Origem: Livro: A Epístola de Paulo aos GÁLATAS
2) Andai no Espírito – Cap. 5:16-26
A primeira exortação era para “permanecer firme” na verdade que a graça realizou para nós pela obra consumada de Cristo (v. 1). A próxima exortação é para “andar no Espírito” (v. 16). Esta ordem é significativa. Devemos permanecer firmes na verdade antes de podermos andar naquelas coisas de maneira prática. Isto confirma a verdade daquele antigo ditado: “Nossa doutrina forma o nosso andar”. C. H. Brown disse: “Você tem que crer corretamente antes de poder andar corretamente”. Quão verdadeiro é isto. A primeira exortação pertencia àquilo que a graça realizou para nós; essa segunda exortação tem a ver com o caminho da verdadeira santidade.
A mente legalista que não entende a verdadeira liberdade Cristã tentará aperfeiçoar santidade por meios legalistas. Isso é o que os gálatas estavam fazendo. Paulo agora mostra a eles o caminho de Deus de santidade e consagração; ele apresenta a maneira ordenada por Deus de restringir a carne. É simplesmente essa: “Andai no Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne”. Que declaração simples da verdade é esta! Não há necessidade da complicada aderência aos mais de 600 mandamentos, estatutos e ordenações da lei; o poder para santidade na vida Cristã é por meio do Espírito Santo. A responsabilidade do crente, portanto, é “andar no Espírito” e o resultado será a santidade prática.
Três Maneiras em que um Cristão Pode Viver em Relação a Carne
- Por lei – numa falha tentativa de restringir a carne.
- Por libertinagem – deixando a carne se manifestar livremente e fazer o que agradar a ela.
- Por liberdade do Espírito – na qual a carne é restringida por poder divino.
Portanto, liberdade Cristã é ameaçada pelo legalismo, pervertida pela permissividade, e somente é aperfeiçoada pelo andar no Espírito.
Quando Paulo disse “Andai no Espírito” ele não estava se referindo ao recebimento e possessão do Espírito de Deus. Todos crentes possuem o Espírito Santo habitando neles (1 Ts 4:8; Tg 4:6; 1 Jo 3:24), mas nem todos Cristãos necessariamente “andam no Espírito”. Isso é uma espécie de afirmação abstrata que necessita de mais explicação. “Andar” significa seguir o curso diário da vida. Andar “no Espírito” significa ter nossa ocupação diária na esfera “das coisas do Espírito”, que são os interesses de Cristo na Terra (Rm 8:5). Isso significa que devemos usar nosso tempo lendo as Escrituras, orando, cantando hinos, lendo ministério são, ouvindo são ministério gravado, meditando nestas coisas durante o dia, indo nas reuniões de assembleia, visitando e encorajando outros Cristãos (comunhão), exercitando nosso dom conforme a direção do Senhor, engajando-nos com trabalho de evangelismo, servindo ao Senhor com boas obras, etc. Quando nos ocupamos com essas coisas em comunhão com Deus, estamos andando no Espírito. Quando vivemos nessa esfera, o Espírito de Deus estará livre para trabalhar em nós e por meio de nós, e Seu poder estará presente para restringir a carne. O resultado será que “não cumpriremos as concupiscências da carne”.
Romanos 8 se estende no assunto da libertação do crente da atividade da natureza caída pecaminosa. Os quatro primeiros versículos daquele capítulo apresentam o princípio de libertação da carne. O Espírito de Deus vem habitar no crente para dar a ele poder e liberdade da “lei do pecado e da morte”. (Esta é uma expressão técnica usada para indicar a operação da velha natureza – a carne). Para efetuar esta vitória sobre a carne, Deus introduz um novo princípio na vida do crente, chamado “a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus”. O Espírito de Deus, habitando no crente, supera os desejos da carne de maneira que ele já não é mais um escravo das tendências dela.
Para ilustrar isso, pense na lei científica da gravidade; todo objeto está sendo atraído para baixo, em direção ao centro da Terra por uma força invisível chamada gravidade – isso acontece por toda a Terra. É chamada lei ou princípio da gravidade. Segure qualquer objeto sólido; um livro, por exemplo; eleve-o à distância de um braço estendido, solte-o, e ele cai no chão. Ele cairá no chão todas as vezes que você fizer o experimento; trata-se de um princípio universal. Agora no que se refere à natureza pecaminosa, também se trata de um princípio universal, o qual está presente em todos os seres humanos. Tal princípio quer fazer uma coisa – puxar a pessoa abaixo, em direção ao pecado.
Levando nossa ilustração um pouco adiante, vamos supor que queremos alterar as coisas de modo que, quando soltássemos o livro da nossa mão, ele não mais caísse no chão sob a força da gravidade. Então, amarramos ao livro alguns balões cheios de gás hélio (que é mais leve que o ar) em quantidade suficiente para que a força levantadora proveniente dos balões seja maior do que o peso do livro; quando soltarmos o livro da nossa mão, ele irá subir em vez de cair em direção ao chão. Isso acontece não porque a lei da gravidade foi removida, mas porque introduzimos sobre o livro uma lei ou princípio mais poderoso.
Isso ilustra o que Deus fez pelo crente. A natureza caída não é removida quando uma pessoa é salva. Não estaremos livres desse inimigo interno até que o Senhor venha. Aprouve a Deus nos deixar aqui neste mundo com a natureza caída ainda em nós (e o estado de nossa alma é constantemente testado por ela), porém Ele fez completa provisão para vivermos acima do poder desta coisa maligna. O poder do Espírito Santo em nós, chamado “o Espírito de vida em Cristo Jesus”, assim como o gás hélio, foi introduzido em nossa vida para se sobrepor a força da natureza pecaminosa, de maneira que possamos viver livres das atividades da carne. Este é o modo de Deus para santidade.
Em Romanos 8:5-14, Paulo apresenta o modo como libertação continuada pode ser obtida. Ele explica que existem dois domínios, ou esferas nas quais uma pessoa pode viver; uma esfera que pertence à carne, e uma esfera que pertence ao Espírito. Ele fala de uma esfera como sendo “as coisas da carne” sem entrar em detalhes, porém todos sabemos após qual tipo de coisa a carne se inclina. Ele diz: “os que são segundo a carne inclinam-se para as [põem sua mente nas – TB] coisas da carne”. “Por a mente” em alguma coisa significa “dar atenção a algo”. Esse é o lugar onde o perdido vive: ele não conhece outro domínio, porém é possível que Cristãos também vivam nessa esfera. Então ele menciona uma segunda esfera – “as coisas do Espírito”, novamente sem apresentar especificações. Como já mencionado, estas seriam coisas que têm a ver com os interesses de Cristo.
Estas duas esferas são exatamente o oposto uma da outra. Seus interesses são polos opostos. Uma serve aos interesses próprios e a outra serve aos interesses de Cristo. Uma estrada, por assim dizer, se estende a partir de cada uma dessas esferas as quais levam para longe uma da outra. Uma leva àquilo que é verdadeiramente “vida e paz”, e a outra leva à “morte”. O apóstolo não está falando da morte física aqui, mas de morte moral na vida do crente. Morte, como sabemos, sempre traz a ideia de separação. Neste versículo ela se refere à separação em nosso elo de comunhão com Deus.
Então em Romanos 8:12-13, Paulo apresenta uma sóbria conclusão dizendo: “Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes [colocardes na morte – JND] as obras do corpo, vivereis”. Seu ponto é simples: se vivermos (andarmos) na esfera da carne, podemos esperar que isso irá gerar morte. Quando alimentamos a carne, ela irá se manifestar em nossa vida e nos dominar, e destruirá nossa comunhão com o Senhor no processo. Mas se vivermos na esfera do Espírito, o Espírito tomará o controle de nossa vida e então teremos poder o bastante para viver uma vida santa para a glória de Deus. Cada Cristão tem uma escolha quanto à esfera em que ele quer viver, e isto constantemente nos testa em relação ao quanto de Cristo realmente queremos.
Vs. 17-18 – Voltando para o nosso capítulo, o apóstolo nos diz que haverá uma luta constante com a carne na vida do crente se ele não andar no Espírito. Isso não precisa ser assim, porque Deus fez completa provisão para vivermos acima das propensões da carne, como já indicamos. Ele descreve esta luta – que todos conhecemos muito bem – dizendo: “a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis”. Tendo uma nova vida com novos desejos pelas coisas de Deus, o crente naturalmente deseja fazer a vontade de Deus, porém se ele não andar no Espírito, a carne estará ativa e ele não será capaz de fazer as coisas que a nova vida deseja. O resultado é que há uma luta (um conflito) na alma e o crente frequentemente experimenta falha. Isso leva à frustração. Muitos Cristãos não conhecem nada além dessa desapontadora e recorrente experiência em sua vida. Alguns são tão desencorajados que eles culpam a Deus por isso, pensando que o Cristianismo funciona apenas na teoria, mas não na prática. Todavia, o problema é que eles não estão andando no Espírito.
Este conflito de alma não é exatamente o mesmo de Romanos 7:14-24, que contempla uma pessoa com a nova vida, porém sem a habitação do Espírito Santo. Ela luta para fazer o bem, mas falha porque não possui o poder para fazê-lo – que consiste em ter o Espírito. Tampouco deveria ser este conflito confundido com o de Efésios 6:10-12, o qual tem a ver com o crente combatendo os enganos dos espíritos malignos nas regiões celestiais. Eles estão lá tentando estragar o nosso desfrutar de nossas bênçãos espirituais em Cristo. Gálatas 5:17 descreve um conflito contra a carne que é resultante do crente não estar andando no Espírito; enquanto que Efésios 6:10-12 descreve um conflito que ocorre quando o crente está andando no Espírito.
Paulo acrescenta: “Mas se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei”. Ele mostra que se andamos em Espírito, iremos experimentar vitória sobre a carne, e isso será realizado sem a lei. A lei não poderia jamais produzir uma vida santa. Deus nunca intentou que produzisse. O meio de santidade de Deus está em andar no Espírito. A graça dá ao crente vida e o Espírito Santo; se o crente anda no Espírito e é guiado pelo Espírito, ele irá viver para a glória de Deus.
“Obras” e “Fruto”
Vs. 19-21 – Seja a permissividade imoral ou debates irados, o crente precisa entender que tudo isso é proveniente de uma mesma fonte – a carne. Paulo, portanto, segue a falar das “obras da carne”. Ele lista 16 coisas que emanam da carne.
- Males morais, que são voltados contra o próprio indivíduo – o “eu” – “prostituição [fornicação], impureza, lascívia [licenciosidade]” (v. 19).
- Males espirituais, que são voltados contra Deus – “idolatria, feitiçarias [magias]” (v. 20a).
- Males sociais, que são voltados contra o homem – “inimizades [ódio], porfias [contendas], emulações [ciúmes], iras, pelejas [contenções], dissensões [disputas], heresias [escolas de opinião, ou partidos], invejas, homicídios, bebedices, glutonarias” (vs. 20b-21).
Paulo acrescenta: “e coisas semelhantes a estas” indicando que esta não é, de forma alguma, uma lista completa. Um crente pode falhar e a carne pode se manifestar em uma ou mais destas coisas, porém elas não o caracterizam. Por outro lado aqueles que “praticam” estas coisas habitualmente não são filhos de Deus e “não herdarão o reino de Deus”.
Vs. 22-23 – Paulo passa a falar sobre o “fruto do Espírito”. Quando estamos andando no Espírito, estas maravilhosas características serão vistas em nossa vida. Frequentemente as chamamos de “frutos” (plural) do Espírito, mas elas são na verdade o “fruto” (singular) em nove partes. Talvez não sejamos todos mestres e pregadores dotados, mas todos podemos manifestar o fruto do Espírito. As nove coisas que Paulo lista aqui, como descrevendo o caráter normal Cristão, são na realidade características morais do próprio Cristo. Portanto, o crente que anda no Espírito manifestará Cristo em sua vida.
- “amor, gozo, paz” são talvez voltadas para Deus (v. 22).
- “longanimidade, benignidade, bondade” são voltadas para o homem – para com outros (v. 22).
- “fé [fidelidade], mansidão, temperança [controle próprio]” são voltadas para o próprio indivíduo (vs. 22-23).
Paulo acrescenta: “contra estas coisas não há lei”. Isso não significa que a lei é contrária a estas excelentes qualidades morais, mas significa que não existe lei que pode produzir estas características próprias de Cristo num crente; elas somente são produzidas pelo Espírito de Deus quando o crente anda no Espírito.
A mudança óbvia de palavras, de “obras” (ao descrever a carne) para “fruto” (ao descrever o Espírito), tem a intenção de trazer o pensamento de que vontade e energia humanas estão envolvidas com um e de que a energia passiva do Espírito está envolvida com outro. Ao chamar aquelas coisas carnais de “obras” Paulo indica que a vontade do homem é operante ao fazê-las, e de que o homem é, portanto, responsável por elas. A carne tem as suas obras, porém ela não produz fruto algum para Deus. Ao chamar aquelas coisas que são produzidas pelo Espírito de “fruto”, isso indica que aquelas qualidades excelentes de Cristo não são um resultado de nosso esforço, mas o resultado do silencioso trabalho de Deus no crente. Se ao Espírito é dado o Seu devido lugar na vida do crente, Seu poder irá manter a carne sob controle e irá formar as belezas morais de Cristo nele.
Vs. 24-25 – Em conclusão, Paulo diz: “E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências”. Isso significa que a posição que tomamos ao professarmos ser Cristãos envolve a aceitação do juízo de Deus sobre a carne. Por fé vemos nossa carne julgada na cruz de Cristo. Paulo então diz: “Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito”. Nossa posição Cristã é “viver no Espírito”, e desde que isso é assim, a prática normal no Cristianismo é “andar no Espírito”. Portanto, para sermos consistentes com o estado Cristão normal, devemos andar no Espírito, porque vivemos no Espírito. Em relação a isso, F. B. Hole disse: “Um pássaro não pode ter a sua vida no ar e mesmo assim ter todas suas atividades debaixo d’água. Um peixe não pode ter sua vida na água e ainda assim ter suas atividades sobre a terra. E Cristãos não podem ter sua vida no Espírito e suas atividades na carne”. Portanto, nosso andar deve certamente estar de acordo com a nossa vida no Espírito.
O Sr. Darby escreveu uma nota de rodapé[7] em sua tradução indicando o uso de duas palavras diferentes para “andar” nesta parte prática da epístola. Em Gálatas 5:16 a palavra se refere a nossa conduta geral de vida, enquanto que em Gálatas 5:18, 25, 6:16 se refere à regra característica de nossa vida.
[7]  N. do T: Nota de rodapé “h” da tradução de J. N. Darby em Gl 5:25: “A expressão ‘pelo Espírito’ ocorre nos vs. 18 e 25; mas no v. 16 ‘andar’ refere-se ao modo geral de vida, como Rm 8.4, então deixei ‘em’. No vers. 18 e 25 ‘andar’ refere-se à regra ou linha seguida, como Gl 6:6; Rm 4,12; Fp 3.16 É característico do andar, da condução e da vida, sendo o Espírito o instrumento e o poder”. ↑
V. 26 – O comentário final de Paulo, em relação ao andar no Espírito revela, o estado triste no qual os gálatas haviam caído. A falsa busca por santidade por meio da lei tinha apenas dado lugar a carne em seu meio. A vida nas assembleias da Galácia havia se degenerado em um carnal competição, cada um procurando superar o outro em santidade, numa tentativa de atingir uma espiritualidade superior. Portanto, a palavra cautelosa de Paulo é, “Não sejamos cobiçosos de vanglórias, irritando-nos [provocando-nos – TB] uns aos outros, invejando-nos uns aos outros” Aprendemos com isso que a carne irá até mesmo se encurvar para usar as coisas de Deus para colocar-se acima dos outros. Que isto seja um aviso para nós.
Paulo tocou em duas grandes coisas que resultam no crente que anda “no Espírito”:
- Temos vitória sobre os desejos da carne (vs. 16-21).
- As características de Cristo são vistas em nós (vs. 22-23).
Estas são as duas coisas que os legalistas estavam tentando alcançar ao guardar a lei, porém somente falharam.
