Origem: Revista O Cristão – A Verdade e o Erro

Tolerância

Hoje vivemos num mundo que de muitas formas se vangloria de sua tolerância. Enquanto alguns do mundo continuam tendo uma atitude preconceituosa em relação a questões sobre etnia, cultura, cor e religião, muitos do mundo, especialmente aqueles que se denominam “o ocidente”, se orgulham de sua tolerância e diversidade. Nos últimos anos, essa tolerância tem se estendido à inclusão e aceitação de diferentes pontos de vista morais, como a homossexualidade e a promiscuidade sexual, pontos de vista que há poucos anos eram vistos como inaceitáveis. Os Cristãos têm sido colocados em crescente desafios em sua vida Cristã por diversos pontos de vista divergentes, especialmente sobre a moralidade, e tem sido cada vez mais difícil manter um padrão moral absoluto. Em alguns casos, aqueles que têm falado contra alguns destes pontos de vista, denominados de “tolerantes”, têm sido acusados de “discurso de ódio”.

Intolerância 

Paradoxalmente, entretanto, o homem moderno tem, de modo crescente, se tornado intolerante contra qualquer coisa que interfira em suas ambições ou estilo de vida. Isso é evidenciado por tiroteios, até mesmo chacinas, nos últimos anos, bem como por incidentes em corridas de carros (rachas) e outros atos de violência que claramente têm aumentado. Isto traz a tona a questão da tolerância à luz da Palavra de Deus e como o crente deve ver este assunto.

Podemos começar com a definição da palavra “tolerância”. A palavra pode ser descrita como: “a habilidade ou desejo de suportar algo, especialmente a existência de opiniões e comportamentos que talvez não se concorde”. Isso pode ser normalmente entendido como sendo algo bom, até mesmo para os Cristãos, mas primeiramente devemos nos lembrar que existem dois tipos de tolerância.

Tolerância de julgamento e de respeito 

Em primeiro lugar existe a tolerância de julgamento, que é quando toleramos atitudes, credos e comportamentos de outros, mas com uma posição mental de estarmos mais corretos nas escolhas e valores que respectivamente temos e adotamos. Suportamos o que os outros pensam e fazem, mas com o sentimento definido de que seus caminhos são menos corretos do que aqueles que acreditamos, ou talvez completamente errados. Também existe a tolerância do respeito, quando nossas atitudes devem ser de apreciação em respeito às diferenças que vemos em outros. Nesta situação, não vemos alguém em posição de estar mais certo ou mais errado (não se tratando de assuntos morais), ao invés disso, nós sustentamos o que pode ser chamado de imparcialidade nas diferenças.

Respeito 

Primeiramente iremos considerar a tolerância do respeito. Durante os primeiros momentos do ministério do Senhor Jesus, Ele jamais julgou os homens unicamente com base em sua cultura, antecedentes, ocupações, ou em qualquer outro aspecto que seja relacionado com as coisas desta vida. Todos eram bem recebidos para estar com Ele, e Ele se deu a todos livremente. É verdade que todos aqueles que vieram, tiveram que se aproximar com uma atitude correta, a mulher sirofenícia não pôde reivindicar nada a Ele como sendo o Filho de Davi. Ela teve que se aproximar como uma gentia, admitindo sua posição. Mas logo quando ela admitiu isso, houve a mais completa benção para ela. Da mesma forma, os apóstolos e os primeiros Cristãos não exibiam nenhuma forma de intolerância com base na cultura, etnia ou antecedentes. O evangelho era livre para todos e pregado a todos. Não há nenhuma evidência que indique que eles tentaram mudar a cultura e os comportamentos daqueles para quem eles pregavam (Falaremos sobre este assunto mais tarde, e as práticas culturais que eram moralmente erradas e contrárias à vontade de Deus).

Discriminação 

Da mesma forma, os Cristãos hoje em dia deveriam exercitar a tolerância do respeito e não discriminar coisas que não envolvem questões morais ou sobre a verdade, porque lemos que “Deus […] de um só fez toda a geração dos homens […] para que buscassem ao Senhor” (At 17:26-27). Deus está formando sua Igreja com pessoas de todas as nações, raças e antecedentes, e esses tipos de diferenças devem ser respeitados e aceitos, e não julgados. Somos todos produtos de nossa nacionalidade e cultura, e naturalmente tendemos a pensar que nossa forma de fazer as coisas é a melhor. Essa atitude pode se estender para nossa própria língua. É triste dizer, esse tipo de consideração tem frequentemente levado Cristãos a se dividirem em bases raciais, culturais e em linhas nacionais, em detrimento daquela unidade do Espírito na qual somos exortados a manter “pelo vínculo da paz” (Ef 4:3). Por exemplo, em pelo menos dois países que eu visitei, é perfeitamente aceito que qualquer pessoa, de qualquer idade, pergunte a idade que o outro tem. Pode até mesmo ser a primeira pergunta que será feita a você quando for apresentado a alguém. Este tipo de pergunta poderia ser considerada rude e até mesmo de pessoas sem modos na maioria dos países ocidentais. Os Cristãos devem ser conhecidos, por todas as pessoas deste mundo, por serem tolerantes nestas áreas, também por seu respeito e aceitação nas questões culturais, étnicas, e diferenças nacionais. Já que somos cidadãos celestiais, deveríamos pensar sobre nós mesmos desta forma. Não deveríamos nos identificar primeiramente com uma cultura terrena ou com uma nação na qual nos encontramos, mas como parte da Igreja e como alguém na qual sua lealdade é celestial, não terrenal.

Da mesma forma, essa tolerância deveria ser estendida para as diferentes personalidades, qualidades, dons e habilidades, pois Paulo pôde dizer: “Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu [dom, qualidade], senão também cada qual o que é dos outros” (Fp 2:4). Muitos problemas que afligem os santos de Deus têm sua raiz nos conflitos de personalidades, diferenças entre ricos e pobres, diferentes aptidões e graus de educação, bem como estilos de vida diferentes. Porém, Deus traz diferentes tipos de pessoas para dentro de Sua Igreja, e então nos dá um objeto em Cristo que transcende todas as diferenças, e nos capacita a andarmos juntos com objetivos e desejos comuns. Existe mais em Cristo para nos atrair e unir do que todas essas diferenças que nos dividem.

A tolerância de Deus 

Deus também suporta o mal no mundo e neste sentido exercita a tolerância de julgamento. No entanto, nós hesitamos em usar a palavra “tolerante” em referência a Deus, para que não seja dada uma má impressão. Deus não tem uma posição liberal ou permissiva em relação ao mal, como alguns podem dizer hoje em dia. Nós lemos no Salmo 7:11 (TB): “Deus é um juiz justo, Um Deus que sente indignação todos os dias”. Sua natureza santa abomina o pecado, e enquanto Ele pode exercitar a paciência e longanimidade para com este mundo, Seu julgamento do pecado continua o mesmo. Este mundo se acostumou com o pecado, mas Deus jamais se acostuma.

Julgamento 

Já que Deus é longânimo em relação a este mundo, assim deve ser o crente. Há um lugar para a tolerância do julgamento no Cristão e, às vezes, para a intolerância direta. É muito importante que o crente não caia na atitude normal do mundo quando questões morais vitais estão em jogo. É importante notar, no entanto, que a tolerância, ou a falta dela, no crente é baseada nos padrões de Deus revelados em Sua Palavra, não em suas próprias ideias ou preferências. Além disso, quando o crente exerce a tolerância do julgamento, ele reconhece que, se Deus suporta o mal por um momento, sua paciência com o mal do homem não continuará indefinidamente.

Essa é a tolerância do julgamento, um julgamento formado com base nos conceitos absolutos da divindade e dado a nós pela revelação divina. Estamos no tempo da graça de Deus, e Deus está alcançando pecadores perdidos para salvá-los, mas haverá um dia de julgamento. De acordo com isso, a tolerância do crente ao mal, hoje, não significa que ele seja indiferente a esse mal ou se torne menos preocupado com isso. Somos informados em Efésios 4:26: “Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira”. (Isto é, não permita que a exposição constante ao mal diminua sua sensibilidade moral a ele, de acordo com a estimativa de Deus sobre isso). Nossa sensibilidade ao pecado deve ser sempre a mesma que a de Deus sobre o pecado. Isso é muito diferente de ter uma tolerância de respeito com relação ao mal, onde alguns podem não concordar com isso, mas ainda assim considerá-lo uma variante a ser pelo menos reconhecida e aceita. Isso é errado. Uma atitude de respeito ao mal nega essencialmente a existência de um padrão absoluto e faz com que o bem e o mal sejam ideias relativas. [Nós já consideramos este assunto em um artigo de uma edição anterior desta revista; ver O Cristão, Junho de 2014].

Cultura 

Já observamos que na Igreja primitiva, os apóstolos não tentaram mudar a cultura. Contudo, se as práticas de uma determinada cultura ou grupo étnico contradizem as reivindicações de Deus, então todas devem ser julgadas à luz do padrão de Deus. Assim, Paulo poderia repetir a Tito as observações de um profeta cretense a respeito de seu próprio povo, escrito mais de 500 anos antes. O profeta usou uma linguagem muito forte e negativa (Tt 1:12), e Paulo afirma que essas observações eram verdadeiras. Consequentemente, foi dito a Tito que os repreendesse severamente se tal comportamento ocorresse, “para que sejam sãos na fé” (Tt 1:13). O caráter nacional e cultural não poderia ser usado como desculpa para um estilo de vida pecaminoso.

Assim, em um mundo de pecado, existem dois perigos. Um é de nos tornarmos endurecidos e deixarmos de ver o pecado com o mesmo horror que Deus o vê, e o outro é o de esquecermos que estamos vivendo nos dias da Graça de Deus e por isso começarmos a nos levantar para trazer julgamento contra o pecado. O crente deve evitar ambas as armadilhas.

O mundo e o lar 

No entanto, haverá necessariamente uma diferença entre o que o crente suporta no mundo em geral e o que ele permite em sua própria casa ou na assembleia Cristã local. Nós lemos em Salmos 93:5 – “A santidade convém à tua casa, SENHOR, para sempre”. A assembleia Cristã deve ser “coluna e baluarte da verdade” (1 Tm 3:15), pois é o lugar onde o próprio Senhor está no meio (Mt 18:20). Assim, a santidade deve ser mantida onde os crentes se reúnem, de acordo com a presença e autoridade do Senhor.

Da mesma forma, o lar Cristão deve ser um lugar onde o mal do mundo exterior deve ser excluído. Um pai deve educar seus filhos “na disciplina e na admoestação do Senhor” (Ef 6:4). Além disso, João pôde exortar a mulher eleita a não receber em sua casa aqueles que ensinavam má doutrina a respeito da Pessoa de Cristo (2 Jo 1:10). Um crente e sua casa estavam intimamente ligados, por isso Paulo e Silas puderam dizer ao carcereiro filipense: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa” (At 16:31). O que deve caracterizar o crente individualmente deve também caracterizar sua casa.

Santidade no lar 

À medida que o mundo cresce cada vez mais em sua perversidade nestes últimos dias, ele passa a ter um efeito cada vez maior sobre o Cristão, e assim se torna mais e mais difícil manter a santidade nas assembleias e nos lares Cristãos. Da mesma forma, a prevalência de entidades como a televisão, a internet e outros tipos de mídia social, tendem a trazer o mundo para dentro de nossa casa e nos levar para o mundo. É preciso muito cuidado para sermos encontrados “renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas”, e “vivamos neste presente século sóbria, justa e piamente” (Tt 2:12). Mas Deus dá a graça em quaisquer circunstâncias em que nos encontramos, se O pedirmos. Ele nos capacitará a preservar “todo o vosso espírito, e alma, e corpo […] irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”, pois “Fiel é o que vos chama, o qual também o fará” (1 Ts 5:23-24).

W. J. Prost

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