Origem: Livro: A Lei – O Relacionamento Apropriado do Cristão com a Lei
O Contexto Histórico
Antes de examinarmos esses três pontos, devemos considerar o contexto histórico da lei. Abraão nunca esteve sob a lei, nem Isaque ou Jacó. Na verdade, podemos incluir os doze filhos de Jacó também. A lei foi dada aos filhos de Israel no deserto do Sinai, no Monte Horebe. Encontramos o relato em Êxodo 19. Até aquele momento, Deus havia agido para com os filhos de Israel em graça pura e soberana de acordo com Sua própria fidelidade (Êx 6:6-8). Ele os levou sobre asas de águia e os trouxe para Si (Êx 19:4). O capítulo 16 de Ezequiel nos dá uma imagem gráfica do cuidado amoroso de Jeová para com Israel. Visto como uma criança abandonada, coberta pela sujeira de seu nascimento, Israel era rejeitado e não amado. Não havia nada neles para merecer o favor de Deus. Deuteronômio confirma isso: “O Senhor não tomou prazer em vós, nem vos escolheu, porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos, pois vós éreis menos em número do que todos os povos, mas porque o Senhor vos amava; e, para guardar o juramento que jurara a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão forte e vos resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito” (Dt 7:7-8). Deus, em Sua soberania, escolheu Israel e os separou para Si para serem um povo santo: “E ser-Me-eis santos, porque Eu, o Senhor, Sou Santo e separei-vos dos povos, para serdes Meus” (Lv 20:26).
Havia uma conduta correta e apropriada, adequada ao relacionamento para o qual os filhos de Israel foram trazidos. É nessa conjuntura que Jeová apresenta a lei. “Se diligentemente ouvirdes a Minha voz e guardardes o Meu concerto, então, sereis a Minha propriedade peculiar dentre todos os povos” (Ex 19:5). A isso Israel respondeu: “Tudo o que o Senhor tem falado faremos” (Êx 19:8). Eles repetiram essa promessa ao longo de sua história, mesmo quando claramente a violaram: “Então, disse o povo a Josué: Não; antes, ao Senhor serviremos… Agora, pois, [disse Josué] deitai fora os deuses estranhos que há no meio de vós” (Js 24:21, 23; ver também Ne 9-10).
Pode-se perguntar: Israel teve escolha? Eles certamente tiveram uma escolha quanto ao linguajar da resposta por eles dada. O homem, entretanto, é confiante em sua própria capacidade de se colocar diante de Deus. Nada mudou a esse respeito. Diga a uma pessoa que ela precisa de um Salvador e ela perguntará: Por quê? Além disso, o homem falha em dar crédito a Deus pelo seu sucesso. (Porém, se as coisas não vão bem, então Deus leva a culpa!) Se Israel tivesse considerado por um momento as circunstâncias de sua saída do Egito, isso poderia ter-lhes dado razão para uma reflexão. Eles eram melhores do que os egípcios? Somente o sangue do cordeiro protegeria o primogênito, não seus méritos. E quanto ao Mar Vermelho? Antes de deixarem o Egito, já estavam reclamando e acusando Moisés (Êx 14:11-12). Eles deviam tudo à misericórdia de Deus e, ainda assim, juraram fazer tudo o que Jeová havia dito. Eles não conheciam o próprio coração. Havia alguns em Israel que acreditavam em Deus e procuravam andar na fé; a maioria, porém, não: “A palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram” (Hb 4:2).
A lei se endereça a um povo terreno. Um israelita é aquele que pode atestar sua linhagem de sangue desde Jacó[2]. A lei é muito atrativa para o homem natural – sua solenidade e cerimônia são muito atrativas. Além disso, ela faz uma exigência ao homem; uma demanda que ele pensa que pode atender e, assim, provar a si mesmo. O homem aproveita a oportunidade e diz: Eu posso fazer isso! No entanto, não é preciso fé para sacrificar um cordeiro e oferecê-lo de acordo com os estatutos da lei. Todavia, se oferecido sem fé, não significa nada aos olhos de Deus (1 Sm 15:22; Pv 15:8; Is 66:2-3). Não estou sugerindo que tudo na lei possa ser expresso como uma mera observância religiosa externa, mas mesmo os estatutos morais, em sua maior parte, parecem estar ao alcance de uma pessoa boa. Certa vez, ouvi um judeu comentar sobre os Dez Mandamentos. Em sua opinião, os primeiros nove eram razoáveis – o último, porém, estava fora de lugar. Esse mandamento diz: “Não cobiçarás” (Êx 20:17). Foi exatamente este que levou o homem à morte no sétimo capítulo de Romanos: “Mas eu não conheci o pecado senão pela lei: Não cobiçarás... Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou e, por ele, me matou” (Rm 7:7,11). É evidente que esse judeu sentiu a mesma dificuldade. Como o príncipe do Evangelho de Lucas; talvez ele pudesse dizer que guardava toda a lei desde a juventude, mas o último mandamento o fez desistir: “E, quando Jesus ouviu isso, disse-lhe: Ainda te falta uma coisa: vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-Me” (Lc 18:22). O último mandamento toca nas próprias fontes do coração – aquilo que motiva tudo mais.
[2]  N. do A.: Isso explica a importância das genealogias para um israelita. ↑
A lei não produz justiça, ela a exige. A lei pressupõe a presença da justiça para agir de acordo com seus preceitos. Se eu pedir dinheiro de outra pessoa para saldar uma dívida, há o pressuposto de que os fundos possam ser produzidos. Se não puderem, o indivíduo está falido. A lei sondou o coração do homem para ver se havia algo capaz de corresponder ao caráter de Deus Jeová. O que foi encontrado? Nada![3]
[3]  N. do A.: Reciprocamente, Jesus diz de Si mesmo: “Se aproxima o príncipe deste mundo e nada tem em Mim” (Jo 14:30). ↑
No terceiro capítulo de Romanos, o veredito de Deus sobre o homem é dado: “Não há um justo, nem um sequer” (Rm 3:10). Quanto ao judeu debaixo da lei, é dito: “Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus” (Rm 3:19). Mais adiante, na mesma epístola, o apóstolo escreve: “Mas Israel, que buscava a lei da justiça, não chegou à lei da justiça. Por quê? Porque não foi pela fé, mas como que pelas obras da lei. Tropeçaram na pedra de tropeço” (Rm 9:31-32). Israel incorretamente supôs que poderia obter sua própria posição justa diante de Deus por meio das obras da lei. Nessa tentativa, falharam completamente. A lei mostrou-lhes que eram pecadores. Além disso, em sua tentativa de obter justiça por si mesmos, tornaram-se cegos quanto ao seu verdadeiro estado (Mt 15:14; Rm 11:8). No evangelho de João, os líderes religiosos dizem: “Mas esta multidão, que não sabe a lei, é maldita” (Jo 7:49). Se eles conhecessem a lei, teriam reconhecido que todos estavam amaldiçoados: “Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição” (Gl 3:10).
