Origem: Livro: Breves Meditações

O Dinheiro da Expiação

Quanto mais simples for a nossa apreensão de “expiação” ou “reconciliação” (a mesma coisa), mais felizes seremos. Ela indica uma mudança de condição em relação a Deus. Em vez de estarmos afastados d’Ele, somos aproximados; em vez de estarmos em um estado de inimizade, estamos em paz com Ele. Tal é a nossa condição. Qualquer que seja a experiência que tenhamos dela, nossa condição é a de paz com Deus, quando recebemos a expiação que foi realizada pelo sangue da cruz.

Mas essa reconciliação, essa condição de paz com Deus, repousa no fato de que Deus encontra Sua satisfação no que Cristo fez na cruz por nós. Minha paz com Deus depende de Sua satisfação em Cristo. Se Deus não descansasse n’Ele e em Sua obra por mim, eu não poderia descansar em Deus. Se a exigência de Deus, em justiça, contra mim, não tivesse sido atendida, eu não teria nenhuma base para falar de reconciliação ou tomar meu lugar em paz diante de Deus. Eu era devedor para com Deus – devedor para morrer sob a pena que Ele justamente impôs ao pecado. Cristo agiu como meu Fiador diante d’Ele. Ele assumiu minha causa como pecador. Se Deus não estivesse satisfeito com minhas responsabilidades para com Ele, eu ainda estaria distante d’Ele, Ele ainda teria uma questão comigo, uma exigência sobre mim e contra mim.

Portanto, pergunto: Deus ficou satisfeito com o que Cristo fez por mim? Respondo que sim, pois Ele me fez saber disso pelos testemunhos mais maravilhosos, gloriosos e magníficos que se possa conceber. Ele tornou pública a Sua satisfação na cruz de Cristo, em Cristo como o Purificador dos pecados, pela boca das testemunhas mais irrepreensíveis que já foram ouvidas em um tribunal onde a justiça ou a retidão presidiram o julgamento de uma questão. Ele me diz que todas as Suas exigências contra mim, como pecador, foram plena e justamente cumpridas.

O véu rasgado declara isso. O sepulcro vazio declara isso. A ascensão de Cristo declara isso. A presença do Espírito Santo aqui (dádiva como Ele é, e fruto da glorificação do nosso Fiador) declara isso.

Alguma vez já foram prestados testemunhos tão grandiosos no debate de uma causa? Testemunhas de maior dignidade, de crédito tão incontestável, foram trazidas à tona para prestar seus depoimentos? Já foram prestados depoimentos em estilo tão convincente?

A sequência é bem ponderada. A paz com Deus é a nossa condição, uma condição estabelecida pelo próprio Deus. Pois invocamos a cruz de Cristo como nosso título para a paz, tendo o próprio Deus declarado que Ele e todas as Suas exigências contra nós são satisfeitas nessa cruz e por ela. Deus descansa em Cristo, e nós também.

Minha experiência pode ser fria e frágil. Ela o é com certeza. Pode ser obscurecida por dúvidas, temores e outras afeições das quais eu deveria me envergonhar. Mas minha condição é segura e forte – assim como é o próprio trono de Deus. O Purificador dos pecados foi ressuscitado dentre os mortos, por meio do que respondeu pelos pecados, e foi elevado a esse trono como tal Purificador, e se Ele puder ser movido, assim deverá ser também o trono onde Ele Se assenta. Se Ele for rejeitado ali, a palavra, o chamado e a voz de Deus que O convocou e O assentou ali devem ser refutados e rejeitados também. “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus” deve ser lido como expondo nossa condição, e não nossa experiência. Pela fé na morte e ressurreição do Cordeiro de Deus, somos justificados, estamos em um estado de aceitação com Ele, permanecendo na justiça divina, ou como “a justiça de Deus”. Este é o nosso estado, nossa condição diante d’Ele, nosso relacionamento com Ele. Nossa experiência pode não medi-lo, mas é assim; embora certamente nossa experiência deva ser como nossa condição.

Mas deixe-me olhar um pouco mais especificamente para o Êxodo 30.

Esta ordenança do dinheiro da expiação nos diz que Deus Se apropria de Seus eleitos apenas como um povo resgatado. E certamente sabemos que é assim. Se não formos resgatados, não somos d’Ele. Se não estivermos no valor do sangue de Cristo, não somos contados para Ele como parte da Sua herança, ou como pertencentes a Ele[2].
[2] O ato de contar é o símbolo da apropriação. Contar coisas expressa a possessão delas (Sl 147:4).

Antes da instituição desta ordenança, esta era uma verdade reconhecida. Era o primogênito, seja de homem ou de animal, que era Seu, no Egito, porque era o primogênito que havia sido resgatado (Êxodo 12-13). E depois deste tempo, nos dias do Novo Testamento, aprendemos o mesmo. O Senhor Jesus diz a Pedro: “Se Eu te não lavar, não tens parte Comigo” (João 13). E certamente, posso dizer novamente, sabemos que isso é assim; somente o temos aqui, entre milhares de outros, na boca destas três testemunhas; pelo testemunho da Páscoa, pelo testemunho desta ordenança do dinheiro da expiação e da palavra do seu Senhor em João 13.

Mas esta ordenança não apenas nos diz que devemos nos encontrar assim entre o povo de Deus, sendo um povo resgatado – um povo que faz menção diante d’Ele do sangue de Cristo, e somente dele, trazendo consigo à Sua presença o dinheiro da expiação, e somente ele – mas também nos diz que foi Ele mesmo que determinou e estabeleceu o que esse resgate ou dinheiro da expiação haveria de ser.

Quando pensamos nisso é cheio de consolação. Aprendemos tudo sobre o caminho para chegar a Deus a partir d’Ele mesmo. Não precisamos raciocinar sobre isso, mas aceitar Seu relato do assunto em todas as suas características. Cada israelita tinha que se apresentar a Deus com seu meio-siclo, que era chamado de “dinheiro da expiação”. Não fazia diferença se era rico ou pobre. Ele não precisava estimar sua oferta por si mesmo, o Senhor havia prescrito e estabelecido o que ela deveria ser. E todos e cada um compareciam juntos em virtude de um único e mesmo resgate.

Para que possamos chegar a estas conclusões, com toda a clareza, decisão e simplicidade. É o beneplácito (ou boa vontade) divino, e a revelação segura de Deus, que Deus teria o Seu povo Consigo e diante d’Ele apenas como um povo resgatado – o preço, a qualidade e a medida do resgate sendo determinados inteiramente por Ele, para que não tenham que contestar ou questionar, sejam eles quem forem, ricos ou pobres; e que, desta forma, todo o Seu povo não só é reconciliado e trazido de volta a Ele, mas também ligado em uma única e mesma salvação, e motivado por uma única e mesma fonte de triunfo e exultação.

A consciência de um pecador, instruída pela Escritura, pode, portanto, entregar-se a esses pensamentos e garantias. O verdadeiro meio-siclo, o verdadeiro dinheiro da expiação, e esse é “o sangue do Cordeiro”, é a consideração, a consideração plena, suficiência e estabelecida, sobre a qual se baseia a aliança de paz. É um resgate justo. Deus é justo enquanto justifica o pecador que confia no resgate. O próprio Senhor diz a respeito dele: “A nova aliança no meu sangue” (AIBB). É chamado de “o sangue da aliança eterna”, e nos é pregado que, em virtude dele, Deus, como “o Deus de paz”, “tornou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande Pastor das ovelhas”, um Pastor-Salvador para os pecadores (Hb 13:20).

E eu poderia acrescentar a isso, e ao que já disse, que a suficiência desse meio-siclo místico, desse precioso sangue da expiação, é apresentada de uma maneira bela em contraste com a insuficiência de todos os outros sacrifícios, em Hb 10:1-18.

A insuficiência de todas as ofertas levíticas é aí concluída a partir do testemunho que elas mesmas dão de si. Por suas próprias bocas, elas são julgadas – e nenhum julgamento pode ser de qualidade superior a esse. Assim, o fato de que aquele que fazia essas ofertas, o sacerdote no santuário levítico, apenas aparecia diante de Deus, tendo que sair novamente da presença divina para repetir o mesmo sacrifício no tempo determinado. O fato de que tal repetição era feita ano após ano, mantendo assim o pecado, e não a remissão dele, em memória. O reconhecimento solene da insuficiência daqueles sacrifícios ou ofertas, pelo próprio Cristo, quando, no rolo do livro, Ele vem apresentar-se como pronto na causa dos pecadores, para fazer a vontade de Deus. E então, a impossibilidade da coisa em si, de que o sangue de touros e bodes pudesse tirar o pecado.

Em contraste com isso, temos a suficiência do sangue de Cristo notavelmente testificada e concluída. O fato de que Ele está assentado no santuário celestial, tendo satisfeito a Deus pelo sacrifício que Ele ofereceu, e, consequentemente, saudado e acolhido, e levado a tomar o Seu lugar para sempre diante de Deus como o Purificador dos pecados. O fato também de que Ele está agora ocupado com pensamentos e expectativas sobre o Seu reino vindouro, não precisando mais pensar sobre o pecado e a expiação por ele, como fez no rolo do livro, ou no dia do estabelecimento dos termos da aliança eterna. E o fato adicional de que o Espírito Santo, na nova aliança a qual está selada pelo sangue de Cristo, fala da remissão dos pecados; não, como faziam os sacerdotes levíticos, sobre os sacrifícios que ofereciam, da lembrança deles.

Tudo isso é encorajador e assegurador. Mas devo acrescentar mais uma coisa. A suficiência do verdadeiro meio-siclo, o verdadeiro dinheiro da expiação, não se baseia simplesmente no fato de ter sido designado por Deus, mas em sua própria natureza. É designado por Deus, por causa de sua natureza, por causa de sua suficiência intrínseca. É um meio-siclo “do santuário”, tendo sido pesado na balança do Santo dos Santos e considerado de pleno valor diante do trono de Deus. Não devemos dizer que o sangue do Cordeiro representa os caminhos designados, como se Deus pudesse ter escolhido ou tomado algum outro. Devemos, antes, dizer que é o único caminho, pois nesse sacrifício, e somente nele, Deus é justo e o Justificador dos pecadores. É o preço, o único preço, que mede a dívida, que satisfaz as balanças do santuário e que dá ao pecador uma resposta diante do trono da justiça. Mistério bendito! – ele faz tudo isso. De modo que o apóstolo se perde em admiração, enquanto contempla esta grande visão, enquanto medita naquele sacrifício que tinha a virtude da “imaculabilidade” e do “Espírito eterno”. Vemo-lo tratando com certo desprezo e indignidade a ideia do sangue de touros e bodes, dizendo: “É impossível que o sangue de touros e de bodes tire pecados” (TB). Mas com fervor de espírito, como alguém que se perdia em admiração, amor e louvor, olhando para a cruz de Cristo, ele diz: “Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno Se ofereceu a Si mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo?” (Hb 9:14; 10:4).

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