Origem: Livro: As Epístolas de JOÃO e JUDAS
Conselho para oRemanescente dos Verdadeiros Crentes
Vs. 17-25 – Sendo informado de todo esse mal no testemunho Cristão, podemos nos perguntar o que devemos fazer. Judas antecipa que esta questão estaria em nossa mente, e assim, nesta última série de versículos, ele nos dá seu piedoso conselho. Ele mostra que a resposta é não desistir em desespero, nem é sair em reclusão para tentar nos proteger das más influências da apostasia. Note também que Judas não nos diz que devemos tentar endireitar a Cristandade desordenada. O Senhor não colocou essa “carga” sobre o Seu povo (Mt 13:27-30; Ap 2:24). Em vez disso, ele mostra que devemos continuar na graça que Deus provê, com os recursos que Ele nos deu, e esperar que o Senhor venha e nos leve para a casa do Pai acima.
Nesta última seção da epístola, Judas se dirige aos verdadeiros crentes em meio à massa professante sem vida, dizendo: “Mas vós, amados …” Ele os identifica com os pronomes de primeira e segunda pessoa: “vós”, “vos”, “vossa” e “nosso”. Suas palavras de graça e conforto são um verdadeiro encorajamento para nós. Elas são:
Lembrai-Vos das Palavras dos Apóstolos (vs. 17-19)
Em primeiro lugar, Judas quer que lembremos do que os apóstolos disseram a respeito da ruína do testemunho Cristão. Ele diz: “Mas vós, amados, lembrai-vos das palavras que vos foram preditas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo, os quais vos diziam que, no último tempo, haveria escarnecedores que andariam segundo as suas ímpias concupiscências”. Deus previu a ruína e fez com que os apóstolos prevenissem os santos da vinda disso (At 20:29-31; 1 Tim 4:1; 2 Tm 3:1-9, 4:3-4; 2 Pe 2:1-2; 1 Jo 2:18-19, etc.). Não deveria, portanto, ser uma surpresa para nós. Fomos informados de tudo de antemão, de modo que, apesar de sofrermos com isso, não seríamos vencidos pelo desespero. O Senhor sabe que não poderíamos realizar as seguintes exortações que Judas dá com qualquer tipo de convicção se estivéssemos em um estado de espírito perturbado. A alma deve primeiro estar em repouso e sem perturbação – e é isso que o Senhor fez ao nos contar isso de antemão. Há algo reconfortante em saber que Ele sabe tudo sobre isso.
Por isso, ele nos diz que haverá “escarnecedores” que zombarão da verdade, e assim devemos nos preparar (2 Pe 3:3-4). J. N. Darby comentou sobre esse tipo de oposição ousada à verdade, afirmando: “A ignorância é geralmente confiante porque é ignorante” (Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, vol. 1, pág. 11). Assim, podemos esperar oposição, mas não devemos ficar desanimados com isso. Eles podem zombar da verdade, atacá-la e tentar prejudicá-la, mas isso não muda a verdade.
V. 19 – Judas diz que esses escarnecedores são os culpados de muitas das seitas e divisões que se desenvolveram na Cristandade. Ele diz: “Estes são os que fazem separações, homens naturais [anímicos[11]], não tendo o Espírito” (Trad. de W. Kelly). W. Kelly observou: “Eles se libertam da comunhão e formam algo novo que não tem a sanção da Palavra de Deus. Isso é o que, na Escritura, é chamado de heresia” (Lectures on the Epistle of Jude, pág. 142). Compare 2 Pedro 2:1. “Não tendo o Espírito” deixa claro que eles nunca foram salvos (Gl 3:2; Ef 1:13).
[11]   N. do T.: Anímico provém da palavra latina “anima” que significa aquilo que é relativo ou pertencente à alma. É traduzida como “natural” em 1 Co 2:14, como “animal” em 1 Co 15:44, 46; Tg 3:15 e “sensual” em Jd 19. ↑
Edificando-Vos Sobre a Vossa Santíssima Fé (v. 20a)
Em seguida, Judas fala da necessidade de se edificar sobre o fundamento sólido da verdade. Ele diz: “Mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a vossa santíssima fé”. A “santíssima fé” é a revelação Cristã da verdade. Ela foi entregue aos santos pelos apóstolos (v. 3) e pode ser encontrada nas 21 epístolas do Novo Testamento. No entanto, ter a verdade entregue em nossas mãos é uma coisa e ser edificado sobre ela é outra. Podemos perguntar: “Como exatamente nos edificamos na santíssima fé?” O apóstolo Paulo responde isso, declarando: A “Palavra da Sua graça (as Escrituras), que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (ARA). Assim, é por meio de uma profunda familiaridade com a Palavra de Deus (particularmente as epístolas). Vamos, portanto, nos envolver com a devida diligência nisso (1 Tm 4:6, 16; 2 Tm 2:15); isso nos impedirá de sermos “levados em roda por todo vento de doutrina” que vem junto (Ef 4:14). Que contraste isso é para o que vimos na primeira parte da epístola. Enquanto falsos mestres são vistos destruindo os fundamentos da fé no coração daqueles que os ouvem, os verdadeiros crentes devem estar se edificando na santíssima fé.
Nota: Judas não diz: “Edifique a fé”. Isso implicaria que o depósito da verdade não é uma coisa completa e, portanto, há suplementos a serem adicionados – mas essa é uma noção falsa. O apóstolo Paulo disse que, com a revelação do Mistério, o depósito da verdade estava “completo” (Cl 1:25-27 – JND). Houve epístolas escritas por outros depois que Paulo disse isso, mas elas não acrescentam à verdade do Mistério.
Orando no Espírito Santo (v. 20b)
Conjuntamente ao estudo da Palavra de Deus, deve haver oração inteligente. Por isso, Judas acrescenta: “Orando no Espírito Santo”. Essas duas coisas andam juntas “como uma mão em uma luva” (Lc 10:39-11:13, etc.). Precisamos de um equilíbrio de ambos. Isso é importante porque estudar a Palavra de Deus sem oração pode levar ao legalismo, e a oração sem o estudo da Palavra pode levar ao fanatismo. Orar “no” Espírito é estar orando de acordo com a mente do Espírito. Isso vem do conhecimento da verdade e da comunhão pessoal com o Senhor.
Nota: Judas diz, orando no Espírito, não orando para o Espírito vir. Não haverá outro Pentecostes nem outro batismo do Espírito Santo. Portanto, não devemos procurar uma recuperação do testemunho público da Igreja. O Espírito de Deus veio e, como Ele habita agora na Igreja aqui na Terra, devemos andar no Espírito (Gl 5:16) e orar no Espírito (Ef 6:18).
Conservai-Vos a Vós Mesmos no Amor de Deus (v. 21a)
Judas passa para outra coisa que deveríamos estar fazendo em vista da apostasia – devemos ser encontrados vivendo no gozo do amor de Deus. Ele não diz: “Continue a amar a Deus”. Ele também não diz: “Conservai Deus amando você”. Mas sim, “Conservai-vos no amor de Deus”. Ele não está falando de nosso amor por Deus, mas de Seu amor por nós! É como o Sol brilhando na rua; um lado dela pode estar na sombra e o outro lado na luz do Sol. De que lado andamos? Deus ama todos os Seus filhos igualmente, mas eles não desfrutam do Seu amor no mesmo grau. Nós nos mantemos no desfrute da luz do Sol do Seu amor, julgando a nós mesmos e mantendo nossa comunhão com Ele.
Esperando a Misericórdia de Nosso Senhor Jesus (v. 21b)
Em seguida, Judas aborda nossa expectativa, que deve ser para cima, para a vinda do Senhor (o Arrebatamento). Ele diz: “esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna”. A tendência nestes últimos dias é ocupar-se com as corrupções na Cristandade e no mundo, mas isso não é nosso foco. Lembremo-nos de que aqueles que estão ocupados com o fracasso se tornam um fracasso! A arca de Noé tinha uma janela “em cima”, da qual ele e sua família poderiam olhar. Isso fala de ter uma perspectiva celestial. A janela não estava no lado da arca. Se estivesse lá, eles poderiam estar ocupados com a cena da morte ao redor deles, e isso seria desalentador.
Este é o único lugar na Escritura onde a vinda do Senhor é mencionada como sendo uma “misericórdia”. Querer ser tirado deste mundo corrupto não é a principal razão para querer que o Senhor venha, mas que misericórdia será! A “vida eterna4” é vista aqui como estando no final de nosso caminho quando estivermos glorificados e em nossa esfera apropriada, onde a comunhão com o Pai e o Filho será nosso prazer sem distração.
Envolvidos em Serviço (vs. 22-23)
Por último, devemos nos envolver em serviço ativo para o Senhor, alcançando aqueles que estão confusos e enredados nos erros da Cristandade. Judas diz: “E a alguns convença quando contendendo. A outros salve, tirando-os para fora do fogo. E de outros se compadeça com temor, odiando até a vestimenta manchada com a carne” (tradução de W. Kelly). O Sr. Kelly comentou: “Nossa versão – a chamada Autorizada [KJV[12]] – analisa apenas dois casos. ‘E de alguns tenhas compaixão, fazendo uma diferença’ – isso é uma classe; ‘e outros salvai com temor, puxando-os para fora do fogo; odiando até a vestimenta manchada pela carne’ – esta é a segunda classe. Ora creio que existem três classes, e não apenas duas” (Lectures on the Epistles of Jude, pág. 152).
[12]   N. do T.: As versões em português também consideram apenas duas classes. ↑
As palavras de Judas aqui mostram que estender a mão para ajudar as pessoas requer discernimento, pois nem todos os casos são iguais. Em tempos de abandono da verdade, devemos distinguir entre os líderes e os liderados. Alguns são mestres obstinados e cabeças-duras; outros são meros seguidores que foram induzidos, pelos mestres errôneos, a tropeçar (Rm 16:17-18). Note também que há uma ordem moral nesta passagem. Só depois de Judas ter falado de ser edificado sobre a santíssima fé, orando no Espírito Santo, desfrutando do amor de Deus por meio da comunhão, e tendo a iminência da vinda do Senhor diante de nossa alma, que ele nos encoraja a estender a mão para ajudar os outros. Nossa eficácia em servir ao Senhor será grandemente prejudicada se essas outras coisas não estiverem no lugar apropriado em nossa vida.
A primeira classe de pessoas são os líderes entrincheirados em suas doutrinas malignas. Não devemos tentar salvá-los, pois eles são apóstatas que não podem ser levados ao arrependimento e recuperados (Hb 6:4-6). Pelo contrário, devemos ‘convencê-los’ com a verdade. (Esta é a mesma palavra usada no versículo 15, tendo a ver com uma pessoa condenada sendo envergonhada, para que sua culpa seja evidente para todos). O Sr. Kelly apontou que a frase “fazendo uma diferença” (KJV) no versículo 22, deve ser traduzida “quando contendendo”. É claro que esses homens não querem a verdade; eles querem contender. A palavra usada no versículo 9, em conexão com o diabo, contendendo com Miguel o arcanjo, é a mesma palavra usada aqui. Portanto, esses adversários da verdade estão fazendo o trabalho de seu mestre!
A segunda classe de pessoas pode ser salva “tirando-as para fora do fogo”. Essas não são os enganadores, mas sim enganadas pelos enganadores. Elas foram enlaçadas inconscientemente nas más doutrinas e precisam ser libertadas dessas falsas noções. Sendo edificados sobre a santíssima fé e instruídos na verdade, como Judas impõe, devemos ser capazes de guiar essas pessoas para fora dessas doutrinas errôneas, se suas vontades não estiverem em ação. Nota: é “tirá-los”, não “empurrá-los” para fora da confusão espiritual e desordem que eles se meteram. Empurrando implica entrar na vala com eles, mas fazendo isso, podemos nos enredar no mal. Não, antes, devemos ficar separados da corrupção, permanecendo em terra firme e retirá-los. A salvação da qual Judas fala aqui não é a salvação eterna da alma; isso é algo que somente o Senhor pode fazer por meio de fé em Sua obra na cruz. Esta é uma salvação prática dos erros doutrinários na Cristandade (1 Tm 4:16).
A terceira classe são aquelas pessoas de quem Judas diz: “E de outros se compadeça” (tenha “compaixão”). Essas são pessoas que se tornaram tão corrompidas moral e espiritualmente que, ao alcançá-las, precisamos ser mais cuidadosos para não nos deixarmos contaminar pelas circunstâncias em que as encontramos. Por isso, Judas acrescenta: “Odiando até a vestimenta manchada com a carne” (JND). Uma “vestimenta” é algo que envolve uma pessoa quando está vestida dela e é usada figurativamente na Escritura para indicar as circunstâncias em que ela vive (Lv 13:47-59; Mc 10:50, etc.). Devemos odiar suas vestes porque suas circunstâncias são contaminantes. Assim, devemos amar a pessoa, mas odiar seus pecados – e esse ódio deve ser mantido em todos os momentos. Estando conscientes das situações contaminantes em que essas pessoas estão, devemos trabalhar com “temor” de nos tornarmos impuros por tal contato e, portanto, devemos proceder com cautela. Não é uma questão de tolerar o mal em que eles estão, mas estar ciente disso, e permanecer moralmente separado dele, enquanto procuramos libertá-los.
