Origem: Revista O Cristão – Primogênito

O Primogênito do Limpo e do Imundo

A justiça de Deus foi testemunhada pela lei e pelos profetas, embora somente manifestada pela cruz, ressurreição e glorificação de nosso Senhor. O testemunho era para a manifestação o que a sombra é para a substância – uma semelhança e um contraste. O esboço pode ser mais simples, mas falta a totalidade. Agora, as sombras são, sem dúvida, deixadas pelo Senhor para nos ajudar a entender melhor a realidade. Uma das mais interessantes dessas sombras é encontrada na posição relativa e no destino dos primogênitos dos animais limpos e imundos. Neles, temos uma maravilhosa imagem do Salvador, do pecador e da expiação.

O limpo e o imundo 

Se eu pensar no status relativo, na natureza e sob a lei, dos animais limpos e imundos, claramente os limpos têm a vantagem. Noé nos mostra isso quando ele leva sete para a arca. Quando me lembro disso, fico impressionado com o fato de que o primogênito do animal imundo tem grande vantagem sobre o primogênito do limpo, pois ele pode livremente desfrutar da vida, ainda que apenas com base na redenção. Mas o outro está absolutamente condenado à morte. Assim, lemos: “os primogênitos dos animais imundos resgatarás [remirás TB] (Nm 18:15). “Mas o primogênito de vaca, ou primogênito de ovelha, ou primogênito de cabra”, isto é, de animais limpos, “não resgatarás; santos são; o seu sangue espargirás sobre o altar” (v. 17).

Essas duas classes de animais representam dois homens: o homem imundo ou pecador, e o homem santo. O homem visto como a raça, incluindo, é claro, cada indivíduo, exceto Um, está lado a lado com o animal imundo, e isso não por algum ato nosso que nos tornou culpados, mas por nosso nascimento, pelo qual, por meio do pecado do primeiro homem, fomos constituídos pecadores e, por natureza, filhos da ira. Então encontramos associado com a redenção do primogênito imundo: “os primogênitos dos homens resgatarás”. Isso ensina a natureza profana do homem. De forma semelhante, encontramos o homem associado ao jumento em Êxodo 13, nos lembrando da palavra de Zofar, “o homem nasce como a cria do jumento montês” (Jó 11:12), dando ao homem o pensamento do caráter naturalmente insubordinado de nosso coração. Ele “não é sujeito à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser”. Então vemos o homem longe de Deus, sob condenação e precisando de um Salvador desde o seu nascimento. Isso corresponde ao final de Romanos 5: “pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores”. Mas também vemos uma redenção tão grande quanto a ruína: “os primogênitos dos animais imundos resgatarás”. Ali está a porta aberta da salvação para todos. “Por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida” (Rm 5:18).

O primogênito do limpo 

Agora, em meio à misericórdia em redenção, havia Alguém para Quem não existia qualquer misericórdia. Pois para o primogênito do animal limpo não havia escapatória da morte. A razão pode parecer estranha: ele era santo. O imurndo poderia encontrar uma escapatória; o santo, nunca escaparia. Que enigma isso apresenta à mente natural! Parece subversivo de toda justiça e contrário a toda justiça humana e legal. Mas que imagem vívida é da justiça de Deus em salvar o pecador! Aqui estava a vontade de Deus, nossa santificação. Isso deve ser por sacrifício, ou seja, pela oferta do corpo de Jesus Cristo uma vez (Hb 10:10). Nosso Senhor vem para fazer essa vontade. Ele toma o lugar, em infinita graça, do animal limpo, sendo Ele mesmo o Primogênito de toda a criação e “o Santo”, como Lucas declara. Agora, a condenação absoluta do primogênito do animal limpo retrata Sua terrível posição à qual Ele estava destinado, aprisionado sem poder escapar de ser sacrificado. É verdade que Ele olhou além dela, para aquela “mão direita” onde “há delícias perpetuamente”, e Ele podia dizer: “Far-Me-ás ver a vereda da vida” e “As linhas (ou sortes) caem-Me em lugares deliciosos” (Sl 16). Mas era verdade que o peso do juízo pelo o qual Ele tinha que passar estava em Seu espírito. Seus inimigos, ignorantes da verdade, expressaram-no corretamente na provocação amarga e cruel: “Salvou os outros e a Si mesmo não pode salvar-Se”. À medida que o fim se aproxima, nós O encontramos totalmente ciente da situação, mas absolutamente inabalável por ela. Então lemos: “Sabendo, pois, Jesus todas as coisas que sobre Ele haviam de vir, adiantou-Se e disse-lhes: A quem buscais?” De fato, no jardim, o terror disso estava sobre Seu santo espírito: “Meu Pai, se é possível, passa de Mim este cálice; todavia, não seja como Eu quero, mas como Tu queres”. Não havia escapatória possível: “Não resgatarás”. Isso vemos na figura: “o seu sangue espargirás sobre o altar”. Assim também as orações não respondidas por libertação no Salmo 22: “Eu clamo de dia, e Tu não Me ouves”; agora em toda essa profundidade de sofrimento, aprisionado no juízo; “Um abismo chama outro abismo, ao ruído das tuas catadupas”, vemos a maravilhosa perfeição do Senhor. Ele justifica Deus em meio a tudo: “Tu és Santo, o que habitas entre os louvores de Israel”. A profundidade de Sua provação provou quão verdadeiramente Ele era Santo. Não havia nenhuma resposta má para ser arrancada de Seu coração. Ali estava um Homem em Quem só havia bem, e de Quem só bem podia sair; assim, Ele era um cheiro suave para Deus. Todos os homens que foram muito provados falharam completamente – Jó e outros – e devem se alinhar, assim como nós, lado a lado com o animal imundo. Em Cristo encontramos a única resposta para a figura do animal limpo, e Ele era o Único para Quem não havia escapatória, para que pela graça de Deus pudesse haver uma escapatória para o pecador que n’Ele crê.

Santificai todos os primogênitos 

Se continuarmos a história dos primogênitos, ela é cheia de interesse e instrução. Os primogênitos de Israel foram salvos pelo sangue na Páscoa, mas aqueles assim redimidos eram especial e peculiarmente de Deus. “Santifica-Me todo primogênito, o que abrir toda madreMeu é” (Êx 13:2). Assim, o primogênito não era meramente redimido da morte; ele era comprado para Deus: “fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus” (1 Co 6:20).

Ora, a história dos primogênitos era esta: Deus tinha Seu tabernáculo, com seus variados e multiplicados serviços, e para realizar esses serviços era necessário um imenso número de homens. Ora, esse serviço pertencia aos primogênitos, mas seus lugares foram tomados pela tribo de Levi. Cada levita representava um homem primogênito de Israel. O número de filhos mais velhos que excedesse o número daquela tribo era redimido por cinco siclos de prata cada (Nm 3:46-48). Assim, os levitas eram de uma maneira especial uma companhia redimida. Claramente, eles são, portanto, figuras dos Cristãos, tanto em nossa redenção quanto na reivindicação que Deus tem sobre nós para o serviço como redimidos. “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm 12:1).

O duplo privilégio e responsabilidade 

O primogênito visto dessa forma tem, por assim dizer, uma história dupla a partir de sua redenção, e nós também. Primeiro, ele morre no seu substituto, então ele vive como servo no levita. E isso encontra sua correspondência com a figura no crente agora. Estamos mortos com Cristo (Rm 6:8). Esse é o fim de nossa história como filhos responsáveis de Adão: “Estou crucificado com Cristo”. Então o pai israelita poderia dizer: “Meu filho morreu naquele cordeiro”. Então essa história termina. Mas “e vivo”. Agora temos uma nova vida – “Cristo vive em mim”. Neste ponto, temos o levita diante de nós, salvo da morte, mas devotado a Deus. A individualidade permanece a mesma, é claro. Estou morto como filho de Adão; como filho de Deus, eu vivo – redimido e nascido d’Ele. Assim, temos nosso duplo privilégio e responsabilidade, tanto para nos considerarmos mortos para o pecado quanto para viver para Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor. Cristo não é apenas o Primogênito que morre, mas também o Primogênito que vive. Ele é o primeiro de entre os mortos. Assim, é abençoado pensar n’Ele em triunfo sobre todos os Seus inimigos, e em graça nos associando a Ele. “O que santifica como os que são santificados, são todos de Um” (Hb 2:11). Somos pela graça a Igreja dos primogênitos cujos nomes estão escritos no céu; também “como primícias das Suas criaturas”. Quando vemos nossa associação com Cristo, reconhecemos com gratidão que todas as nossas bênçãos fluem da graça por causa de Ele ter sido aprisionado sem poder escapar da morte. Somente assim os propósitos de Deus para conosco poderiam ser realizados. Agora, se somos primogênitos com Cristo, por assim dizer, ainda assim o conselho de Deus sempre assegura a Ele a preeminência: “os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o Primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8:29).

C. D. Maynard (adaptado)

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