Origem: Livro: DISCIPLINA CRISTÃ
2. Vigilância e cuidado paterno
(Gl 6:1; At 20:28-31; Ts 2:11-12; 1 Tm 5:19; 2 Tm 4:2; 1 Jo 2:13-14)
O segundo tipo de disciplina Cristã é a vigilância paterna e o cuidado pastoral. Como a disciplina anterior, esse tipo tem um caráter pessoal. A Igreja, como tal, não tem nada a ver com isso. Sua intenção é evitar a disciplina da assembleia.
Mas enquanto no caso anterior se tratava de uma questão pessoal entre irmãos, este segundo tipo supõe, e na verdade exige, experiência espiritual, sabedoria e graça, por parte de quem deve exercê-la. Ele deve falar como um pai para seus filhos, como alguém cuja superioridade não é apenas a idade e maior experiência e conhecimento, mas a graça e uma caminhada piedosa. “Vós sois testemunhas, e também Deus”, poderia dizer o apóstolo da Igreja, “de quão santa, justa e irrepreensivelmente nos comportamos para com vós, os que credes” (1 Ts 2:10 – TB). Em seguida, ele continua: “Assim como bem sabeis de que modo vos exortávamos e consolávamos, a cada um de vós, como o pai a seus filhos, para que vos conduzísseis dignamente para com Deus, que vos chama para o Seu reino e glória”. O mesmo encontramos em Gálatas 6:1. O apóstolo primeiro os exorta (cap. 5:25-26): “Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito. Não sejamos cobiçosos de vanglórias, irritando-nos uns aos outros, invejando-nos uns aos outros” Ele então continua: “Irmãos, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai [restaurai – TB] o tal com espírito de mansidão, olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado”.
Nem sempre aquele que assume uma postura de pai é necessariamente um pai. O verdadeiro pai se comporta e age como pai simplesmente porque o é: “não é aprovado aquele que se recomenda a si mesmo, mas sim aquele a quem o Senhor recomenda”. A verdadeira superioridade espiritual não se afirma, mas se faz sentir. Não busca reconhecimento, mas é reconhecida porque é verdadeira. Alguns em Corinto agiam como pais, mas na verdade eram bebês.
A autoridade paterna na Igreja deve estar associada à ternura maternal, como foi o caso do apóstolo. Ele não apenas exortou os tessalonicenses como seus filhos; ele também sabia como confortá-los. Ele lhes escreveu: “fomos brandos entre vós, como a ama que cria seus filhos”. O poder perfeito e a ternura perfeita não estão unidos em nosso Deus? Sua mão é tão terna quanto é poderosa. Lançará os incrédulos no lago de fogo e enxugará todas as lágrimas do rosto de Seus amados filhos.
“Pais” são aqueles que “conhecem Aquele que é desde o princípio”, a Quem não apenas foi “dado todo o poder no céu e na Terra”, mas Aquele que também é “manso e humilde de coração”. Eles “aprenderam a Cristo”, cujo jugo é suave e Seu fardo é leve, e são, portanto, capazes, como tais “que são espirituais”, com autoridade, ternura e cuidado paternais, para restaurar aqueles que foram surpreendidos em uma falta “com espírito de mansidão” e levar “as cargas uns dos outros”, cumprindo assim “a lei de Cristo”[2].
[2]  Esta última qualidade especialmente constitui os verdadeiros “pastores”, isto é, aqueles que não apenas alimentam o rebanho, mas que,  diante de Deus, tomam sobre si todos os cuidados e tristezas, o pecado e a miséria de um irmão que erra, e “Dele trazem o remédio para aquele que está falhando”, como alguém observou de forma maravilhosa. ↑
Tal pessoa vai até seu irmão errante, cujo pecado e carga ele assumiu diante de Deus como se fossem seus, e fala a seu irmão palavras de graça e verdade.
Palavras de verdade, assim ditas com amorosa gentileza a um irmão que erra, sempre encontrarão um bom lugar com ele, mesmo quando não forem bem recebidas de início. Nestes últimos dias, quando o orgulho e a vontade própria levantam a cabeça, não só no mundo, mas, infelizmente, na Igreja de Deus, o serviço Cristão de lavar os pés uns dos outros deve frequentemente esperar uma recepção indelicada. Há homens cuja pele é tão fina que um leve arranhão faz com que o sangramento seja difícil de ser estancado. E então hoje em dia não são poucos os Cristãos com uma constituição espiritual tão tenra, ou talvez tão  delicada, que ao menor arranhão acidental[3], levantam-se como se tivessem sido perfurados por uma adaga. Eles apenas provam quão pouco seu coração foi estabelecido pela graça e quão pouco aprenderam d’Aquele que é manso e humilde de coração. Mas isso não deve nos impedir de cumprir nosso dever sob a graça, de lavar os pés uns dos outros, que nosso gracioso e humilde Mestre, que é amor, mas também o “Santo” e “Verdadeiro”, tão solenemente ordenou aos Seus na noite que antecedeu Sua morte na cruz, depois de Ele mesmo nos ter dado o exemplo.
[3]  Esse pequeno “arranhão” não intencional acontecerá às vezes, mas é algo muito diferente das “alfinetadas” infligidas pelos três “desprezíveis consoladores” de Jó, em suas tentativas de lavar seus pés. O resultado do serviço deles foi que Jó teve que orar por eles, para que o Senhor não tratasse com eles de acordo com sua loucura. ↑
“Entendeis o que vos tenho feito? Vós Me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque Eu o Sou. Ora, se Eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque Eu vos dei o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também. Na verdade, na verdade vos digo que não é o servo maior do que o seu senhor, nem o enviado, maior do que aquele que o enviou. Se sabeis essas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes” (Jo 13:12-17).
A mansidão e a humildade Cristãs, tão intimamente ligadas ao amor Cristão, são requisitos essenciais no serviço de lavar os pés.
Quando nosso Senhor disse: “Eu vos dei o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também”, Ele certamente não quis dizer que deveríamos imitá-Lo nos meros preparativos para esse serviço, como “cingir-se com a toalha” e “derramar água na bacia”. Muitos demonstram grande aptidão para tais preparativos, mas desmoronam no ato de lavar os pés, porque evitam ajoelhar-se para se achegar aos pés do irmão. Eles entram em sua presença com um ar que diz: “Vim lavar seus pés”. Preparativos assim se assemelham mais aos de um barbeiro do que ao serviço humilde de um Cristão lavando os pés, e geralmente fazem mais mal do que bem. Um conhecido servo de Cristo observou verdadeiramente: “Se eu não julgar primeiro em mim mesmo a carne que vejo ativa em meu irmão (pois a mesma existe em mim), não estou apto para lavar os pés de meu irmão”. Se antes de ir a um irmão para lavar seus pés, eu tiver estado no pó perante do Senhor, vou parecer pequeno perante meu irmão, e assim poderei remover suavemente a contaminação.
Quanta humildade devo ter para com um irmão? O suficiente para suprir sua falta dela. Se ele não dobrar os joelhos, deixe-me dobrar os meus e ele logo o seguirá. Não fez Gideão isso diante dos efraimitas? (Jz 8:1-3) Quanto amor devo ter por meu irmão? O suficiente para compensar sua falta dele. Não nos deu o exemplo o grande apóstolo da Igreja? (2 Co 12:15). Assim deveria ser entre os membros de Cristo. Um membro deveria suprir os outros. É assim entre nós?
Sendo o importante serviço Cristão do lavar os pés que faz parte integrante da gama mais ampla de vigilância paterna e cuidado pastoral, pensei que algumas observações sobre o dever Cristão geral do lavar os pés poderiam ser oportunas em meio às dificuldades crescentes que assolam a “casa do Deus vivo” nestes últimos dias.
