Origem: Revista O Cristão – Nazireado
Sansão: A Serpente e o Leão
Juízes 14
Somente Cristo cumpriu plenamente Seu nazireado, uma separação moral absoluta para Deus, durante toda a Sua vida aqui embaixo. Esse ainda é o caso no céu, onde Ele permanece o verdadeiro nazireu – “separado dos pecadores” (Hb 7:26).
Cristo encontrou Satanás em dois caráteres: no deserto, como a serpente astuta e enganadora, e, no final de Seu percurso, como o leão que ruge e que despedaça e devora.
No deserto, o Senhor enfrentou as ciladas do inimigo com a Palavra de Deus e total dependência d’Ele, e obteve a vitória. No início de sua carreira, Sansão também encontrou a serpente, que procurou seduzi-lo por meio de uma das filhas dos filisteus. É dito duas vezes que “ela muito lhe agradou” (vs. 3, 7 – TB). A partir desse momento, ele teve a intenção de se unir a essa mulher que pertencia à raça dos opressores de Israel. O mesmo acontece com o indivíduo ou com a Igreja quando surge um conflito com o enganador. Satanás, que não tinha nada em Cristo (Jo 14:30), facilmente encontra uma resposta em nosso coração. Isso não significa necessariamente que nós vamos cair, pois a graça e a Palavra que nos revela essa graça são capazes de nos manter. Apesar das tendências de seu coração, Sansão, mantido pela graça providencial de Deus, nunca se casou com a filha dos filisteus.
Desobediência à Palavra
O desejo de Sansão mostrou que a Palavra de Deus não tinha o peso correto para ele. A Palavra era de fato explícita sobre este ponto: “nem contrairás matrimônio com os filhos dessas nações; não darás tuas filhas a seus filhos, pois elas fariam desviar teus filhos de Mim, para que servissem a outros deuses” (Dt 7:3-4 – ARA). Cristo, o Nazireu perfeito, reconheceu a autoridade absoluta da Escritura e Se alimentou de toda Palavra que procede da boca de Deus. A falta do peso correto da Palavra de Deus para Sansão fez com que ele entrasse por um caminho descendente que só poderia levá-lo à queda.
No entanto, Sansão não era desprovido de afeição por Jeová e Seu povo. Está escrito: “Mas seu pai e sua mãe não sabiam que isto vinha do SENHOR; pois buscava ocasião contra os filisteus” (v. 4). A dominação destes era odiosa para ele. Ele buscava uma oportunidade favorável para desferir o golpe que quebraria o jugo que pesava sobre os filhos de Israel. Mas Sansão não tinha olhos simples; ele trouxe um coração dividido para a obra. Tentando conciliar agradar aos próprios olhos com seu ódio contra o inimigo de seu povo, ele estava estendendo a mão esquerda para o mundo e, ao mesmo tempo, querendo combatê-lo com a direita. No entanto, Deus notou o que havia para Ele nesse coração dividido. “Isto vinha do Senhor” (v. 4), que podia usar até mesmo as fraquezas de Sansão para cumprir Seus propósitos de graça para com Seu povo.
Essa propensão de buscar no mundo o que “agrada aos olhos” levou Sansão a intermináveis dificuldades das quais apenas o poder de Deus poderia livrá-lo. Há muitos casos na Palavra nos quais um primeiro olhar voltado para o mundo envolve o crente em problemas irreparáveis.
Sansão estava em terreno escorregadio. Seus olhos estavam enamorados; ele desejava tomar essa mulher como esposa; pois a aliança com o mundo segue a concupiscência dos olhos. Então ele fez um banquete (v. 10), mas esse banquete teve um doloroso fim para ele.
O leão que ruge
Antes de prosseguir, vamos levar em consideração o que precedeu o banquete na história de Sansão. Já dissemos que Satanás não apenas se apresenta como uma serpente, mas também como um leão que ruge. Foi nesse caráter que o Senhor Jesus o encontrou no Getsêmani e na cruz. Nada é mais aterrorizante do que o rugido do leão. Satanás procurou amedrontar a alma santa de Cristo para fazê-lo abandonar o caminho divino que levava ao sacrifício. No poder do Espírito Santo e em perfeita dependência de Seu Pai, o Senhor resistiu a ele no jardim do Getsêmani. Na cruz, onde ele abriu a boca contra Cristo “como um leão que despedaça e que ruge” (Sl 22:13), o Senhor na “fraqueza de Deus” (1 Co 1:25) venceu o “valente” e, por meio da morte, aniquilou seu poder (Hb 2:14). Satanás se apresenta exatamente da mesma forma aos filhos de Deus. “O diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (1 Pe 5:8). Se ele não consegue nos enganar, ele tenta nos amedrontar.
Sansão foi então confrontado por um filho de leão, vindo contra ele do país dos filisteus, e aqui seu nazireado se manifestou em todo o seu poder, que é o do Espírito de Deus. “Então, o Espírito do SENHOR se apossou dele tão possantemente, que o fendeu de alto a baixo [despedaçou – TB], como quem fende [despedaça – TB] um cabrito, sem ter nada na sua mão” (v. 6). É assim que temos que agir ao encontrar Satanás. Não devemos poupá-lo nem um pouco, pois, se o fizermos, ele voltará ao ataque. Devemos, em nossa luta, despedaçá-lo como despedaçaríamos um cabrito. Ele não pode fazer nada conosco enquanto resistirmos a ele sem medo (veja Tiago 4:7; 1 Pedro 5:9); pois Jesus já o venceu por nós na cruz.
Compartilhando doçura pela vitória
Mais tarde, Sansão, passando pelo mesmo caminho, virou-se para o lado para ver o corpo do leão morto e encontrou nele “um enxame de abelhas com mel” (v. 8). Ele comeu um pouco enquanto andava e deu um pouco aos pais. Como fruto da vitória de Cristo na cruz, todas as bênçãos celestiais foram colocadas em nossas mãos. Se obtivermos uma vitória sobre ele, nossa alma se encherá de força e doçura. Seremos capazes de compartilhar com outros o que recebemos; mas, como Sansão, que comeu enquanto caminhava, nossa própria alma terá sido alimentada primeiro. Nunca tratemos Satanás como um amigo; se o fizermos, sairemos de tal encontro derrotados e enfraquecidos.
Os segredos de Sansão
A vitória de Sansão sobre o leão de Timna não foi apenas uma prova de força; era um segredo entre ele e Deus. Quando seus olhos foram atraídos para a filha dos filisteus, ele contou isso a seus pais: a respeito de sua vitória ele não contou a ninguém. A vida de Sansão era repleta de segredos e, ao mesmo tempo, de atos de poder. Até mesmo seu nazireado era um segredo, um elo, desconhecido dos outros, entre sua própria alma e Jeová. Esse elo para nós é a comunhão. Encontramos quatro segredos nesse capítulo. Sansão não havia divulgado suas intenções a seus pais, nem a parte que Jeová tinha nessas coisas (v. 4); ele não lhes havia contado sobre sua vitória (v. 6), nem o lugar de onde havia adquirido o mel (v. 9), nem seu enigma (v. 16). Tudo isso, mantido continuamente entre sua alma e Deus, era para ele o único meio de seguir um caminho de bênção no meio deste mundo.
Perda da comunhão
Voltemos ao banquete de Sansão. Ele propôs seu enigma aos filisteus, mas o inimigo conseguiu roubar dele o que ele havia escondido com tanto cuidado. O mundo tem um efeito traiçoeiro sobre nós, levando à perda de nossa comunhão com Deus. Se nosso coração, como o de Sansão, de alguma forma se apegar ao que o mundo pode nos apresentar, não demorará muito para perdermos nossa comunhão. A ausência de comunhão não implica, a princípio, perda de força; é, no entanto, o caminho que leva a ela. Enquanto o nazireado existir, mesmo exteriormente, não faltará força, como Sansão provou aos filisteus na questão das trinta mudas de vestes. Mas esse homem de Deus teve muita paz e alegria durante os dias da festa? Pelo contrário, foi uma luta com lágrimas, preocupação e pressão (v. 17). Ele foi traído pela própria mulher de sua escolha. Sansão nunca teria pensado que seus trinta companheiros, ajudados por sua esposa, colocariam armadilhas para saqueá-lo, pois as trinta mudas de roupas por direito pertenciam a ele. Satanás pode nos separar da comunhão com o Senhor, pode nos tornar infelizes; ele também pode impedir que sejamos testemunhas aqui embaixo, mas graças a Deus, ele não pode nos arrancar da mão de Cristo.
A graça de Deus preservou Sansão das consequências finais de seu erro e o livrou de uma aliança que Deus não podia aprovar. Tendo vindo sobre ele o Espírito de Jeová, ele realizou obras poderosas. “Acendeu-se a sua ira” (v. 19). Sansão era um homem de um caráter muito egoísta e foi guiado em sua ação pelo senso do mal que lhe havia sido feito. Apesar disso, ele foi vitorioso sobre os inimigos do Senhor e não guardou para si nenhum dos seus despojos; estes voltaram ao mundo, de onde haviam sido tomados. Então ele deixou a cena de tanta infelicidade e “subiu à casa de seu pai” (v. 19), que ele nunca deveria ter deixado para ir para o meio dos filisteus. Que possamos tirar proveito dessa lição; e se, em nossa interação com o mundo, passamos por experiências dolorosas, apressemo-nos a retornar à casa do Pai. A comunhão com Cristo é a fonte da nossa paz e felicidade em todo o nosso caminho de peregrinação, até que chegue o momento em que entraremos para sempre naquela casa – nossa morada eterna!