Origem: Revista O Cristão – Sangue e Água
Sangue e Água – O Que Eles Significam?
É um fato histórico registrado pelo apóstolo João (Jo 19:34) que um soldado com uma lança perfurou o lado do Cristo morto, “e logo saiu sangue e água”. Por causa da maneira solene que o apóstolo faz uma pausa para atestar esse fato como testemunha ocular (Jo 19:35), podemos naturalmente concluir que ele atribuiu alguma importância muito especial a isto, mesmo que nenhuma outra referência a isso tenha sido feita. No entanto não nos resta suposições, já que em sua primeira epístola ele retorna ao assunto e complementa o registro histórico de seu evangelho com instruções sobre o fato, “Este é Aquele que veio por água e sangue, isto é, Jesus Cristo; não só por água, mas por água e por sangue” (1 Jo 5:6). E ainda, em 1 João 5:8 ele fala do Espírito, da água e do sangue como sendo as três testemunhas do Filho de Deus. Assim, vemos que o sangue e a água estão conectados com a morte de Cristo e que, embora estejam conectados, são distintos.
A Culpa e Contaminação Moral
Falando em um sentido mais amplo, podemos dizer que eles se conectam com os dois grandes efeitos do pecado, a saber, sua culpa e seu poder contaminador. O sangue coloca diante de nós a morte de Cristo como expiação pelos nossos pecados, cancelando assim a nossa culpa e trazendo a nós o perdão judicial (1 Jo 1:7). “A água indica a mesma morte”, mas aquela “pela qual nosso estado pecaminoso foi tratado em julgamento e chegou a seu fim”, de modo a nos libertar da velha condição e associações de vida em que anteriormente vivíamos. Assim, somos purificados moralmente e o poder do pecado sobre nós é rompido.
A virtude e o poder do sangue de Cristo são colocados diante de nós em Hebreus 9 e 10. Nós encontramos lá que:
1. O sangue de Cristo expurga, ou purifica, a consciência do pecador das obras mortas para que ele sirva ao Deus vivo (Hb 9:14);
2. As transgressões são removidas dos santos da antiguidade, que tinham sido acumuladas durante séculos sob a primeira aliança, isto é, a lei (Hb 9:15);
3. Ele ratificou uma nova aliança, a aliança da graça (Hb 9:15-18);
4. Removeu os pecados do crente e estabeleceu a base para o aniquilamento do pecado em sua totalidade (Hb 9:22, 26);
5. Fez isso de maneira tão completa pela fé que, uma vez purificada, a consciência do crente é esclarecida para sempre no que diz respeito à questão judicial de seus pecados (Hb 10:2);
6. Por isso, dá ousadia para o crente entrar na própria presença de Deus (Hb 10:19);
7. Santificou (separou) de uma vez por todas o crente para Deus (Hb 10:10, 29).
Acesso a Deus
O grande assunto aqui é o acesso do crente a Deus em virtude do sangue de Cristo. Sua autorização judicial é perfeita por essa única oferta que nunca precisa ser repetida. Por isso, as expressões que caracterizam esses capítulos são “um” e “uma vez”, repetidas sete vezes.
Limpeza Judicial e Moral
Mas, embora a purificação judicial pelo sangue seja o grande tema desses capítulos, a necessidade de limpeza moral não é esquecida. Aproximamo-nos de Deus, não apenas “tendo o coração purificado da má consciência” mas também “o corpo lavado com água limpa” (Hb 10:22). Esta é, sem dúvida, uma alusão à consagração de Arão e de seus filhos ao ofício sacerdotal registrado em Êxodo 29. Eles foram lavados com água (Êx 29:4), bem como espargidos com sangue (Êx 29:20). Eles tinham a sombra, nós temos a substância, a morte de Cristo. Na própria natureza das coisas, essa limpeza moral feita pela água precisa ser mantida; a ideia de repetição é, portanto, apropriada aqui. Nós a encontramos se nos referirmos a figura. Arão e seus filhos foram banhados com água da cabeça aos pés em sua consagração, como vimos. Isto não se repetiu, mas uma pia foi providenciada (Êx 30:17-21), e ali os sacerdotes lavavam as mãos e os pés. As instruções eram mais explícitas: “Quando entrarem na tenda da congregação, lavar-se-ão com água, para que não morram”.
Lavado e Banhado
Quando nos voltamos da figura para o que ela representava na realidade, o mesmo pensamento aparece. No cenáculo em Jerusalém, provavelmente pouco antes de instituir Sua ceia, o Senhor Jesus Se cingiu e, derramando água em uma bacia, começou a lavar os pés de Seus discípulos (Jo 13). A relutância de Pedro nos revela a verdade de que tal lavagem é necessária para que a comunhão com o Senhor em Sua posição celestial seja desfrutada. “Se Eu te não lavar, não tens parte Comigo” (Jo 13: 8). Sua rápida mudança para uma pressa entusiasmada leva o Senhor a dizer: “Aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo” (Jo 13:10).
Aqui, as duas formas de limpeza feitas pela água são apresentadas na Escritura e cuidadosamente distinguidas. De uma vez por todas, fomos “lavados”. A morte de Cristo nos purificou da vida antiga, mas apesar disso precisamos da constante aplicação dessa morte em nossas almas, dia após dia, momento a momento. Não podemos nos aproximar do santuário nem desfrutar da nossa “parte com” Cristo sem essa limpeza. Com esses pensamentos diante de nós, talvez possamos retornar às palavras citadas no começo de 1 João 5 e ver uma maior profundidade de significado nelas.
Por Água e Sangue
Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio por água e sangue. Sua vinda foi caracterizada por estas duas coisas. O Espírito de Deus guarda este ponto de forma especial, dizendo: “não só por água, mas por água e por sangue”. Por que? Talvez uma das razões seja a de que sempre houve uma tendência a ensinar que Cristo veio apenas pela água – para purificar o homem moralmente, apresentando diante dele os mais elevados ideais e vivendo Ele mesmo aqueles ideais como um incentivo para os outros. Prevendo esse erro, o Espírito diz: “não só por água, mas por água e por sangue”. Não apenas pela purificação moral, mas também pela expiação pelo pecado. E é o Espírito que dá testemunho e “o Espírito é a verdade”.
As Três Testemunhas
E assim as três testemunhas, o Espírito, a água e o sangue, permanecem: o Espírito, a Testemunha viva, atuante e que nos fala; a água e o sangue duas testemunhas silenciosas, e todos os três concordam em um. Eles testificam que Aquele que veio assim é o Filho de Deus, a Fonte da vida eterna, e que n’Ele a vida eterna é nossa, os que creem no nome do Filho de Deus.
Mas se o sangue nos purifica de todo pecado, que necessidade há de água? É necessário porque os homens precisam ser limpos do amor ao pecado tanto quanto da condenação do pecado. Há uma grande necessidade da água, pois devemos odiar o pecado como Deus o odeia. Sermos totalmente lavados (assim como os sacerdotes no início) significa que, sendo feitos possuidores de uma nova vida, nós abominamos e abandonamos a vida antiga, visto que a morte de Cristo foi necessária para afastar tudo o que éramos. Sua morte foi a nossa morte. Além disso, neste mundo contaminador, precisamos da limpeza diária da qual a pia nos fala. Será que não há muito em nós pessoalmente que precise ser removido, para não falar das sutis influências deste mundo que frequentemente nos afetam insensivelmente? Todo Cristão com uma consciência sensível certamente concordará que existe.
Lavagem pela Água
Esta lavagem diária feita com água é obtida pela Palavra. A água e a Palavra são claramente conectadas em passagens como “para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela Palavra” (Ef 5:26). A Palavra de Deus traz para nossa alma a morte de Cristo em seu poder e riqueza de significado espiritual. O pecado em seu verdadeiro horror é revelado, e nossas afeições são limpas dessa forma. Podemos ignorar esse efeito purificador da Palavra de Deus, enquanto desejamos, talvez, um melhor conhecimento textual dela. Que possamos nos aprofundar muito na Palavra de Deus, pois nossas vidas e caminhos serão purificados por meio dela.
É somente quando pecamos que precisamos da água? Nós precisamos dela quando pecamos, mas mesmo longe dos pecados, por estarmos em um mundo de impureza, nós precisamos dela se adoramos, mantemos comunhão, ou servimos a Deus. Em Números 19 encontramos, em figura, a água como purificação do pecado, então, em Êxodo 30:17-21, em figura, temos a água removendo todas as impurezas terrenas para nos aproximarmos de Deus no santuário sem referência aos pecados. No Novo Testamento, João 13 está mais ligado ao último aspecto do que ao primeiro. Como somos dependentes não apenas do sangue, mas da água!
