Origem: Revista O Cristão – Sacerdócio e Advocacia

Advogado Junto ao Pai

Ao considerar a obra de intercessão do Senhor Jesus, descobrimos que é para nos manter, apesar da fraqueza aqui, consistentes com nosso chamado celestial. O sacerdócio não contempla o pecado no povo de Deus. É fundado na perfeição do sacrifício pelo qual os pecados foram removidos de diante de Deus para sempre e, portanto, removidos da consciência do crente. No entanto, pecamos e se não houvesse provisão para falha e pecado no crente, quão terrível seria.

Em infinita graça, esta primeira epístola de João introduz o ofício de Cristo como advogado. Vejamos o modo como o apóstolo apresenta Cristo neste caráter, considerando o que aconteceu antes. Dirigindo-se a toda a família de Deus no afetuoso termo de “filhos”, ele diz: “estas coisas vos escrevo para que não pequeis” (1 Jo 2:1). Ele se refere, é claro, ao que aconteceu antes em 1 João 1. Três coisas pertencem à posição Cristã. Primeiro, andamos na luz: A luz é Deus perfeitamente revelado e conhecido. Então, temos comunhão uns com os outros nessa luz. E, então, o sangue de Jesus Cristo, que nos purifica de todo pecado, é a base de toda a posição, o único que pode torná-la possível para pecadores como nós.

Relacionamento com o Pai 

Tudo o que aconteceu antes em 1 João 1 é trazido sobre nossa alma em 1 João 2, para que não pequemos. Mas ele imediatamente acrescenta: “Se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo. E Ele é a propiciação pelos nossos pecados”. Mesmo quando o pecado de um dos Seus está em questão, o amor do Senhor Jesus não falha. Ele não nos deixa por nossa própria conta, mas assume nosso caso e age por nós, de acordo com nossa necessidade. Esta é a força da palavra “Advogado”. É a mesma palavra no original de “Consolador” aplicada ao Espírito Santo no Evangelho de João. É Aquele que age por nós em todas as nossas circunstâncias, onde quer que precisemos d’Ele. Note também que Ele é um “Advogado para com o Pai”. O pecado do crente não mudou o relacionamento no qual ele tem com o Pai. Nós nunca podemos ser rejeitados como tal. Isso torna o pecado uma coisa muito mais abominável – sendo cometido contra toda a luz, relacionamento e amor em que fomos introduzidos.

De acordo com Hebreus 10, não há mais consciência de pecados para aqueles que creem no testemunho de Deus quanto à perfeição da obra consumada de Seu Filho. Ou seja, a consciência nunca mais conecta o pecado com o julgamento futuro, mas sim com um julgamento que teve lugar na morte de Cristo e é para sempre passado. A consciência repousa onde Deus repousa, e Ele não mais Se lembra de nossos pecados e iniquidades.

Comunhão quebrada 

Mas Satanás pode buscar ocasião para tentar aquele que caiu para fazê-lo pensar que nunca poderia chamar Deus de Pai novamente. Nesta mesma conexão, João apresenta o Advogado para com o Pai, para que possamos saber que o relacionamento é imutável. E além disso, é “Jesus Cristo, o Justo”. Ele está presente em toda a Sua perfeição pessoal e é “a propiciação pelos nossos pecados”, em toda a eficácia permanente de Sua obra. Nenhuma acusação pode estar contra aqueles a quem Deus justificou. Pelo contrário, o pecado interrompeu nossa comunhão, e o bendito serviço do Senhor como Advogado é restaurar essa comunhão. Nem é preciso que tenhamos que ir a Cristo para intervir por nós. “Se alguém pecar, temos um Advogado”. Ele age de Si mesmo para trazer para nós tudo o que é necessário para a restauração. Seu objetivo é nos levar a detectar e julgar em nós mesmos aquilo em que fracassamos – confessar nossos pecados, para que possamos conhecer o perdão de nosso Pai e sermos restaurados para o gozo da comunhão com Ele.

A lavagem dos pés de Pedro 

Este precioso serviço do Senhor para nós é ilustrado por Seu modo de lidar com Pedro no Evangelho de João. João 13:1-11 nos dá o princípio disso na significativa lavagem dos pés dos discípulos. Havia claramente algo muito mais profundo do que a mera lição de humildade. O primeiro verso nos mostra a nova posição que o Senhor estava tomando, e isso dá o caráter a todas as comunicações que se seguem. “Sabendo Jesus que já era chegada a Sua hora de passar deste mundo para o Pai”. Nós temos que atravessar o mundo do qual Ele teve que partir, mas Ele não Se esqueceria de nós em toda a nossa necessidade, pois “como havia amado os Seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”. Em Seu amor infalível foi encontrada a fonte de Sua ação que se segue, e Pedro foi autorizado a ouvir de um amor além de todos os nossos pensamentos, na mesma noite em que ele negou que O conhecesse. Aquele em cujas mãos o Pai tinha entregue todas as coisas compromete a causa daqueles que estão cercados de perigo em um mundo como este e estão tão sujeitos a falhar.

Pedro se ressente da humilhação do Senhor em inclinar-se para lavar os seus pés, até que ele aprende que é essencial para ele ter parte com Jesus onde Ele estava indo. E assim aprendemos que, enquanto o Seu maravilhoso serviço por nós inclui a recuperação do pecador e a restauração da alma, contudo, vai muito além em amor. Ele não pode suportar uma nuvem entre nós e Ele, e Ele provê a remoção de tudo o que pudesse atrapalhar a luz e o gozo de Sua presença. Pedro pensou que ter tal lavagem não era suficiente: “Senhor, não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça” (Jo 13:9).

A água da Palavra 

Isso leva o Senhor a distinguir entre duas aplicações da água. Na figura, a água, na Escritura, representa a Palavra de Deus aplicada no poder do Espírito. A primeira é aquela pela qual nascemos de uma forma totalmente nova e nos tornamos participantes de uma nova vida e natureza. Esta aplicação nunca pode ser repetida. A segunda é o que implica a lavagem dos pés – a saber, a constante aplicação da Palavra para preservar, ou nos libertar, do que impediria a abençoada proximidade com Ele. Não nos é dito para aplicarmos ela a nós mesmos: “Se Eu te não lavar, não tens parte Comigo” (Jo 13:8).

Nós vemos isso conforme seguimos Seus caminhos com Pedro e com cada um de nós. Não houve evidência que levasse Pedro a suspeitar do perigo em que se encontrava – ele pensou que um coração caloroso o levaria a passar qualquer coisa pelo Senhor. Mas a energia da natureza irá falhar em tal caminho, e ele sucumbe diante da provocação de uma criada, negando repetidamente que conhecia o Senhor. “E, virando-Se o Senhor, olhou para Pedro” (Lc 22:61). Esse olhar partiu seu coração, pois falava sobre um amor que não conhece mudança. Ele sabia que foi perdoado antes mesmo da mensagem especial do seu Senhor já ressuscitado, ou do encontro pessoal que lhe foi concedido.

A comunhão totalmente restaurada 

Mas a comunhão era um assunto muito diferente e ele ainda precisava ser restaurado. Ainda havia a sensação de distância e um vazio em seu coração que ninguém além de Cristo poderia preencher. Ele volta para a antiga ocupação de pesca, levando outros com ele. Foi uma noite sem nenhum proveito, mas abriu caminho para o Senhor intervir em Seu poder e graça e levar Pedro à realidade daquilo que Ele não pôde entender quando o Senhor queria lavar seus pés. “Jesus Se apresentou na praia” (Jo 21:4). A rede agora estava bem cheia e trazida para a terra, onde já estava preparada uma refeição para eles pelo próprio Senhor. Quando acabou, Jesus disse a Pedro: “Simão, filho de Jonas, amas-Me mais do que estes?” (Jo 21:15). Quão gentil e irresistivelmente a pergunta o faria recordar de seu orgulho confiante – “Por ti darei a minha vida” (Jo 13:37). Quem havia falhado tão espantosamente quanto ele? O que ele pôde dizer? Para quem ele poderia se voltar, além d’Aquele a Quem ele negou? “Sim, Senhor; Tu sabes que Te amo” (Jo 21:15). Mas deve-se notar que Pedro não se contenta em usar a palavra geral para o amor que o Senhor empregou, mas usa a palavra para o amor especial de um amigo. “Tu sabes que estou ligado a Ti”, e assim novamente quando o Senhor repete a Sua pergunta. Mas ele havia O negado por três vezes. Foi um trabalho doloroso, mas a consciência deve ser profundamente sondada, e a raiz de seu fracasso exposta, para que a recuperação possa ser completa. Na terceira vez o Senhor traz a questão, mas com um toque de graça sem par, Ele adota a palavra de Pedro, já implicando que Ele confia nele. “Simão, filho de Jonas, estás ligado a Mim?” (Jo 21:17 – JND). Pedro não podia deixar de senti-lo, mas sob aquele olhar penetrante que o fitava em tal amor, ele só podia responder: “Senhor, Tu sabes todas as coisas; Tu sabes que estou ligado a Ti” (Jo 21:17 – JND). A obra estava finalizada. Os pés sujos são lavados, e o Senhor pode confiar a Pedro Seus mais preciosos interesses aqui – Seus cordeiros e ovelhas, para serem pastoreados e alimentados. E agora Ele permite, no poder da comunhão totalmente restaurada, que Pedro tome o caminho no qual uma vez ele havia fracassado completamente. Ele deveria seguir até a morte pelo Senhor.

A advocacia do Senhor 

Assim, nos é permitido ter uma preciosa amostra da ação do Advogado no caso de pecado nos Seus. É o Senhor Quem Se encarrega de aplicar a Sua Palavra à consciência e ao coração, para detectar e trazer à luz aquilo que interrompeu a comunhão ou impediu o gozo da Sua presença. Ele faz isso para que possamos confessar e julgar a nós mesmos. No momento em que esse ponto é alcançado, Ele é Fiel e Justo para nos perdoar os nossos pecados.

Quão abençoada é a revelação destes aspectos distintos do serviço do Senhor Jesus para conosco, seja como sacerdote para com Deus ou como Advogado junto ao Pai. Mas como isso deve nos fazer abominar as coisas que são contaminadas, seja elas quais forem, que tenha precisado do serviço do Filho de Deus para nos libertar dela. Ele deseja “a verdade no íntimo” (Sl 51:6), mas Ele deve trabalhar para produzi-la, para que possamos ter confiança diante d’Ele com um coração que não tem nada que nos condene.

J. A. Trench (adaptado)

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