Origem: Revista O Cristão – Elias

A Restauração de Elias

Ou não sabeis o que a Escritura diz de Elias, como fala a Deus contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os Teus profetas, e derribaram os Teus altares; e só eu fiquei, e buscam a minha alma? Mas que lhe diz a resposta divina? Reservei para Mim sete mil homens, que não dobraram os joelhos a Baal (Rm 11:2-4).

Apesar da coragem, dedicação e fidelidade de Elias durante um período difícil na história de Israel, seu nome não aparece em Hebreus 11, esse grande capítulo que identifica muitos cujos nomes são colocados no registro eterno como exemplos daqueles que viveram pela fé.

Mas o nome de Elias aparece em Romanos 11 em um contexto muito diferente – não como um exemplo de quem viveu pela fé, mas como aquele que, em um momento de fraqueza, intercedeu contra o povo de Deus.

Uma palavra de advertência 

Ao considerarmos as circunstâncias difíceis em que Elias se encontrava e reconhecendo nossas próprias vulnerabilidades, dificilmente podemos culpar Elias pelas palavras que ele, indignado, proferiu em particular ao Senhor. Mas o Senhor, que foi o Único a ouvi-las, conhece e pesa todas as coisas e as registrou para nossa instrução. Esse incidente – semelhante à ocasião em que Moisés, no final da jornada no deserto, provocado pelas constantes queixas de Israel, falou com irritação em seus lábios (Sl 106:32-33) – nos serve como um sério aviso para não atacarmos com a nossa língua aos nossos irmãos, sendo contra eles, ainda que os seus caminhos sejam ofensivos. O Senhor tratou firmemente com cada um de Seus servos honrados por causa de sua resposta errada a uma condição errada entre o povo de Deus.

Considerando a singularidade de uma referência no Novo Testamento ao fracasso de um santo do Velho Testamento, alguns observaram que imediatamente após a reclamação de Elias, o Senhor instruiu Elias a ungir Eliseu como seu substituto (1 Rs 19:14-16), enfatizando assim a seriedade do que Elias havia dito. Embora reconheçamos que isso seja assim, os incidentes subsequentes registrados na Escritura nos impedem de concluir que o serviço de Elias foi completamente encerrado naquele momento.

É na história subsequente de Elias que testemunhamos a restauração do coração de um dos servos mais honrados do Senhor.

A ordem dos eventos 

Antes de identificarmos os pontos que mostram claramente a restauração de Elias, talvez seja bom observar a ordem dos eventos que levaram Elias a registrar seu descontentamento ao Senhor com relação ao Seu povo.

Elias, cujo nome significa “Jeová é meu Deus”, foi chamado por Deus para chamar Israel a abandonar a adoração a Baal e se voltar a Jeová. No Monte Carmelo, parecia que o povo havia realmente reconhecido a Jeová como o único Deus verdadeiro (1 Rs 18:39).

Mas, naquele momento, Jezabel ameaçou sua vida, e Elias, que havia demonstrado uma coragem tão notável até aquele momento, corre para salvar sua vida. Tal é o homem!

Em seu desânimo, Elias pediu ao Senhor para tirar sua vida, mesmo que a razão pela qual ele havia fugido fosse preservar sua vida. Quão inconsistentes podemos nos tornar quando motivados pelo medo e pela incredulidade! No entanto, o Senhor graciosamente ministrou a Seu servo abatido, e ele seguiu na força dessa provisão por quarenta dias. Então, em uma caverna, sem dúvida simbólica de sua tristeza e depressão, ele proferiu sua avaliação da situação sombria. O Senhor chamou Elias a que se apresentasse diante d’Ele no monte, enquanto mostrava a Elias que Ele não estava no vento, fogo ou terremoto, mas Sua mente e Seus movimentos eram apenas para serem entendidos por Seu servo ao ouvir “uma voz mansa e delicada”.

Assim como nós, Elias não se apossou daquilo que o Senhor estava trazendo silenciosamente diante dele, e ele repete sua queixa anterior, literalmente, como se o Senhor não o tivesse ouvido pela primeira vez. A pronta resposta de Elias ao Senhor nos leva a pensar que ele talvez tivesse ensaiado essa ideia em sua mente com tanta frequência que, como resultado, ela fluía automaticamente.

A palavra para retornar 

É neste momento que o Senhor instrui a Elias: “Vai, volta pelo teu caminho para o deserto de Damasco; e, chegando lá, unge a Hazael rei sobre a Síria. Também a Jeú, filho de Ninsi, ungirás rei de Israel; e também a Eliseu, filho de Safate de Abel-Meolá, ungirás profeta em teu lugar. E há de ser que o que escapar da espada de Hazael, matá-lo-á Jeú; e o que escapar da espada de Jeú, matá-lo-á Eliseu” (1 Rs 19:15-17). A essência da direção do Senhor para Elias era: “Se você quer que Eu providencialmente trate com o Meu povo de acordo com seus caminhos, você deve iniciar o processo colocando oficialmente aqueles que realizarão esse trabalho”.

A primeira indicação da restauração de Elias não está nas palavras, mas na ação. O Senhor disse-lhe para ungir Hazael para ser rei da Síria. Ali estava alguém que traria a espada contra Israel sem remorso. Mas não há registro de que Elias tenha ungido Hazael. Muito tempo depois, Eliseu, com lágrimas, disse a Hazael que ele seria rei, posição que ele garantiu para si mesmo por traição e brutalidade. Elias também não ungiu Jeú para ser rei sobre Israel, mesmo que ele, ao contrário de Hazael, não estivesse entre os inimigos de Israel. Por fim, foi um dos filhos dos profetas que, sob a direção de Eliseu, ungiu Jeú para ser rei.

O chamado de Eliseu 

Em contraste com Hazael e Jeú, Elias, sem hesitação ou reserva, imediatamente encontra Eliseu e joga sua capa sobre ele. Quão muito maior é esse ato de identificação pessoal com Eliseu do que uma unção formal! Embora o Senhor tenha ordenado a Elias que ungisse esses três homens para que eles trouxessem juízo sobre Israel, parece igualmente claro que Elias, em sua resposta, possuía inteligência espiritual e afeto pelo povo de Deus. Ele se recusou a ungir aqueles que matariam o povo de Deus, mesmo que ele próprio tivesse se queixado deles. E enquanto o Senhor tivesse falado de Eliseu matando os que escapassem da espada de Jeú, seu ministério seria o ministério da graça, e era disso que Israel precisava.

O ministério de justiça de Elias, procurando levar o povo ao arrependimento sob a lei, era tão necessário quanto o de João Batista, como precursor do Messias, mas nunca poderia trazer Israel para a bênção. Precisa ser apenas pela graça.

Comunhão em serviço 

Há também uma bela ilustração de desprendimento nesta cena. Será que estamos tão prontos quanto Elias para ceder lugar a outro servo do Senhor, mesmo que isso signifique que devemos, por assim dizer, “sermos colocados de lado”? Eliseu não poderia ter recebido uma expressão mais calorosa ou mais completa de comunhão do homem cujo lugar ele tomou. Essa cena desses dois nobres corações é verdadeiramente notável, e sua comunhão continuou até o dia em que Elias foi levado ao alto, com Eliseu observando com reverente atenção. O Senhor falou de sete mil que não haviam dobrado os joelhos a Baal. Eliseu era um. Nos capítulos seguintes, lemos sobre outros: um dos filhos dos profetas, Micaías e Nabote. A obra de Deus continuaria com ou sem Elias.

A testemunha contra o rei Acabe 

No entanto, Deus ainda tinha um trabalho importante que somente Elias poderia fazer. A ganância e selvageria de Acabe na execução de Nabote foi um crime contra um dos servos de Deus que Ele não deixaria passar.

Às vezes, reconhecemos que há situações em que algo precisa ser dito, mas ninguém parece preparado para dizê-lo. Assim foi aqui. Quem poderia abordar, muito menos repreender, o rei de Israel? Seria necessário um peso moral, coragem, integridade e fidelidade para transmitir a mensagem.

Elias, aparentemente separado de seu papel público, é chamado diretamente por Deus para entregar uma mensagem solene a Acabe face a face.

Acabe e Elias já haviam se encontrado logo no início do ministério de Elias. Acabe certamente não tinha esquecido aquele que havia retido a chuva de Israel por três anos, e ele não perdeu tempo em cumprimentá-lo, “Já me achaste, inimigo meu?” Elias não parou para corrigir o pensamento de Acabe. Ele simplesmente respondeu como alguém que dominava a situação: “Achei-te” (1 Rs 21:20).

A palavra profética de Elias para Acabe resultou no que consideraríamos virtualmente impossível – que o orgulhoso e perverso Acabe se humilhasse. Tal era o poder da palavra de um homem quebrantado que, sem ressentimento, aceitou a disciplina de Deus e se rendeu à disposição de Deus, por mais que Deus quisesse usá-lo.

O julgamento de Acazias 

Mas o trabalho de Elias ainda não estava terminado. Acazias, rei de Israel, sofreu uma queda grave e ficou doente. Em vez de se voltar para o Deus de Israel, Acazias se voltou para Baal-Zebube, o deus de Ecrom, uma cidade dos filisteus. Elias foi enviado pelo Senhor para encontrar a delegação de Acazias e dar a notícia de que Acazias morreria. Sua ordem a Elias foi confrontada duas vezes na ousadia e poder característicos de Elias, chamando fogo do céu, um relato que os discípulos do Senhor se lembraram bem, imaginando se deveriam usar a resposta de Elias como precedente para chamar fogo aos samaritanos (Lc 9:54), quando um capitão dos terceiros cinquenta clamou misericórdia, “Homem de Deus, seja, peço-te, preciosa aos teus olhos a minha vida, e a vida destes cinquenta teus servos”, o Senhor redirecionou Elias para ir com ele encontrar o rei.

Estes três incidentes mostram Elias em seu melhor momento – aquele que imediatamente se submeteu à disciplina do Senhor, que, quando o chegou o momento decisivo, não levantaria a mão contra o povo de Deus, que, liberto de qualquer esperança de que seu ministério resultasse na restauração de Israel, foi capaz de transmitir a mensagem de juízo de Deus com ousadia e firmeza diretamente a reis, e de agir conforme as exigências da lei que ele, em seu ministério, era chamado a exigir.

Elias como pessoa 

Talvez deva ser esclarecido que é importante distinguir entre Elias pessoalmente e Elias em figura, assim como com outros servos do Senhor, como Moisés, Salomão e Jonas.

Ao considerarmos Elias pessoalmente, nos maravilhamos com a graça de Deus para com Seu servo (que duas vezes rogou ao Senhor para que lhe tirasse a vida), em que Ele o tomou em um redemoinho, acompanhado por carros de fogo, figuras adequadas do ministério de Elias e um reconhecimento apropriado para alguém que serviu ao Senhor tão fielmente. Os propósitos de Deus excederam não apenas os desejos patéticos de Elias nas profundezas do desespero e da autopiedade, mas além do que ele podia conceber – ser “recebido em glória” e ser associado ao Senhor Jesus no monte quando Ele foi transfigurado diante de Seus discípulos (Lc 9:30), a amostra do reino vindouro para o qual o ministério de Elias, por fim, preparará o povo de Deus (Malaquias 4:5‑6).

W. J. Brockmeier

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