Origem: Revista O Cristão – Castigo
Retribuição, Castigo e Purificação
Quanto mais aplicarmos nosso coração à sabedoria, melhor entenderemos as maneiras como Deus trata conosco. Se estivermos atentos ao propósito dessas maneiras, descobriremos que a maioria delas está compreendida sob três aspectos, cada qual distinto em seu caráter, intenção e efeito produzido na alma. Antes de traçar os exemplos de cada ação na Escritura, permita-me declarar o que acredito serem suas respectivas características.
Retribuição considero como pertencente, nitidamente, ao governo de Deus no mundo e ao governo do Senhor na Igreja. O princípio está incorporado nesta passagem: “Com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós” (Mt 7:2).
Castigo é de outra ordem e é mais quando negligenciamos nosso chamado, como Jacó em Salem; o Senhor vem para remover o peso que obstrui nosso caminho. Talvez haja uma posição errada que não queremos renunciar, mas à qual, sendo um obstáculo para o nosso progresso, alguma aflição é enviada para efetuar a correção necessária.
Purificação entendo ser a ajuda que alguém recebe para separar-se de uma associação no momento, durante o serviço. Ela nos permite realizar com mais eficácia o propósito da alma. A grande característica dessa ação é que a alma prontamente a aceita como uma ampliação no serviço em que está empenhada. Podemos agora examinar essas ações um pouco melhor.
Retribuição
Muitas vezes, é muito difícil identificar a causa da retribuição. Uma grande razão para isso é que Deus, em Sua misericórdia, muitas vezes permite que o tempo passe antes de infligir o que Seu justo governo exige. A morte é a primeira e maior retribuição: “No dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2:17). Essa é a primeira penalidade judicial associada a uma infração da justa lei do governo de Deus. A maldição de Caim é um exemplo de simples retribuição rapidamente instituída, enquanto o sofrimento de seus dois filhos foi um castigo a Adão, e vemos o fruto disso quando ele escolhe o nome de Sete. Tudo o que Abrão sofreu por causa de Agar era retribuição, pois, se ele não tivesse descido ao Egito, não teria encontrado com ela. Na história de Davi, encontramos um exemplo de cada. Quando, no caso de Bate-Seba, ele atenta contra Deus, ele sofre retribuição com a sentença de que a espada não se apartaria de sua casa; ele também é castigado, pois seu filho morre. A retribuição acontece à parte do castigo, mas a alma exercitada pode usá-la como castigo, embora possa não ser infligida primariamente por esse motivo. “Com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós” explica muitas provações pelas quais o povo de Deus passa.
Castigo
Quanto ao castigo, acho que podemos dizer que há três ordens de correção: a primeira e mais feliz é a denominada “purificação”, que iremos observar em breve. A segunda é aquela correção enviada para nos fazer renunciar ao que o fracasso nos conduziu e que está atrapalhando nosso progresso. Para isso, a alma é submetida a dor e exercício, e é “depois” que se produz o “fruto pacífico da justiça”. Isso é facilmente compreendido, pois nunca vemos nitidamente alguma coisa até que estejamos a uma certa distância dela. Essa ordem do castigo é sempre “de tristeza”, e, enquanto ele dura, há mais ou menos uma sensação de distanciamento entre o Pai e a alma. Com a “purificação”, não há absolutamente nenhuma.
Almas descuidadas
A terceira ordem da correção é quando Deus castiga os que são Seus, mas eles não percebem. Almas descuidadas são frequentemente admoestadas e nunca sabem o porquê, mas o Senhor faz isso para justificar Seu próprio cuidado, para que, quando os olhos delas forem abertos, possam se lembrar da correção d’Ele.
Este é, em certo sentido, trabalho infeliz e trabalho a contragosto, se assim posso dizer, para o Senhor, mas Ele deve justificar a Si mesmo, Seu cuidado e Sua correção, ainda que pouco apreciada. Mas Ele sempre corrige o mínimo possível e sempre corrige mais onde encontra mais aceitação dela.
Um exemplo notável desta terceira ordem do castigo pode ser encontrado nos primeiros sofrimentos de Ló em Sodoma – aqueles relatados em Gênesis 14, dos quais Abrão o libertou. Temos ali o Senhor tratando com uma alma não exercitada, e, embora isso não tenha sido aceito como correção na época, mais tarde, quando seus olhos foram abertos pela catástrofe final, Ló certamente deve ter percebido que Deus o estava alertando.
Purificação
Purificação foi como denominei o primeiro aspecto do castigo ou correção, tendo esta característica especial, de que a alma que é purificada está em plena afinidade com o Purificador e alegremente se aproveita do processo que remove seja o que for que impede seu serviço. É disso que o Senhor fala em João 15:2, onde Ele diz:“todo o [ramo] que dá fruto [Ele] limpa, para que produza mais fruto” (ARA). A alma convicta de sua culpa recebe com prazer os meios de se endireitar.
Moisés foi purificado quando lhe foi dito para tirar os sapatos dos pés, pois o lugar em que ele estava era terra santa. E Paulo, quando estava na prisão (resultado de sua própria falha), foi aliviado do medo pela visão à noite. Considero a bênção de Melquisedeque como uma purificação para Abraão, porque o separou das expectativas terrenas. Fixou-o no futuro de forma mais clara, e assim permitiu que ele, alguém que já dava fruto, a dar “mais fruto”, recusando todas as ofertas do rei de Sodoma. Quando procuramos realmente servir, somos libertados do que impediria nosso serviço, e isso é purificar devidamente. Não é necessariamente acompanhada de sofrimento, porque seu grande objetivo é dissociar a alma daquilo de que ela deseja livrar-se.
Efeitos
Quanto ao efeito produzido por essas maneiras de tratar, estou inclinado a pensar que, em casos de retribuição, não há maleabilidade da alma até que a tristeza passe. Os sofrimentos retributivos, quando aceitos, sempre nos levarão à humilhação em vez de real frutificação. Eles podem nos preparar para esta última, mas a tendência do homem natural ao passar por esse tipo de sofrimento é a autojustificação, e geralmente temos que ser ensinados a aceitar a punição pela nossa iniquidade não como uma compensação por ela, mas como um justo pagamento pela ofensa para com Deus. Podemos ter “procurado fazer em oculto”, como Davi fez, mas os inimigos do Senhor blasfemaram por causa disso. A experiência dele dada no Salmo 51 mostra-nos a condição adequada da alma em tais ocasiões, e [é] aquela que conduzirá à libertação total. Assim será com Israel nos últimos dias. Os sofrimentos retributivos de Davi foram seguidos de castigo, pois Absalão e outros de sua família morrem, mas ele retorna ao trono, trazendo o “fruto pacífico da justiça”.
Qualquer sofrimento é castigo ou correção, se o efeito disso é nos levar a Deus. E, quando o aceitamos como algo que nos leva para Ele, sabendo que é necessário para nós, então o castigo avançou para a purificação. A purificação frequentemente segue a ordem inferior da correção, não obstante é distinta dela e sempre produz alegria e vigor para a alma, maior produção de frutos e liberdade para o serviço.
Girdle of Truth, Vol. 6 (adaptado)