senso renovado e profundo de Sua grandeza, santidade e misericórdia para aqueles que estão preparados para guardar Sua Palavra. Segundo, devemos confessar nosso fracasso e pecado, e que a raiz de toda a dispersão está em uma baixa condição moral. Terceiro, precisamos reconhecer o justo governo de Deus em todos os Seus meios de castigar o Seu povo. Quarto, devemos recorrer à justiça de Deus, que pode agir em misericórdia para com o fracasso de Seu povo, por amor do Seu nome.
Entendendo a palavra e a visão (vs. 20-27)
Voltando-se para Deus em oração e confissão, Daniel recebe luz e entendimento acerca da mente de Deus. É significativo que ele receba a resposta para sua oração à hora do sacrifício da tarde, indicando que sua oração é respondida com base na eficácia da oferta queimada que fala a Deus do valor do sacrifício de Cristo.
No início da súplica de Daniel, Deus havia dado mandamento a Gabriel acerca de Daniel. Deus não esperou uma longa oração, para ouvir tudo o que Daniel diria. Deus conhecia os desejos do coração dele, e logo no início Deus ouviu e começou a agir. A incumbência de Gabriel era abrir o entendimento de Daniel para receber as comunicações de Deus, conforme ele diz, “para fazer-te habilidoso de entendimento” (JND). Não bastava Daniel receber revelações; ele precisava ter seu entendimento aberto para tirar proveito delas. Em uma data posterior, o Senhor abriu as Escrituras aos discípulos e abriu também o entendimento deles para que pudessem entendê-las. Nós, também, precisamos do entendimento aberto, bem como das Escrituras abertas, assim como o apóstolo Paulo pode dizer a Timóteo, quando ele lhe abre a verdade: “Considera o que digo; e o Senhor te dê entendimento” (2 Tm 2:7 – KJV).
Além disso, tendo-se associado com o fracasso do povo de Deus, e confessado que “[nós] pecamos”, Daniel agora tem a certeza de que, apesar de todo o fracasso, ele é “mui amado”. Que encorajamento para nossa própria alma nestes últimos dias!