Origem: Revista O Cristão – A Recordação do Senhor
“Fazei isto em memória de Mim”
O maior privilégio na Terra
A recordação do Senhor é o maior privilégio do crente na Terra. Aquele que renunciou a tudo para que a vontade do Pai pudesse ser feita, para que a questão do pecado pudesse ser resolvida e para que pudéssemos ser trazidos para a bênção, nos pediu para nos lembrarmos d’Ele. Certamente esta lembrança preciosa deve produzir a mais profunda afeição em nosso coração e atraí-lo em adoração. É realmente uma antecipação do céu, pois Cristo – tudo o que Ele é e tudo o que Ele fez – será nossa ocupação lá por toda a eternidade. Deus em Sua graça nos deu o privilégio de experimentar um pouco desse gozo aqui embaixo.
Ao considerar este maravilhoso privilégio, existem elementos que não devem fazer parte dele, e há coisas que devem estar diante de nosso coração. Vejamos primeiro algumas coisas que não devem estar relacionadas com a recordação do Senhor.
Vir para dar
Primeiro de tudo, devemos lembrar que não é uma reunião em que chegamos para receber. Pelo contrário, é nosso privilégio vir para dar. Isso é mostrado em figura em João 12:2, onde diz: “Fizeram-Lhe, pois, ali uma ceia”. Embora isso, sem dúvida, se refere a uma refeição real, a passagem é uma figura da ceia que fazemos para o Senhor quando nos lembramos d’Ele. Se chegarmos esperando receber, ficaremos desapontados, pois estamos perdendo o verdadeiro privilégio da reunião. Em outras reuniões, como uma reunião de oração, uma reunião aberta ou uma reunião de leitura, podemos esperar receber, e com razão. Deus alimenta o Seu povo por meio daqueles a quem Ele proveu e no poder do Espírito de Deus. Mas o Senhor Jesus disse: “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber” (At 20:35). Em graça, Ele nos deu a melhor parte e nos permitiu o privilégio de nos reunirmos para dar.
Naturalmente, temos que dizer, como Davi antigamente: “Porque tudo vem de ti, e da tua mão To damos” (1 Cr 29:14). É o Espírito que conduz nosso coração em ações de graças, louvor e adoração, e somente esperando verdadeiramente n’Ele é que podemos dar a Deus corretamente. Então, ao nos reunirmos esperando dar, nós iremos receber. Descobriremos que, como “encheu-se a casa do cheiro do unguento” (Jo 12:3), nosso coração ficará cheio de Cristo e seremos encorajados.
Pelo que acabamos de dizer, é evidente que a reunião de recordação não é um lugar para o exercício dos dons. Os dons são para edificação, exortação e consolação, mas eles não têm lugar na adoração. O gozo e apreciação de Cristo transcende o dom e leva cada santo ao lugar de um adorador.
É sobre Ele, não nossas bênçãos
É também uma reunião em que não devemos nos ocupar com nossas próprias bênçãos. Sem dúvida, os resultados benditos da obra de Cristo para nós virão à mente e atrairão nossas ações de graças e louvores. Quanto maior nossa apreciação e desfrute dessas bênçãos, mais nosso coração será cheio de louvor e adoração. Contudo, nossos pensamentos e coração devem ser dirigidos Àquele que nos trouxe essas bênçãos, não às próprias bênçãos.
Da mesma forma, não nos reunimos para orar no sentido de levar nossas necessidades diante do Senhor. Este é propriamente o caráter de uma reunião de oração, em que viemos “pela oração e súplicas, com ação de graças” para que nossas “petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus” (Fp 4:6). Na recordação do Senhor, nossas próprias necessidades devem ser esquecidas, pois temos nossos pensamentos e coração voltados para Ele.
O esforço humano não deve ter lugar na reunião de recordação. O fluxo de ação de graças, louvor e adoração deve ser no poder do Espírito, e se o Espírito tiver liberdade para liderar e guiar, haverá aquela energia de louvor e harmonia de pensamento e expressão que é apropriada. Quando o poder do Espírito não é sentido, há tendência para a energia humana tentar tomar o seu lugar. Isso resulta em serviços feitos pelo homem que podem atrair o coração natural, mas que não resultam naquilo que agrada a Deus. Nunca devemos nos reunir com um senso de dever, pois o resultado será então que iremos embora satisfeitos, supostamente cumprindo nosso dever. Um velho irmão, há muito tempo com o Senhor, certa vez comentou: “Que a preciosa lembrança do Senhor nunca se torne um ritual religioso, mas que possa estar sempre fresca em nossas mentes!” Lembremo-nos de que Deus não está buscando adoração, mas busca adoradores (Jo 4:23).
Adoração coletiva
Da mesma forma, pensamentos peculiares a si mesmo não devem ser apresentados, pois quando ele participa, ele o faz como porta-voz da assembleia. Assim, o que é expresso deve ser o que pode ser apreciado e aprovado pela assembleia de adoradores. A adoração nas Escrituras é reconhecida como sendo coletiva e, portanto, um indivíduo não deve forçar aquilo que somente ele pode desfrutar.
Finalmente, a adoração verdadeira não pode ser feita se o Espírito de Deus estiver entristecido. Esta é uma coisa muito delicada que nem sempre pode ser definida, mas certamente pode ser sentida. Muitos de nós podemos lembrar de ocasiões em que nos reunimos, esperando que o Espírito conduzisse nosso coração em adoração, apenas para descobrir que havia uma evidente e sentida falta da liberdade do Espírito para fazê-lo. Se o pecado em nossa consciência não tiver sido julgado diante do Senhor, ou se o pecado em alguém estiver presente, é suficiente para sufocar a liberdade do Espírito, pois o Espírito deve nos ocupar com o pecado até que nós o confessemos. A liberdade do Espírito pode ser reduzida por graves atos de pecado, mas também pode ser afetada por maus pensamentos, sentimentos pessoais contra os outros, mundanismo, uma atitude descuidada e muitas outras coisas. Que possamos ser sensíveis à presença d’Aquele que está em nosso meio e cujo amor e graça merecem o melhor de nós!
Lembrando d’Ele em Sua morte
No lado positivo, é uma reunião onde chegamos para lembrar d’Ele, e lembrar d’Ele em Sua morte. A Páscoa trouxe os pecados à lembrança, mas agora que não temos mais a “consciência de pecado” (Hb 10:2), podemos nos lembrar d’Aquele que tirou todos aqueles pecados. Ele sabia com que facilidade nos esqueceríamos d’Ele, ocupando-nos com nossas bênçãos em vez de nos ocuparmos com Aquele que as trouxe para nós. Mais que isso, Ele sabia com que facilidade seríamos levados a nos ocupar com Seu poder manifestado em nós. Durante o ministério terrenal de nosso Senhor quando os setenta retornaram de sua missão, eles vieram com alegria, exclamando: “Senhor, pelo Teu nome, até os demônios se nos sujeitam” (Lc 10:17). Enquanto o Senhor apreciava e compartilhava dessa alegria, Ele gentilmente lembra-lhes, “alegrai-vos, antes, por estar o vosso nome escrito nos céus” (Lc 10:20). Até mesmo desfrutar do Seu poder usado por meio de nós não é um tema tão alto quanto Aquele que nos trouxe para esta posição. A lembrança d’Ele se concentra no que Ele fez, não no que poderíamos ter feito, mesmo em Seu poder.
Lembremo-nos sempre de que, quando nos reunimos para nos lembrarmos d’Ele, é para nos encontrarmos com Ele. A presença de nossos irmãos, a alegria de cantar e louvar juntos, o prazer de desfrutar “o odor do unguento” – tudo pode contribuir para a nossa apreciação da ocasião. Mas lembremo-nos de que é Ele Quem está em nosso meio e que Ele é Aquele a Quem chegamos para encontrar!
Neste contexto, lembremo-nos também de que Ele deseja e valoriza a lembrança muito mais do que nós. Na noite em que essa lembrança foi instituída, Ele pôde dizer: “Desejei muito comer convosco esta Páscoa, antes que padeça” (Lc 22:15). Profeticamente Ele pôde dizer a respeito de Seus sofrimentos: “Minha alma, certamente, se lembra e se abate dentro de Mim” (Lm 3:20). A Sua apreciação e lembrança de Seus sofrimentos são sempre perfeitos e excedem em muito a nossa. No Jardim do Getsêmani, Ele pôde dizer aos Seus discípulos: “A Minha alma está cheia de tristeza até à morte; ficai aqui e vigiai Comigo” (Mt 26:38). Tal como acontece com os discípulos, muitas vezes somos encontrados dormindo quanto ao que Ele passou. Ele podia dizer: “Vigio, Sou como o pardal solitário no telhado” (Sl 102:7 – ACF), mas Ele nos pediu para vigiarmos com Ele.
Nós nos lembramos d’Ele na morte, pois Ele está vivo agora. Se Ele não tivesse ressuscitado dentre os mortos, não somente não poderíamos nos lembrar d’Ele na morte, mas não teríamos nenhum Salvador. Mas, porque desfrutamos da comunhão com um Cristo glorificado, podemos nos lembrar de Sua humilhação e morte. É porque estamos unidos a um Cristo ressurreto que podemos olhar para o Calvário. Nossa lembrança de entes queridos mortos é agora como eles eram na vida, pois quanto a este mundo eles estão mortos. Com nosso bendito Senhor é diferente, pois já que Ele está vivo agora, podemos nos lembrar d’Ele em Sua morte.
“Anunciais a morte do Senhor”
Mais do que isso, Paulo diz: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que venha” (1 Co 11:26). Ao nos lembrarmos de nosso Senhor na morte, anunciamos a morte para o mundo e testemunhamos o fato de que Ele ressuscitou. Então, também, é somente até que Ele venha, pois no céu não precisaremos do pão e do cálice como emblemas de Seu sofrimento e morte. Antes, as marcas em Seu corpo nos lembrarão por toda a eternidade que Ele sofreu por nós.
Quando nos reunimos para responder ao pedido de nosso Senhor, nenhuma preparação é necessária, exceto a preparação do coração, e isso é talvez o mais difícil. A energia humana, como dissemos, não pode ter lugar, mas sim a verdadeira espera no Espírito de Deus para conduzir e guiar. Ele guiará de acordo com nossa apreciação de Cristo, adaptando essa liderança de acordo com a maturidade espiritual e entendimento dos presentes. Se qualquer pecado conhecido em nossa consciência tiver sido confessado, então Deus nos encontrará onde estivermos e a adoração fluirá como resultado. Por outro lado, se nossa vida ao longo da semana tiver sido caracterizada pelo mundanismo e egoísmo, nosso estado se demostrará em um Espírito entristecido e consequente falta de adoração.
Louvor e adoração
Finalmente, se estamos em um estado correto diante de Deus, tudo o que Cristo é para Deus se manifestará diante de nós. O que Ele é para nós despertará nossas ações de graças e louvores, mas o que Ele é para Deus nos levará à verdadeira adoração, onde somos esquecidos na adoração d’Aquele que, em perfeita obediência e submissão, não apenas satisfez, mas glorificou a Deus em Seu caminho aqui e Sua obra na cruz.
Que nosso coração valorize o privilégio de recordar nosso bendito Senhor em Sua morte, pois é um privilégio que não teremos da mesma maneira no céu! Lá em cima, nada impedirá o fluxo total de louvor e adoração por toda a eternidade. Entretanto, aquilo que é apresentado neste mundo onde Ele foi rejeitado e, portanto, apresentado sob circunstâncias adversas, tem um caráter especial que nada pode substituir.
