Origem: Revista O Cristão – Perdão

O Perdão – Manejando Bem a Verdade

Vimos que há diferentes maneiras pelas quais o perdão nos é apresentado na Palavra de Deus. Como acontece com todos os assuntos que são tratados na Escritura, é de suma importância que possamos manejar corretamente a Palavra da verdade, isto é, que entendamos o escopo da Escritura como Deus a apresenta para nós. Recentemente, chegou ao nosso conhecimento que alguns, sem dúvida com a melhor das intenções, estão pervertendo a Escritura sobre o assunto do perdão.

A verdade manejada da maneira errada 

Está sendo ensinado que já que 1 João 1:9 é o único versículo no Novo Testamento que menciona diretamente a confissão de pecados, ele deve ser aplicado a um incrédulo e não a um crente. Afirma-se que não existe uma ruptura na comunhão entre o crente e Deus quando o crente peca. A pergunta é feita: “Onde, por favor, me diga, existe uma Escritura que declara que podemos estar dentro e fora de comunhão com nosso grande Deus, dependendo das nossas faltas em nossa caminhada?” Então se diz que, uma vez que o crente foi purificado uma vez pelo sangue de Cristo e foi “chamado para a comunhão de Seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1 Co 1:9), ele nunca poderá perder essa comunhão novamente. Alega-se que tal ensinamento leva os crentes da escravidão à verdadeira liberdade.

Essa perversão da verdade resulta da falha de não ver a diferença entre o perdão judicial e o restaurativo. Misturar os dois é não manejar a Palavra da verdade da maneira correta e, no final, irá trazer o crente de volta a própria escravidão da qual ele supostamente estava sendo livrado. É realmente maravilhoso perceber que o crente, uma vez purificado de seus pecados pelo sangue de Cristo, nunca mais poderá se perder. Ele está tão apto para o céu como sempre estará, pois ele é realmente visto estando “em Cristo”. No entanto, Deus nos ama demais para ficar satisfeito simplesmente em nos tornar aptos para o céu e depois nos deixar continuar viver em pecado. Ele quer que desfrutemos de Sua companhia e comunhão, e Deus não pode ter comunhão com o pecado. Certamente Ele nos lembra (através dos escritos de Paulo e de outros) de nosso chamado celestial, pois todas as exortações da Escritura são baseadas no que já possuímos. Mas então Ele faz provisão para nós se falharmos, a fim de que possamos ser restaurados para a feliz comunhão com Ele. Assim, não é correto dizer que um crente não pode estar dentro e fora da comunhão com Deus, pois isso é exatamente o que acontece quando pecamos. Esse falso ensino afirma: “Se João [em sua primeira epístola] estivesse se dirigindo aos crentes nascidos de novo, eles também seriam ‘chamados [por Deus] para a comunhão de Seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor’ (1 Co 1:9)”. Então, afirma-se que 1 João 1:9 deve ser aplicado a um incrédulo que precisa confessar seus pecados para ser salvo. Contudo, em 1 João 1:7, João declara: “Se [ou ‘desde que’] andarmos na luz, como Ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo pecado”. Assim, é evidente que os crentes são os mencionados aqui, pois o que a luz revela, o sangue purifica. Aqueles a quem foram dirigidas estas palavras são vistos como tendo comunhão, não apenas uns com os outros, mas também “com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo” (v. 3).

Confissão e comunhão 

A verdade sobre a perda da comunhão com Deus por causa do pecado e da restauração subsequente não depende da presença ou ausência da palavra “confissão” na Palavra de Deus. Pelo contrário, 1 João 1:9 resume uma verdade que não está apenas nos escritos de Paulo, mas que é encontrada em toda a Escritura. O espaço não nos permite entrar em um exame mais detalhado das várias ocasiões que isso ocorre, mas podemos ver isto no Velho Testamento, particularmente no caso de Davi. Quando ele pecou com Bate-Seba, ele claramente confessa seu pecado a Deus. No Salmo 51:34, ele diz: “Eu conheço as minhas transgressões Contra Ti, contra Ti somente pequei, e fiz o que a Teus olhos é mal”. Então o seu pedido é: “Torna a dar-me a alegria da Tua salvação” (Sl 51:12). Sua salvação estava garantida, pois ele já havia sido judicialmente perdoado, mas tinha perdido a alegria da salvação por causa do pecado. Quando o pecado foi confessado, ele experimentou o perdão restaurativo e novamente desfrutou de uma feliz comunhão com Deus.

No Novo Testamento, vemos uma situação similar na assembleia em Corinto. Lá eles tinham um homem – um irmão – que havia caído em grave pecado moral. Era suficientemente grave para que Paulo tivesse que dizer a eles para afastá-lo da mesa do Senhor e para longe da comunhão Cristã. Não deveriam nem manter companhia ou comer com ele. Será que alguém pode fingir – como os falsos mestres tentam ensinar – que este homem estava desfrutando ainda da comunhão com o Senhor enquanto lhe foi negado essa comunhão com os seus companheiros de fé? Não, ele estava em péssimo estado de alma, e Paulo o chama de “esse iníquo” (1 Co 5:13). Somente quando ele realmente julgou aquele pecado grave na presença do Senhor, Paulo disse aos coríntios para “perdoar-lhe e consolá-lo” (2 Co 2:7). Deus poderia agir em perdão restaurativo e restaurá-lo à uma feliz comunhão, enquanto a assembleia era encorajada a agir em perdão administrativo e restaurá-lo à feliz comunhão com eles.

Julgamento próprio 

Paulo afirma ainda em 1 Coríntios. 11:31: “Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados”. Isso significa simplesmente que, se confessarmos e nos afastarmos dos pecados menores em nossa vida, não cairíamos em pecados maiores pelos quais o Senhor precise nos castigar. Assim, não é correto dizer que Paulo e outros escritores do Novo Testamento não falam sobre a confissão de pecado, pois a palavra “julgar” usada aqui tem a mesma força. Nós não podemos andar com Deus sem constante julgamento próprio em nossa vida.

Seguido de sua conclusão lógica, esse falso sistema levará o crente à escravidão, e não a liberdade. O pecado na consciência ou traz miséria (por causa da comunhão que é perdida com Deus) ou leva a uma consciência cauterizada (1 Timóteo 4:2) que não é sensível ao pecado como deveria ser. Em ambos os casos, a comunhão com Deus foi perdida e, lamentavelmente, muitos queridos crentes estão vivendo em tal estado.

Que nos seja dada a graça de ver, por um lado, a plenitude da obra consumada de Cristo, mas, por outro lado, a necessidade de nos empenharmos constantemente em julgamento próprio para andar em feliz comunhão com Deus!

W. J. Prost

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