Origem: Revista O Cristão – Vida Eterna

A Vida Eterna

É dito que a vida eterna está no Filho, e não em nós, assim como falaríamos que a água está no reservatório, e não nos canos ou cisternas que ela abastece e através dos quais a água é levada até às casas onde ela é apreciada. Do mesmo modo, falamos da vida como estando na planta ou na árvore, não no galho ou na folha, embora eles estejam vivos em virtude de sua ligação com a árvore. Mas a vida é mencionada como estando em nós (2 Co 4:10-12). A vida eterna é vista como o Verbo, o próprio Filho. “N’Ele estava a vida”, “a vida eterna, que estava com o Pai e nos foi manifestada”. Ela possui qualidades e características próprias: era a luz dos homens resplandecendo nas trevas e não foi compreendida por eles porque eles eram trevas. Foi vista, ouvida, contemplada e tocada, porque foi manifestada em carne. Tudo isso é algo objetivo, pois somos muito propensos a olhar de modo subjetivo para a vida comunicada a nós e a examiná-la em seus detalhes em nós, em vez de fixar nossos olhos nela em sua fonte (ou origem) e exibição, no Filho de Deus.

Dois perigos opostos estão diante de nós: de um lado, o de fazer da vida eterna, que todos os Cristãos possuem, uma questão de conquista, e, do outro, atribuir aos santos do Velho Testamento, ou às almas recém-vivificadas e que estão sob o convencimento do pecado ou sob a lei, essa vida eterna, que é a porção própria do Cristão como tal, a revelação completa do Pai e do Filho sendo conhecida e crida.

Vivificação 

Uma alma meramente convencida, na qual o Espírito de Deus operou, onde existe um verdadeiro senso do pecado e desejo por Cristo, é realmente vivificada, pois a dor é evidência de vida, e esses sentimentos são segundo Deus e produzidos pelo efeito da Palavra de Deus na alma. Isso vemos em Atos 2, onde a recepção da Palavra pregada fez aqueles que a receberam clamarem: “Que faremos, varões irmãos?” Eles creram na verdade falada a respeito de Cristo e de si mesmos, mas não conheciam o valor de Sua morte para eles ou como algo aplicável à culpa que sentiam. E é isso que o apóstolo Pedro lhes apresenta a seguir. Vemos a mesma obra do Espírito no próprio apóstolo, quando ele cai aos joelhos de Jesus, dizendo: “Senhor, ausenta-Te de mim, por que sou um homem pecador”. Havia atração por Cristo de um lado, e a consciência de sua própria inidoneidade e indignidade do outro. Por isso, em muitos casos nos dias atuais (e ainda mais antes de o perdão dos pecados ser tão pregado como é hoje), encontramos almas que sentem o que é o pecado e olham para Cristo como um mediador entre Deus e elas, mas não têm conhecimento de Sua obra absolvendo-as diante de Deus. Elas O reconhecem como Filho do Homem, e até mesmo como um divino Salvador, mas não como o Filho que revela o Pai, e ainda têm medo de Deus, a Quem consideram à distância e não O conhecem como Pai. Eles são como os israelitas no Egito, antes de cruzarem o Mar Vermelho e verem todos os seus inimigos mortos à beira-mar, sendo conduzidos como por terra seca pelas mãos do próprio Deus. As almas podem, assim como eles, conhecer algo do valor do sangue e ainda olhar para Deus como Juiz, e a morte e o poder de Satanás ainda são temidos. O efeito da ressurreição de Cristo não é conhecido, nem Deus é conhecido como Pai, nem consequentemente a vida eterna, embora exista na alma fé, arrependimento e vida, segundo a medida em que a verdade foi apreendida.

Filiação 

Mas na Escritura a vida eterna é colocada no conhecimento do Pai por meio do Filho e da obra de Cristo em seu caráter completo e perfeito. “E a vida eterna é esta: que conheçam a Ti, o único Deus verdadeiro [o Pai], e a Jesus Cristo, a Quem enviaste” (Jo 17:3 – ARA). Cristo é levantado na cruz como Filho do Homem, a fim de que “todo aquele que n’Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3:16), e quem come a Sua carne e bebe o Seu sangue tem a vida eterna, ambas as passagens mostrando que o adequado conhecimento ou apreciação da eficácia expiatória da obra de Cristo dá a vida eterna e, assim, ensinando que a posse dela é o estado normal de todo crente. Então, os bebês[1] em Cristo conhecem o Pai, e isso só pode ser por meio do Filho, que revela o Pai, e “a vontade d’Aquele que Me enviou é esta: que todo aquele que vê o Filho e crê n’Ele tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último Dia” (Jo 6:40). Novamente: “quem ouve a Minha palavra e crê n’Aquele que Me enviou [o Pai] tem a vida eterna” (Jo 5:24). Em nenhum desses versículos podemos fazer dela uma questão de conquista. Ela pertence aos bebês, a todos que viram o Filho ou conheceram o Pai ou creram na obra de Cristo segundo o adequado valor ou eficácia que ela tem diante de Deus. Os filhinhos também têm uma unção do Santo e sabem todas as coisas; e, guardando o que ouviram desde o princípio, eles então continuam no Filho e no Pai.
[1] N. do T: Os “filhos” em 1 João 2:13 – os recém-convertidos.

Então, em 1 João 4, o testemunho é que o Pai enviou o Filho para ser o Salvador do mundo, e “qualquer que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus está nele e ele em Deus”. Isso envolve a posse da vida eterna, embora no poder do Espírito Santo. A habitação do Espírito Santo mostra ao mesmo tempo que todo privilégio Cristão, de acordo com a presente dispensação, está incluído. Quando a vida eterna é manifestada e declarada é que também se pode conhecer a comunhão com o Pai e o Filho, que é desfrutada pela mesma vida comunicada à alma pela Palavra, pois essa comunhão tem todos os elementos abençoados dessa vida, ambas conhecidas e das quais se é participante, e a revelação completa do Pai e do Filho. “Vimos a Sua glória”, diz o apóstolo, “como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”, e ele acrescenta: “E todos nós recebemos também da Sua plenitude, com graça sobre graça”. Esta foi apenas a propriedade comum de todos na bênção desta dispensação.

Vida em ressurreição, em poder, em nova criação 

Por Cristo, como o Grão de Trigo ressuscitado, essa vida é comunicada após a Sua ressurreição, quando Ele soprou em Seus discípulos. Ela não podia ser dada antes, e isso mostra notoriamente a diferença entre vida incipiente (ou em seu primeiro estágio ou como possuída pelos santos quando nosso Senhor estava na Terra, ainda que vivificados por Ele) e a vida em abundância concedida no poder da ressurreição e na nova criação, e no poder do Espírito Santo. Falando sobre isso, Ele diz: “porque Eu vivo, vós também vivereis” (ARA). “Naquele dia, conhecereis que estou em Meu Pai, e vós, em Mim, e Eu, em vós”. No Evangelho de João, salvo nessas passagens antecipatórias e em João 17, que também olha para o futuro, nunca vemos os santos mencionados como “n’Ele”, enquanto na epístola de João isso é constante. “E nós estamos n’Aquele que é verdadeiro, isto é, em Seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (1 Jo 5:20 – AIBB). “Que é verdadeiro n’Ele e em vós”. “No Filho, e no Pai”. Essa vida nos foi dada em Cristo Jesus e foi prometida antes dos tempos dos séculos (2 Tm 1:1, 8-10; Tt 1:2), mas isso mostra que sua esfera e alcance apropriados são celestiais, tanto por ser antes do tempo como por ter sido revelada n’Aquele que aboliu a morte, enquanto aqueles que desfrutam da vida divina na Terra têm seus nomes escritos no livro da vida “desde a fundação do mundo” (Ap 13:8; 17:8). Seu reino também foi preparado para eles desde a fundação do mundo. No Velho Testamento, isso é mencionado como a vida para sempre (Sl 133). Não lemos sobre a revelação do Pai pelo Filho no Velho Testamento, nem no Livro do Apocalipse, nem os santos do Milênio são mencionados como estando “em Cristo”, nem como usando uma coroa da vida, embora normalmente tenhamos a ideia de filhos e filhas do Deus vivo como nos tempos do Velho Testamento com Israel (Dt 32:19).

A. C. Ord

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