Origem: Revista O Cristão – Vales
O Vale de Baca
No Salmo 84:5, lemos estas palavras: “Bem-aventurado o homem cuja força está em Ti, em cujo coração estão os caminhos aplanados”. O grande segredo da força nos caminhos de Deus é a plena certeza do Seu amor. Essa é o poder de Deus na alma, pois o que mais poderia fazer o peregrino cansado cantar em seu caminho solitário? Essa é, na verdade, a maneira pela qual a cruz é encontrada, mas é a maneira de Deus, e o coração encontra poder nela.
No versículo seguinte, lemos sobre aqueles que “passando pelo vale de Baca, faz dele uma fonte” (Sl 84:6). A palavra “Baca” significa “choro”, e nosso coração natural dificilmente pensaria nessa situação como sendo um poço de refrigério. Mas somente Deus é o poder do coração de Seu povo, do princípio ao fim. Este é o escudo do Cristão – confiança inabalável, apesar de tudo, no amor imutável de Deus, seu Pai. Questionar o amor de Deus na provação é largar esse escudo e expor seu coração aos dardos inflamados do diabo. No entanto, a fé sempre justificará a Deus e Sua verdade, por mais pesado ou extenso que seja o golpe. Ela descansará calmamente na verdade de que o amor do Pai é o mesmo – o mesmo de quando Ele deu Seu amado Filho para morrer no Calvário. Diante dessa fé, todos os inimigos e tentações são impotentes.
O grande objetivo do inimigo sempre é enfraquecer a confiança do crente na bondade de Deus. O caminho para a casa do Pai nos conduz para fora do mundo, portanto, deve sempre ser um caminho de provação e dificuldade. Quando estamos na casa, como diz o salmista, só temos louvores, mas quando estamos a caminho, podemos ter um grande conflito. Portanto, quando agora percebemos, no poder do Espírito, nossa unidade com Cristo na presença de Deus, podemos apenas nos prostrar e adorar, mas, ao enfrentar as dificuldades práticas da vida, podemos ter muito o que confessar e orar.
Lágrimas que formam uma fonte
Agora, podemos dizer, o crente entra no vale de Baca, o lugar, não apenas de provação, mas de lágrimas. Ele é levado a um profundo exercício da alma diante de Deus onde o “eu” é julgado. Esse é o vale de Baca do jovem Cristão. “É o exercício da alma, e não a provação, que o torna uma fonte – que cava os tanques”. Ele descobre que o desejo de viver para a glória de Deus pode transformar esta Terra em um vale de lágrimas – um lugar de humilhação e tristeza. Mas se houver uma fé simples em Deus, a parte mais sombria do deserto pode se tornar um campo frutífero. Mas, por outro lado, se ele ficar sob o poder de suas circunstâncias, suas lágrimas serão ainda mais amargas e mais abundantes. Mas nosso Deus nos fará confiar apenas em Seu amor e aprender o que Ele é para nós, por mais doloroso que seja o processo.
“O qual, passando pelo vale de Baca, faz dele uma fonte; a chuva também enche os tanques”. Este é o caminho de Deus para fora do mundo e, portanto, uma prova da natureza. O grande sistema moral de Satanás no mundo deve ser enfrentado, e isso não é fácil. Em muitos casos o gozo da conversão mal tem sido experimentado antes que a dor da separação do mundo, em algumas de suas mais ternas associações, precise ser experimentada. E quantas vezes a infidelidade a esse respeito impede a boa obra de Deus na alma e estraga suas mais doces alegrias! Mas o ídolo do coração deve ser abandonado, e o coração, sem reservas, dado a Cristo. Assim, todos têm um vale de Baca para atravessar, é o caminho para Sião. Até o mais espiritual e dedicado do povo do Senhor deve ter os exercícios do vale.
Um espinho na carne
O espinho na carne de Paulo era verdadeiramente algo humilhante para o grande apóstolo. Isso é evidente pelo que ele diz aos gálatas: “E não rejeitastes, nem desprezastes isso que era uma tentação na minha carne” (Gl 4:14). Foi algo que o tornou desprezível como pregador. Três vezes ele orou para que o espinho fosse removido. “Acerca do qual três vezes orei ao Senhor, para que se desviasse de mim” (2 Co 12:7-8).
Paulo poderia ter se gabado de ter estado no terceiro céu e de que ninguém jamais esteve lá, a não ser ele. Mas o Senhor, com grande misericórdia de Seu querido servo, enfrentou este perigo o humilhando.
O vale da humilhação e tristeza tornou-se o lugar de bênção para o apóstolo: “E disse-me: A Minha graça te basta, porque o Meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12:9). Ele se gloriou naquilo que foi tão doloroso e humilhante para ele. “De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo” (2 Co 12:9). Assim ele descansou no amor que havia ordenado tudo para ele. Ele considerou que o vale era um poço de rica bênção, a chuva do céu encheu os poços. Nossa bênção vem daquilo que nos humilha, e nos ensina que dificuldades e impossibilidades nada são para o Senhor.
A casa em Betânia
Aconteceu o mesmo com as irmãs de Betânia. Em sua profunda aflição, contavam com o amor e a compaixão do Senhor, elas O chamam e dizem: “Senhor, eis que está enfermo aquele que Tu amas” (Jo 11:3). Mas, em vez de responder à oração rapidamente, Ele parece preferir Se afastar delas. Tais atrasos são um grande teste de fé e paciência. Mas Ele as estava ensinando a esperar Seu tempo, e somente n’Ele. Não podemos apressá-Lo. “Ouvindo, pois, que estava enfermo, ficou ainda dois dias no lugar onde estava. Depois disso, disse aos Seus discípulos: Vamos outra vez para a Judéia” (Jo 11:6-7). As irmãs estavam passando por águas profundas, era de fato um vale de lágrimas, mas o Senhor não pode mudar. Bendita verdade para o coração triste! Mas os sentimentos delas se elevaram acima de sua fé, e o coração delas desabou diante das circunstâncias. Por isso, elas estavam dispostas a culpar o Senhor por não ter vindo quando O chamaram. Marta e Maria disseram: “Senhor, se Tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (vs. 21, 32).
Mas coisas maiores do que curar os doentes estavam agora preenchendo Sua mente e a cena diante d’Ele. Ele poderia ter dito a palavra, como em outras ocasiões, e Lázaro teria sido curado, mas não, Ele agiu “para glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela” (v. 4). E quando chegou a hora certa, Ele tomou Seu lugar na cena da morte, no poder e na glória da ressurreição. Lázaro estava morto, Israel está morto, o homem está morto e as irmãs estavam enlutadas e desoladas. Mas o Senhor é o mesmo para todas as necessidades. Toda a cena estava cheia de Sua glória. A tumba rompendo-se, Lázaro ressuscitando, irradiavam Sua glória como o Filho de Deus. Por aquela voz, “Lázaro, sai para fora”, as profundas cavernas da sepultura foram rompidas, e o pó adormecido acordou. Que testemunho para os judeus incrédulos! Que repreensão à descrença de Marta e Maria – à descrença de todos nós em tempos da aflição! Ele concede vida, ressuscita o morto, glorifica a Deus e mistura Suas lágrimas com os entristecidos. O imenso poder de Deus e as mais ternas afeições humanas são perfeitamente manifestadas nesta cena maravilhosa. Oh! Que satisfação de toda a necessidade do coração, que enche os tanques, que chuva de bênçãos vindas do alto é provida a todos os peregrinos, em todas as idades, quando viajam por todas as partes deste vale de lágrimas.