Origem: Livro: Breves Meditações
Convicto, Porém Confiante
Leio esta pequena frase como se fosse o lema comum de todos os santos. Ela nos descreve concisamente, glorificando a Deus e humilhando o pecador. É também a experiência da fé. Gravemo-la em nosso espírito e a proclamemo-la como nossa confissão: “Convictos, porém confiantes”. As grandes casas da Terra têm seus vários brasões e lemas, memoriais de distinção familiar. Este pode ser o lema familiar dos santos, não para distingui-los uns dos outros, mas cada um e todos eles se distinguirem de um mundo que busca manter seu próprio caráter e manter sua própria boa opinião de si mesmo, sem conhecer o segredo da confiança em Jesus.
Essa confiança, a confiança de um pecador em um Salvador, é o que Deus propõe a Si mesmo para a glória do Seu grande Nome, neste mundo revoltado. Tendo nos exposto sob a lei, Ele nos diz (como alguém já disse), como no Evangelho: “Descobri que não posso confiar em você; agora você precisa confiar em mim”.
Deus reivindica nossa confiança, e Ele graciosamente Se intitulou a ela. Ele aceitou a morte de Cristo pelos pecadores. Ele é justo quando perdoa, por causa da obra de Cristo e por causa da glória da Pessoa d’Aquele que realizou essa obra. Não é a misericórdia que perdoa o pecador crente; é a “justiça”. A graça proveu e concedeu o Filho. Isso é verdade – misericórdia insondável, inestimável. Mas é a justiça que aceita o Filho e o que o Filho fez e aperfeiçoou pelos pecadores. Apoiamos nossa alma e nossas esperanças em fatos – não em raios de Sol em nosso espírito, nem em promessas da Palavra, nem na ajuda de Deus. Mera ajuda não bastaria para aqueles que já estão sob condenação – promessas a nós não atenderiam às exigências de Deus sobre nós. É baseada em fatos, em ações aconselhadas, realizadas e aceitas entre Deus e Seu Cristo, e quanto a nós, nós nos apoiamos – uma âncora da alma segura e firme.
“Convictos, porém confiantes”. Sim, é um lema apropriado para a família de pecadores crentes e resgatados.
Precisamos estar convictos, ou não nos conheceríamos; precisamos confiar, ou não conheceríamos a Deus. A confiança pode ser mais firme e perfeita em algumas almas vivificadas do que em outras – e, portanto, a convicção pode ter diferentes medidas de intensidade. A Escritura ilustra essas coisas, e a experiência as comprova todos os dias. Ainda assim, o Deus bendito, no evangelho do sangue de Jesus, intitula-Se à mais plena confiança e a reivindica; e certamente nós, pecadores, temos que nos submeter à convicção; e isso o pecador crente pode tomar, e certamente tomará, como seu lema, como aquilo que adorna sua condição e memoriza seu caráter: “CONVICTO, PORÉM CONFIANTE”.
Adão conheceu essa condição assim que saiu do seu esconderijo e “submeteu” seu corpo nu para ser vestido com a túnica que a própria mão de Deus havia feito para ele. E assim, todos nós sabemos que a mesma condição é nossa, quando, como pecadores, pela fé nos submetemos “à justiça de Deus” (Rm 10:3).
A fé patriarcal, que tomou conhecimento da morte em nós mesmos, mas também tomou conhecimento de Deus como um Vivificador dos mortos, fez o mesmo.
Israel, colocando o sangue na verga da porta, para se proteger, na provisão de Deus, da morte que estava espalhada na terra, fez o mesmo.
Todas as ordenanças da lei, suas lavagens e sacrifícios, repetiam o mesmo continuamente. Demonstravam que tínhamos nos destruído, mas que em Deus e em Suas provisões tínhamos a nossa salvação.
Todos os profetas ensinaram a mesma coisa; mas Isaías, Ezequiel e Daniel passaram pela experiência disso, e Isaías, por assim dizer, passou pela história disso.
E agora, é característico do evangelho publicar este fato e convidar os pecadores, pela fé, a assumirem esta condição, a adotarem este mesmo lema, como o chamei, como seu próprio, a expressão de seu estado, e aquilo que revela o que são: “convictos, porém confiantes”. Isso é ilustrado nas almas vivificadas do Novo Testamento – em Pedro, em Paulo, na samaritana, nos três mil, no carcereiro, em Natanael e em todos os outros. E em cada um de nós, até hoje, e até que o último pecador seja salvo, por assim dizer, passa pela mesma história, em espírito ou na experiência de nossa alma.
Preciosa é esta unidade, esta luz e inteligência comuns, esta unidade na natureza que todos recebemos em Cristo. Somos todos um, como estando nesta condição.
Mas entre todos os casos que ilustram ou apresentam essa condição, nenhum no-la apresenta de forma mais impressionante do que Davi em 2 Samuel 23.
Davi havia envolvido sua consciência além, talvez, do que qualquer santo de Deus jamais havia feito. A cor escarlate e carmesim de seu pecado era realmente profunda. Não precisamos recapitular os detalhes disso. E profundamente, de fato, ele havia sido convencido. Muitos dos Salmos podem nos contar isso, e grande parte da história que encontramos nos capítulos anteriores a esse. E em suas “últimas palavras”, como ele chama sua declaração aqui, podemos ver o mesmo – que ele havia sido completamente convencido. Pois ele confessa que sua casa não estava com Deus como deveria estar – e isso era fruto de seu próprio pecado. Ele mesmo havia trazido uma espada para dentro dela, a qual jamais seria embainhada até que ele entregasse aquela casa a outro. Mas, embora assim convicto, tomando conhecimento dos julgamentos que o haviam atingido, ele ainda assim confia – e expressa sua confiança nestas suas “últimas palavras” – em uma linguagem verdadeiramente abençoada. Ele fala de uma bem-aventurança futura e eterna, perfeita em seu caráter, clara e certa no título que ele possuía dela. Era, como ele diz, “em tudo bem definida (ordenada) e segura” (ARA).
E ele pode falar do juízo dos “filhos de Belial”. Isso é impressionante. No dia do seu pecado, ele havia sido chamado por esse mesmo nome. “Sai, sai, homem de sangue, e homem de Belial”, disse-lhe Simei. E ele não respondeu a Simei. Antes reconheceu que Deus deu a Simei a incumbência de assim acusá-lo. Os filhos de Belial poderiam, portanto, dizer que ele era tão mau quanto eles. Mas, diante de tudo isso, ele não tem medo; nem hesita em pronunciar o juízo contra eles, confiante de que, nas riquezas da graça, por mais que eles o condenassem, Deus o havia separado deles. Assim como Pedro pode enfrentar e desafiar os Judeus como negadores do Senhor, o Santo e o Justo, embora ele próprio tivesse sido, literal e simplesmente, um negador d’Ele. E Paulo pode condenar sua própria nação pelas mesmas coisas que caracterizaram sua própria culpa (1 Ts 2:15).
Esta foi uma declaração maravilhosa de um homem “convicto, porém confiante”. Era uma voz ouvida, vinda das regiões dos restaurados. Davi não era apenas um pecador, olhando das ruínas que ele mesmo havia criado para o Deus da salvação. Ele era um desviado restaurado, olhando, em meio às terríveis ruínas que havia trazido sobre si, e das quais jamais escaparia enquanto vivesse, para Aquele que era seu em laços que o manteriam por toda a eternidade. E isso confere a esta declaração uma peculiaridade notável. É uma voz ouvida vinda das regiões dos restaurados.