Origem: Revista O Cristão – Passando a Tocha
Passando a Tocha Hoje
Em outro artigo desta edição de “O Cristão”, falamos a respeito de “passar a tocha” e de como isso era feito no princípio da Igreja. Alguns podem estar se perguntando se o mesmo acontece hoje e se devemos nos preocupar com aqueles que podem continuar depois que os mais velhos forem levados para casa para estar com o Senhor. Permita-me expressar alguns comentários pessoais.
Há mais de 65 anos, lembro-me de estar numa conferência bíblica e ouvindo os comentários em uma reunião de leitura. Um dos irmãos mais velhos comentou que estivera falando com vários dos presentes que estavam em tempo integral na obra do Senhor, e descobriu que quase todos tinham mais de 65 anos de idade. Ele, então, levantou a questão quanto a se haveria jovens que teriam o desejo e a energia para continuarem na verdade, se o Senhor nos deixasse aqui e os mais velhos fossem levados para casa. Mesmo sendo eu ainda menino, o comentário dele alcançou meu coração, e eu senti o impacto do que ele disse.
Guarda o que tens
Alguns anos depois, a mensagem endereçada à assembleia de Filadélfia em Apocalipse 3 estava sendo abordada em uma conferência, e um irmão deu ênfase ao versículo 11: “Guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa”. Mais uma vez, esse comentário deixou uma impressão em mim, e provavelmente em outros também.
Mais tarde ainda, um querido irmão, agora já há muito com o Senhor, deu uma palavra para nós jovens que (descobri anos depois) afetou vários de nós, embora na época eu a tenha aplicado somente a mim. Ele falou sobre a pergunta que o Senhor fez a Pedro em João 21: “Amas-Me mais do que estes?” (v. 15). Mais uma vez, os comentários do irmão alcançaram nosso coração e nos despertaram quanto a se amávamos o Senhor o suficiente para desistir de algo nesta vida, e sair e servi-Lo. Não que olhemos para nosso amor pelo Senhor como sendo o fator motivador necessário; antes, confiamos que “o amor de Cristo nos constrange” (2 Co 5:14). Quanto mais vivemos no gozo do Seu amor, mais nosso amor fluirá de volta para Ele.
“Eu sei que sou salvo”
Alguns podem questionar por que é importante “passar a tocha” e continuar na verdade que desfrutamos. Lembro-me de um jovem Cristão que eu conhecia bem, mais ou menos da minha idade, que havia crescido em um lar piedoso. Ele expressou seus sentimentos sobre tudo isso em linguagem um tanto forte. Ele disse: “Eu sei que sou salvo e que vou para o céu. Isso é tudo o que eu preciso: Não estou interessado em mais nada”. Essa atitude não é nova, pois é essencialmente o que aconteceu enquanto o apóstolo Paulo ainda estava vivo. Ele disse em 2 Timóteo 1:15: “Os que estão na Ásia, todos se apartaram de mim”. Eles não tinham se afastado do Cristianismo, mas sim da vocação celestial que Paulo havia pregado. Paulo tinha sido o “porta-estandarte” do Cristianismo, para indicar o caminho que deveria caracterizar um crente nesta dispensação. Como parte da Igreja, o crente hoje tem um chamado e esperança celestiais, mas é enviado de volta ao mundo para ser uma testemunha disso. O mundo aceitará de bom grado um Cristão que exiba moral e virtudes Cristãs, mas não gosta de alguém que se separa dele por causa de sua vocação celestial.
Infelizmente, há alguns Cristãos hoje que exemplificam a atitude daquele jovem a quem me referi. Eles se contentam simplesmente em ter o seu “bilhete para o céu”, porém vivem para este mundo até serem chamados para casa. Alguns podem perguntar: “Por que é importante andar em toda a verdade que nos foi dada?”
Todo o conselho de Deus
Eu sugeriria que há pelo menos duas razões pelas quais devemos acolher e apreciar “todo o conselho de Deus”. Primeiro de tudo, há a questão da responsabilidade. Em qualquer momento da história deste mundo, Deus teve aqueles que eram Seus neste mundo que O honraram e procuraram agradá-Lo. Deus podia dizer a Abraão: “Anda em Minha presença, e sê perfeito” (Gn 17:1). Isso não significa que ele nunca pecou, mas, sim, que ele era maduro em seu entendimento acerca do que Deus estava fazendo durante aquela dispensação e qual deveria ser a resposta adequada dele. Abraão não sabia o que você e eu sabemos hoje, mas ele era fiel, e dele o Senhor pôde dizer: “Eu o tenho conhecido, que ele há de ordenar a seus filhos e a sua casa depois dele, para que guardem o caminho do SENHOR” (Gn 18:19). Abraão assim fez e passou “uma boa tocha” para sua família. Eles nem sempre andaram no “bom” dela, mas o exemplo que ele deu de fé e obediência teve consequências de longo alcance em bênção.
Do mesmo modo, você e eu somos responsáveis hoje. Há quase 200 anos, o Senhor levantou aqueles que resgataram para nós a preciosa verdade da assembleia. Muitos a desfrutaram, mas muitos posteriormente a abandonaram, porque a acharam um caminho difícil. Mas isso nos leva à nossa segunda razão para “passar a tocha” e segurar essa tocha bem alto, por assim dizer. Isso nos traz de volta ao que já citamos de 2 Coríntios 5:14: “O amor de Cristo nos constrange”.
O amor de Cristo nos constrange
A verdade é algo maravilhoso, e especialmente aquela que está ligada a um Cristo ressuscitado em glória. O Senhor Jesus pôde dizer: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8:32). A preciosa verdade de Deus realmente nos liberta de todos os pensamentos e propósitos do homem e nos capacita a andar com Deus conforme os Seus propósitos e conselhos. Mas a verdade por si só não nos manterá; nossas afeições devem estar envolvidas. É por isso que o Senhor Jesus disse a Seus discípulos, enquanto iam da cidade de Jerusalém para o Monte das Oliveiras: “Como o Pai Me amou, também Eu vos amei a vós; permanecei no Meu amor” (Jo 15:9). O gozo do amor de Cristo em nosso coração fará com que nosso próprio coração transborde de amor a Ele, e então qualquer coisa que tenha a ver com nosso bendito Salvador será de suprema importância para nós.
Em um contexto espiritual, “passar a tocha” não é apenas a manutenção de um acervo da verdade, por mais importante que seja. A assembleia de Éfeso, como diz o Senhor em Apocalipse 2, estava segurando a verdade e fazendo isso bem. No entanto, o Senhor teve que lembrá-los de uma falha notória: “Deixaste o teu primeiro amor” (Ap 2:4 – ACF). Este foi o início do declínio, e no fim resultou na remoção do castiçal ali. Quando nosso primeiro amor falha, seguem-se declínio espiritual e abandono da verdade. A tocha pode ser levada por um tempo, mas, se a força motriz para fazê-lo se for, a tocha logo será abandonada. Um irmão mais velho, já há muito com o Senhor, certa vez relembrou alguns daqueles sob cujo ministério ele tinha sido criado. Ele mencionou o dom deles, mas também disse que o que o impressionava mais do que o dom que tinham era a piedade deles e que essa piedade dava peso às palavras deles.
Concluindo, então, lembremo-nos de que somos responsáveis, em qualquer época que vivermos na história da Igreja, por manter aquilo que nos foi confiado. Da mesma forma, nossa resposta ao amor de Cristo não depende do quanto sabemos, mas sim de desfrutarmos o Seu amor e o que quer que Ele tenha confiado a nós. Ele terá um testemunho na Terra até que Ele venha – um testemunho de toda a verdade de Deus. Que seja o nosso sincero desejo fazer parte dele.