Origem: Revista O Cristão – O Sangue de Cristo
O Sangue de Cristo
“Mas, vindo a Jesus, e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas. Contudo um dos soldados Lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água” (Jo 19:33-34).
Muitos de nossos hinos mais ricos, tanto no evangelho quanto na adoração, falam do sangue de Cristo. É uma meditação que vale a pena considerar – separadamente e em conjunto – os hinos, estrofes e expressões que exaltam o valor do Seu sangue derramado.
Alguns, quando estavam preocupados em saber se foram ou não salvos, encontraram paz ao citar em voz alta versículos da Escritura que falam do sangue de Cristo e da bênção que ele traz.
O único evangelho que registra o incidente do sangue derramado do Senhor é o de João. É João quem enfatiza o Senhor Jesus como uma Pessoa divina, o Filho eterno, o Verbo eterno que Se tornou carne. A glória essencial de Sua Pessoa é apresentada em João como em nenhum outro Evangelho. Portanto, quando lemos sobre o Seu sangue derramado, somos levados pelo Espírito de Deus a reconhecer que esse sangue não é como nenhum outro. De fato, é o sangue do próprio Filho de Deus (Atos 20:28).
Ao considerar esse vasto assunto, é útil ver como o sangue é apresentado nas diferentes epístolas. Como era de se esperar, o sangue de Cristo não é mencionado em certas epístolas, e isso também é instrutivo, pois sua ausência destaca o caráter desses livros. Mas aqui estão algumas referências, com alguns breves comentários, que, eu confio, elevarão em nossos pensamentos a grandeza da obra redentora de Cristo e a bênção que resulta do Seu sangue derramado.
Romanos
“Sendo justificados gratuitamente pela Sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. Ao Qual Deus propôs para propiciação pela fé no Seu sangue, para demonstrar a Sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; Para demonstração da Sua justiça neste tempo presente, para que Ele seja Justo e Justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3:24-26). “Logo muito mais agora, tendo sido justificados pelo Seu sangue, seremos por Ele salvos da ira” (Rm 5:9).
O principal assunto de Romanos é a justiça e responde à grande pergunta: “Como pode o homem ser justo para com Deus?” (Jó 9:2 – JND). A epístola fornece a resposta para a pergunta de Jó: somos justificados, absolvidos e limpos de toda acusação, por meio do poder (o valor intrínseco) do sangue de Cristo.
Os querubins no propiciatório, representando os justos caminhos de Deus em juízo, olhavam para o sangue aspergido, ilustrando assim a verdade de que Deus sempre já tinha em vista a morte de Seu Filho. Com base nessa obra propiciatória, Ele poderia justamente “passar por cima” ou “ignorar” (At 17:30 – JND) os pecados que foram cometidos antes da morte do Senhor e também poderia justificar os pecadores no presente momento. Fora isso, Deus teria sido injusto (uma impossibilidade) se não tratasse com o pecado quando ocorresse, mas o sangue derramado de Cristo mostra a todos que Deus era Justo e agia de forma consistente com Seu caráter – tanto antes quanto agora – ao justificar os ímpios.
A justificação é vista como sendo pela graça (cap. 3:24), pelo sangue (capítulo 5:9) e pela fé (cap. 5:1). A graça é a fonte, o sangue é a base e a fé é o meio. Como foi dito corretamente: “A fé se apropria do que a graça fornece”. Mas o sangue de Cristo é o fundamento sobre o qual a graça é fornecida. Sendo assim, não há lugar para as obras, apenas para a mão da fé se estendendo para receber o que Deus providenciou.
1 Coríntios
“Porventura o cálice de bênção, que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo?” (1 Co 10:16). “Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no Meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de Mim” (1 Co 11:25).
Enquanto Romanos descreve as grandes verdades do evangelho – a ruína do homem, a justiça de Deus e a redenção de Cristo – 1 Coríntios trata de assuntos pertinentes à assembleia local. Consequentemente, não encontramos o sangue mencionado em conexão com a revelação de bênçãos eternas e específicas que resultam da morte de Cristo, mas sim com o memorial dessa obra e nosso título para participar de Sua ceia à Sua mesa, que é central para a existência da assembleia local.
Sob a lei e a antiga aliança, dada a Moisés no Monte Sinai, as bênçãos do homem dependiam de ele cumprir a lei. Todos sabem o que se seguiu. O homem falhou miseravelmente, trazendo o juízo sobre si mesmo. O sangue derramado de Cristo é o sangue da nova aliança, e essa é a base sobre a qual o homem agora pode ser abençoado. Embora a nova aliança ainda não tenha sido formalmente feita com a casa de Israel e Judá (Jr 31:31), a base dela já foi estabelecida no sangue derramado de Cristo. Embora o Cristão não esteja sob nenhuma aliança, antiga ou nova (Rm 9:4), o caráter de sua bênção é o da nova aliança, que está de acordo com a graça, pois tudo depende da obra de outro, a saber, Cristo. Essa é a força da expressão “ministros de uma nova aliança” (2 Co 3:6 – ARA); era o caráter do ministério dos apóstolos em contraste com a lei.
É na assembleia que nos lembramos do Senhor, ao anunciar Sua morte, participando do pão e do cálice. É somente nesse contexto que lemos sobre o sangue de Cristo em ambas as epístolas aos coríntios. O sangue derramado de Cristo é o nosso título para estar na mesa do Senhor para participar desse único pão, expressando assim que somos membros do Seu corpo (que inclui todos os membros do único corpo).
Na ceia do Senhor, a ênfase está em lembrar d’Ele com os símbolos diante de nós de Sua obra consumada: Seu corpo entregue e Seu sangue derramado.
Efésios
“Em Quem temos a redenção pelo Seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da Sua graça” (Ef 1:7). “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto” (Ef 2:13).
A epístola aos efésios estabelece a grandeza das bênçãos do crente em Cristo, tanto individual quanto corporativamente. Escrita para uma assembleia composta por gentios, eles não tinham nenhuma proximidade externa ou relativa com Deus, como tinham os Judeus. É ”em Cristo” que eles conheceriam – como o crente de hoje conhece – todas as suas bênçãos, seja eleição, redenção, aceitação ou proximidade – não em Adão, na lei ou em si mesmos, mas em Cristo. O sangue de Cristo é o fundamento sobre o qual Deus perdoa o pecado, não de má vontade, se assim podemos falar, mas “segundo as riquezas da Sua graça”. De fato, é de acordo com a bondade de Seu próprio coração.
Colossenses
“Havendo por Ele feito a paz pelo sangue da Sua cruz, por meio d’Ele reconciliasse Consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na Terra, como as que estão nos céus” (Cl 1:20).
Enquanto a epístola aos efésios nos apresenta todo o escopo da bênção do crente em Cristo, Colossenses enfatiza a glória e a preeminência do Filho. Assim, enquanto em Efésios 1:7 a redenção é vista como sendo “pelo Seu sangue”, em Colossenses 1:14 essa expressão, de acordo com a epístola, não aparece – não porque não é verdadeira, mas porque o tema em Colossenses não é o meio de nossa redenção, mas a grandeza d’Aquele que a realizou, seja agora na bênção presente pelo Seu sangue ou nos próximos dias por Seu poder.
O fundamento pelo qual a Divindade fez a paz e, finalmente, reconciliará Consigo mesma tudo o que pode ser reconciliado – seja animado ou inanimado – é o sangue de Cristo. Aquilo que está “debaixo da terra” (seres infernais) não será reconciliado; tal será eternamente condenado.
Hebreus
“Nem por sangue de bodes e bezerros, mas por Seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção. Porque, se o sangue dos touros e bodes, e a cinza de uma novilha esparzida sobre os imundos, os santifica, quanto à purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno Se ofereceu a Si mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo?” (Hb 9:12-14). “Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que Ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela Sua carne” (Hb 10:19-20). “De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue da aliança com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?” (Hb 10:29).
Como era de se esperar, existem inúmeras referências ao sangue na epístola aos hebreus. É necessária alguma consciência do tabernáculo, das várias ofertas e da ordem do sacerdócio de Arão para que possamos tirar proveito dos contrastes entre o Judaísmo e o Cristianismo descritos nesta epístola.
O sangue de Cristo, uma vez oferecido, é contrastado com o sangue de touros e de bodes que jamais poderiam tirar o pecado. Em virtude de Seu sangue derramado, Cristo entrou no céu, tendo realizado a redenção eterna, em contraste com o sumo sacerdote que entrava no lugar santíssimo uma vez por ano, no dia da expiação (Lv 16:34).
Consequentemente, com o clamor do Senhor: “Está consumado”, o véu foi rasgado ao meio, de cima para baixo, permitindo que Deus saísse em plena manifestação e bênção para o homem e permitindo que o homem se aproximasse de Deus de uma maneira nova e viva – isto é, não nos rituais da tradição vã, mas na realidade da fé pessoal em uma obra consumada.
Na epístola aos hebreus, uma das grandes preocupações é que os Judeus que se afastaram do Judaísmo para abraçar o Cristianismo voltassem às antigas formas e cerimônias.
Em vista disso, o escritor mostra que voltar para a ordem Judaica de sacrifício e serviço era estimar o sangue de Cristo como “comum” e não diferente do sangue de sacrifícios de animais oferecidos sob a lei. Este é um erro grave que, por implicação, destruiria o fundamento de toda bênção. Somente o sangue de Cristo pode purificar a consciência. Além da morte e do sangue derramado de Cristo, não há outro sacrifício pelo pecado. Seu trabalho é suficiente; se for rejeitado, é um insulto aberto a Ele, o Filho de Deus, e o juízo eterno é o resultado terrível.
1 Pedro
“Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado” (1 Pe 1:18-19).
Pedro também escreve aos Judeus, mas apenas aos eleitos, os remidos. Ele contrasta o sangue de Cristo com a prata e o ouro usados como dinheiro da expiação, que eram empregados sob a lei de Moisés. A prata é figura da obra de Cristo na redenção; o ouro é figura da glória de Sua Pessoa. No entanto, era um cordeiro, como lemos em Êxodo 12 na ocasião da Páscoa, que era sem defeito e sem mancha. No bendito Senhor Jesus não havia pecado (natureza pecaminosa) e, portanto, Ele não pecou. É somente o sangue deste, o Cordeiro de Deus, que nos redime a Deus.
1 João e Apocalipse
“Mas, se andarmos na luz, como Ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1 Jo 1:7). “Aquele que nos amou, e em Seu sangue nos lavou dos nossos pecados” (Ap 1:5).
Do lado do Senhor Jesus, sangue e água fluíam: o sangue para nos purificar da culpa de nosso pecado e a água para nos purificar da contaminação de nosso pecado. O sangue é aplicado apenas uma vez, assim como a água quando vista como uma figura de um novo nascimento, pelo qual estamos totalmente limpos (A água, como figura da Palavra de Deus, é aplicada de maneira contínua como o agente de limpeza da contaminação moral que encontramos neste mundo – João 13).
Ao encerrar o livro, encontramos a maior prova de Seu amor e o impulso de nosso louvor: Ele nos lavou de nossos pecados em Seu próprio sangue. Todos os remidos se juntarão no cântico eterno: “Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o Teu sangue compraste [redimiste – JND] para Deus” (Ap 5:9).
