Origem: Livro: Breves Meditações

Consciência

No Evangelho de João, vemos o Senhor vindo para os pecadores. Ele não é tanto o Curador de Israel, realizando maravilhas de bondade no corpo dos homens, purificando os leprosos ou restaurando a saúde de todo tipo de doença e enfermidade entre o povo; mas é a alma que Ele busca e, portanto, é a consciência com a qual Ele lida. Se a consciência não estiver diante d’Ele, Ele não tem Seu assunto ou Seu material diante d’Ele. Ele não tem nada com que lidar, ou sobre o qual operar, de acordo com o caráter que está preenchendo ou sustentando.

Isso nos permite conhecer o que Ele é, e quais são os Seus propósitos e a Sua ocupação em cada cena. Pode tratar-se de uma consciência feliz, uma consciência despertada e inquieta, uma consciência adormecida, uma consciência ainda não quebrantada, ou uma má consciência. Ele lida com toda essa variedade; mas em tudo isso, vemos a consciência, de uma forma ou de outra, em alguma condição diante d’Ele.

Em André, temos uma imagem simples de uma consciência feliz, ou de um pecador feliz. Ele havia ido a Jesus como pecador, pois havia ido a Ele como “o Cordeiro de Deus”, e, portanto, foi aceito, bem-vindo e acolhido por Jesus; e ele O deixa feliz. Seu coração está livre; e ele pode, portanto, pensar nos outros e se dedicar a unir Jesus e outros pecadores como ele havia sido. Ele prega, como um pecador feliz pregaria. Ele diz ao primeiro companheiro pecador que encontra, e este é seu irmão Simão, que encontrou o Cristo”, uma linguagem que revela a satisfação de sua alma; e então, em plena e consistente benevolência, convida Simão a vir e compartilhar o Cristo de Deus com ele.

Aqui vemos uma consciência em liberdade, porque o pecador encontrou Jesus. Mas temos outras condições para isso.

Em Natanael, a consciência já havia sido despertada. Sob a figueira, creio eu, ele havia estado se confessando a si mesmo como um pecador, meditando sobre sua condição diante de Deus – pois é o espírito de confissão que, na avaliação divina, nos torna sem “dolo”; e é nesse caráter que o Senhor reconhece Natanael. E as confissões dos lábios são as declarações dos fragmentos do coração. Elas não seriam reais se não fossem assim. Natanael era, portanto, um homem de coração quebrantado. O Senhor, portanto, já estivera em espírito com ele, antes que Filipe o chamasse, pois os anseios de uma alma despertada são sempre preciosos a Ele. Ele lhe diz isso – como havia anunciado anteriormente por Seu profeta. “assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é Santo: Num alto e santo lugar habito; como também com o contrito e abatido de espírito” (Is 57:15).

E diante de Sua graciosa saudação, e fazendo-o saber que Ele o havia conhecido, a alma de Natanael se maravilha. “Rabi”, diz ele, “Tu és o Filho de Deus, Tu és o Rei de Israel”. Isso foi um reavivamento para o seu coração. O Altíssimo e Sublime assim cumpriu mais uma parte daquele mesmo oráculo do profeta: “para vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos”.

Ora, este caso nos mostra o bendito tratamento do Senhor com uma consciência desperta, reavivando-a e alegrando-a, ou tornando-a uma consciência aliviada e libertada. Na samaritana, a consciência ainda estava adormecida. Ela precisava ser despertada, trazida à presença de Deus com todo o seu fardo e culpa sobre ela. O Senhor, portanto, a força a se descobrir a si mesma. Todos os segredos culpados de sua alma foram trazidos à luz. Mas ela permanece – embora subjugada, e embora a natureza, por um momento, se proponha a tecer um véu entre ela e seu pecado, ela permanece, como se estivesse na luz que a havia detectado e exposto; e essa é a fonte de sua futura bem-aventurança – pois o Senhor rapidamente preenche esse lugar com os sinais de Sua graça, e não permite mais que seja meramente o testemunho de sua culpa e vergonha.

Há algo neste misterioso Estrangeiro que atua em seu espírito – e ela pronuncia o nome de “Messias” em Seus ouvidos, como Aquele que, em certo sentido, ela procurava. Então, com a consciência já despertada, e agora o vaso aberto, o Salvador Se revela; o Estrangeiro prova ser o Messias que ela havia nomeado, e ela é abençoada e satisfeita.

Aqui vemos o que o Senhor fará com uma consciência que precisa ser despertada, se o pecador, apesar da vergonha e da exposição, ainda permanecer em Sua presença. Pois é, certamente, o caminho da bem-aventurança valorizar a Cristo mais do que o caráter. Podemos dizer, em certo sentido, que tudo depende disso. Ela não se escondeu mais, mas contou aos seus vizinhos que havia sido completamente exposta.

No caso dos fariseus, ou dos acusadores da adúltera, a consciência é má. Um propósito perverso enchia seus corações durante todo o tempo em que estavam na presença de Cristo. O que Ele deveria fazer com tal povo? Sua presença lhes seria intolerável. “Acusados pela própria consciência, foram-se retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos últimos” (ARA).

O que menos poderia ser feito com um material tão chocante? E assim será em breve. Todos os ímpios padecerão eterna perdição, banidos da presença do Senhor. Como fumaça, serão lançados longe. Essa não era a maneira comum de Jesus; pois Ele não veio para julgar, mas para salvar. “A lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo”. Mas quando esses acusadores da pecadora desejam tê-la no monte que ardia em fogo e lidar com ela em termos de lei, então o Senhor pode voltar o calor daquele lugar contra eles e dar-lhes uma amostra do dia da perdição, quando os ímpios perecerão ante a face do Senhor.

Ao contrário da pobre samaritana, eles valorizavam o caráter deles. Sendo expostos, não suportariam. Preferiam esconder seu pecado a vê-lo publicado e levado embora. Para tais, Cristo morreu em vão. Eles frustram a graça de Deus. Pecam contra suas próprias almas.

Assim, o Senhor Jesus é visto tratando com a consciência em diferentes condições. Com a consciência despertada, Ele trata com toda a graça, dando-lhe, como ao coração contrito, a certeza de que Ele a reaviva e habita com ela nas alturas. Com o pecador que ainda permanece com Ele, embora sob a dor de ser exposto e desnudado para a sua vergonha, Ele tratará até aliviá-lo e satisfazê-lo. Com os ímpios que praticam a sua maldade e, quando expostos, O abandonam, preferindo manter o seu lugar e caráter entre os homens do que alcançar a virtude da Sua presença, Ele mostra que essa presença é intolerável.

Estes são Natanael, a samaritana e os fariseus. Ele habita no lugar alto e santo com os contritos – conduz o pobre condenado que ainda permanecerá com Ele pelo caminho da luz e da vida – e condena ao monte de fogo e à separação de Si mesmo os ímpios que preferem praticar a sua maldade a buscar a Sua presença e valorizam o seu caráter mais do que o interesse em Cristo.

Nessas narrativas simples e despretensiosas, obtemos esses preciosos segredos dos caminhos de Deus em Cristo, assim revelados a nós. Resta, porém, outro que não devo ignorar. Refiro-me ao mendigo cego do capítulo 9.

Nele vemos uma consciência honesta. Não é uma consciência feliz, nem despertada, nem adormecida, nem má. Não vemos nele qualquer inquietação em relação à sua alma. Ele não estivera debaixo de uma figueira como Natanael – nem a flecha da convicção o atingira, através da Palavra de Cristo, como havia penetrado nos segredos mais profundos da samaritana. Não é em tais condições vivificadas que o vemos. Mas ele é honesto. É fiel à luz que possui e se apegará aos fatos que conhece. Ele sofre em vez de dar lugar a sua integridade; e os fariseus o expulsaram. A religiosidade persegue a veracidade – um caso comum.

Poderia Jesus deixar alguém assim sozinho? Poderia ser indiferente a ele? Sabemos que não. Ele ouviu que o haviam expulsado, e podemos concluir que Ele o procurou imediatamente; pois lemos: “Jesus ouviu que o tinham expulsado e, encontrando-o”. Ele o tornou Seu objeto – e a cena de Jesus e deste mendigo se encontrando pela segunda vez é repleta de bênção e conforto.

Até então, este pobre homem O conhecia apenas em Seu poder de curá-lo. Não havia ainda exercício de alma como pecador, embora houvesse uma consciência honesta. Mas ao ver Jesus agora pela segunda vez, fora do arraial, sua alma é exercitada. Jesus o chama para este exercício. “Crê tu no Filho de Deus?” E o pobre homem imediatamente se prepara para aceitar qualquer coisa de Jesus. “Quem é Ele, Senhor, para que eu creia n’Ele?” E Jesus Se revela a ele como Aquele que lhe dera a visão quando era cego, e agora o resgata, quando todos o expulsavam. “Tu já o tens visto”, diz o Senhor, “e é Aquele quem fala contigo”. A alma então descobre Jesus. Amor e poder assim combinados, e agindo assim em virtude divina, foram suficientes. “Creio, Senhor”, respondeu ele, e então “O adorou”.

Assim, Ele alcançou sua alma e tratou com ele. E estamos conscientes de que, embora antes fosse apenas um homem honesto, agora é uma alma vivificada. Pois uma consciência honesta não é uma alma salva.

Mas, além de tudo isso, permitam-me observar a maneira como Paulo trata com a consciência em suas Epístolas. Ele não vê nenhuma dessas variedades. Ele vê o pecador exatamente como ele é: um pecador. Ele instrui a consciência sobre como ela deve tratar com Deus e Seu evangelho, em vez de nos mostrar, como no evangelho, como Cristo trata com ela. Ele diz à consciência que ela pode desfrutar de uma condição purificada – não apenas uma condição despertada, convencida ou honesta, mas uma condição purificada.

Este argumento é encontrado em Hebreus 9 e 10. O apóstolo ensina ali que podemos ter uma consciência boa ou purificada, pela fé em Cristo, porque depois de Ele ter feito Sua única oferta, Ele entrou no lugar santíssimo, para nunca mais deixá-lo como os sacerdotes sob a lei o deixaram, Sua oferta sendo eficaz para remover pecados, e isso, por causa da admirabilidade de tal sacrifício como aquele prestado “imaculado” e “pelo Espírito eterno”, e porque este sacrifício encontrou e satisfez a Deus no que diz respeito ao pecado, correspondendo e cumprindo “Sua vontade”. O próprio Espírito Santo, ao revelar a nova aliança, estabeleceu também o fato de que pecados e iniquidades não são mais lembrados.

Assim, sob o ensino do apóstolo, a consciência é ensinada a tratar com Deus, e o pecador é exortado a ser feliz em Seu amor e satisfeito com Suas provisões – entrando assim no reino como uma criança, não raciocinando, mas recebendo.

Em João, vemos casos reais em que o Senhor estava tratando com a consciência; em Hebreus, somos ensinados de que maneira a consciência deve tratar com o Senhor e como ela deve atingir a condição em que a consciência de André, Natanael, a samaritana, a adúltera e o mendigo foram deixadas por Jesus.

Compartilhar
Rolar para cima