Origem: Revista O Cristão – Graça e Governo

Semeando e Colhendo

Qualquer que seja o poder onipotente da graça de Deus, precisamos ser lembrados de que Ele sempre mantém Seus princípios morais. Seja qual for o amor e a misericórdia de Deus ao abraçar uma alma, Ele nunca deixa essa alma em seu mal nem trata levianamente com a impiedade. Contudo, a verdade abençoada do evangelho é que Deus é por nós, embora contra nosso mal. Assim, em Seu amor, Ele mantém Sua autoridade em nossa alma, Seu ódio ao pecado e Seu deleite no que é bom. Ele Se ocupa em produzir o reflexo de Sua própria santidade em cada alma que Ele liberta do julgamento vindouro. Porque Deus é verdadeiro, Ele continua o trabalho vigilante de Seu amor em moldar nossa alma à imagem de Cristo enquanto passamos pelo deserto.

Os imutáveis princípios morais de Deus 

É importante para nós trazer nossa alma continuamente a este padrão. É impossível superestimar a importância da graça e nosso conhecimento dela, mas quanto mais a valorizamos, mais nos preocupamos em não sacrificar os princípios morais de Deus por causa da graça que Ele nos mostrou. É em vista disso que encontramos as seguintes palavras no final da epístola aos gálatas: “Não erreis: Deus não Se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito do Espírito ceifará a vida eterna. E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido. Então, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, mas principalmente aos domésticos [família – ARA] da fé” (Gl 6:7-10).

Se não estamos fundamentados na graça, podemos achar esses versículos um pouco surpreendentes. Se retirados de seu contexto, podem parecer à primeira vista apoiar o pensamento de que nossa salvação depende de nossa caminhada. É claro em outras Escrituras que esse pensamento é totalmente falso e que o único fundamento sobre o qual podemos estar é Cristo. Esse fundamento não é a obra do Espírito em nós, mas a obra de Cristo por nós. Está inteiramente fora de nós mesmos. Mas há uma obra do Espírito em nós – uma obra constante e séria. Praticamente ela pode ser interrompida ou mesmo eclipsada de tempos em tempos, mas Deus nunca permite que Seu filho escape do governo e disciplina de Seu coração e mão, de modo a produzir uma conformidade moral com Sua própria vontade. Ele não nos trataria como filhos se nos deixasse escapar disso.

Uma colheita mista do bem e do mal 

Este princípio é universalmente verdadeiro, seja do incrédulo ou do crente: “Tudo o que o homem semear, isso também ceifará”. O incrédulo semeia para nada além de si mesmo e colhe o julgamento de Deus sobre si mesmo, onde não há uma única coisa boa que permaneça diante de Deus. Mas e quanto aos crentes? É aí que entra a dificuldade, porque o crente tem uma colheita mista entre o bem e o mal. Satanás se aproveita do mal não julgado de nosso coração para nos levar ao pecado. Pode não ser sempre um pecado grosseiro, mas o mal rebelde de nossa natureza que prefere uma pequena gratificação presente do ego, em vez da obediência e glória de Cristo. O que Deus faz? Naquilo a que nos entregamos em tolerância própria, Deus lida conosco nessa mesma coisa. Sofremos naquilo em que nos agradamos, e a mesma coisa da qual nos poupamos de julgar, isso mesmo se torna a vara de nossa correção. Sejamos gratos por isso, pois temos a certeza de que somos realmente filhos de Deus.

Se não fosse assim, quais seriam as consequências? Eu teria que sofrer no inferno por isso. O que é contrário a Deus deve ser julgado. Se Deus não conduzisse Sua disciplina em minha alma agora, ela teria que ser julgada no inferno. “Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (1 Co 11:32). O mundo sentirá o julgamento de Deus num dia vindouro, mas o crente sente Sua mão castigando agora. Não importa o que seja – posso pensar que seja apenas um pequeno pecado – é impossível que Deus possa ter comunhão com aquilo que não é de Cristo. Que misericórdia que agora é o tempo quando Deus lida com o que não flui do Seu Espírito! Pode ter que se manifestar mais tarde no tribunal de Cristo, mas agora é a hora em que a vara está sobre nós. Se, no momento, parece que Deus não está levando em conta nossos caminhos, Ele está apenas esperando para lidar conosco de uma maneira mais eficaz.

As relações de Deus com nosso estado prático 

Não pensemos que nosso Pai é duro. Pode alguma coisa muito dura vir de tal Deus – Aquele que deu Seu próprio Filho para morrer para que pudéssemos ser redimidos? Sabemos que somos filhos de Deus para sempre e nada pode alterar essa preciosa verdade. Mas quanto ao lidar de Deus com nossa alma neste tempo presente, muito depende de nosso estado e conduta prática. É impossível que Deus possa sancionar o que é contrário a Cristo e devemos agradecê-Lo por isso. Faz parte do plano de Sua perfeita bondade para conosco.

Assim, vemos que graça e governo são verdades paralelas, e uma não exclui a outra. Graças a Deus, Sua graça nunca muda, seja salvando, mantendo ou restaurando a nós. Mas um senso daquela graça em nossa alma nos fará abominar o mal que Deus abomina. O contraste entre essa graça e o que era em nós que despertou essa graça nos atrairá para Deus e toda a Sua bondade. Se falharmos nisso (e a tendência está em cada um de nós, em maior ou menor grau), Deus trata conosco em Seu governo.

Que o nosso desejo seja que Cristo seja formado em nós em tudo, não apenas para que tenhamos vida eterna, mas que nosso coração esteja de acordo com o coração d’Ele. Isto é o que Deus tem diante d’Ele, e deveria ser o objetivo de nossas almas. E de acordo com isso “não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido”.

J. N. Darby (adaptado)

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