Origem: Livro: O Espírito Santo

Dons Espirituais

A palavra grega para dom é carisma. O Movimento Carismático é, como o nome sugere, ocupado com os dons derramados sobre a igreja primitiva, e especialmente os dons milagrosos de cura e falar em línguas. Nisso eles caíram na mesma armadilha da igreja de Corinto.

A assembleia em Corinto não ficou atrás em nenhum dom (1 Co 1:7). Apesar disso, seus problemas eram numerosos: divisões, carnalidade, imoralidade e até mesmo a negação da ressurreição! Cada um deles é abordado pelo apóstolo Paulo em sua primeira epístola. A essa confusão devemos também acrescentar o abuso do dom. Os coríntios gostavam de falar em línguas e o apóstolo dedica grande parte dos capítulos 13 e 14 a esse assunto – conforme o espírito os move, eles exercitam seu dom (1 Co 14:26, 29). Mas que espírito era? Não era uma manifestação do Espírito Santo.

Fundamental para o erro cometido pelos carismáticos é a sua falta de compreensão sobre o batismo do Espírito Santo. Para eles, é algo que alguém experimenta após a salvação (distinto da habitação do Espírito), que os enche com o poder do Espírito para testemunho e ministério. Em sua opinião, o batismo do Espírito Santo é algo a ser buscado e pelo qual se deve orar. Alguns também acreditam que o batismo do Espírito Santo é acompanhado pelo falar em línguas.

Esses ensinos estão em desacordo com a Escritura. Quanto ao primeiro, já foi abordado. Vou apenas repetir o que o apóstolo Paulo nos dá: “Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito” (1 Co 12:13). O batismo do Espírito Santo incorporou os primeiros crentes ao corpo de Cristo, a Igreja. Não há nada aqui sobre uma segunda bênção ou o encher do Espírito. Como este é o único versículo que nos dá o significado doutrinário do evento, qualquer interpretação alternativa nada mais é do que uma invenção da parte do homem. Depois do Pentecostes, não temos exemplos, nem recebemos instruções para oração para o Espírito Santo – nem pela habitação do Espírito e certamente nem pelo batismo do Espírito Santo.

Quanto ao ensino de que as línguas devem acompanhar o batismo do Espírito Santo, em certo sentido isso está correto. Tanto no dia de Pentecostes quanto em Cesareia, quando o Espírito Santo foi derramado sobre aqueles crentes (batizando-os naquele um corpo), eles realmente falaram em línguas (At 2:4; 10:46). O erro está em ver o batismo do Espírito Santo como individual – como algo a ser experimentado por cada crente.

Na minha época de estudante, certa tarde eu estava parado nos portões da universidade esperando por uma carona de meu irmão. Enquanto eu estava sob as árvores frondosas que emolduravam a entrada, fui abordado por um jovem que me perguntou como estava minha alma. Recebi sua saudação de bom grado; era encorajador encontrar outro crente – eles eram poucos e distantes entre si. Embora eu não questione a fé do jovem evangelista, o que ele disse, no entanto, era completamente estranho para mim. Ele me disse que, a menos que eu falasse em línguas, não poderia ter certeza da minha salvação! O falar em línguas como sendo uma parte necessária da experiência Cristã era tão perturbador naquela época quanto é agora. O jovem continuou afirmando que quando uma pessoa recebia o Espírito Santo no Novo Testamento, era sempre acompanhado por línguas. Certamente houve tais casos: “E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas e profetizavam” (At 19:6). Mais ou menos nesse momento, meu irmão chegou e nossa conversa terminou. Foi só algum tempo depois, enquanto estava lendo o livro de Atos, que percebi a falsidade de sua declaração. Lá encontramos ocasiões em que pessoas receberam o Espírito Santo ou foram cheias d’Ele e, ainda assim, não há menção de línguas (At 4:8; 8:17; 9:17; 13:52 etc.). Sem dúvida, havia algo que evidenciava a presença do Espírito com o indivíduo, mas insistir em línguas é acrescentar o que a Escritura não diz.

Satanás é um inimigo astuto. Sabemos que ele usou espíritos enganadores no passado para colocar palavras na boca dos homens: “Eu sairei e serei um espírito da mentira na boca de todos os seus profetas” (1 Rs 22:22 24). Devemos esperar que ele faça o mesmo hoje. “Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo” (Ef 6:11). Não estou sugerindo que todos os casos de línguas sejam obra de um falso espírito, nem mesmo a maioria. No entanto, a pressão para falar em línguas (imagine se sua salvação dependesse disso) pode levar alguém a se enganar ou, pior ainda, a se abrir à influência satânica. Falar em línguas é um dom milagroso facilmente reivindicado. Sem um intérprete, quem pode julgar? Mesmo com um intérprete, quem pode ter certeza de que ele está traduzindo fielmente?

Os santos em Corinto se disputavam para exibir seus dons espirituais (1 Co 14:23, 26), mas não era para a edificação de outros; era para a auto edificação (1 Co 14:4), ou, podemos dizer, autoglorificação. Paulo escreve: “Segui a caridade e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar… Mas o que profetiza fala aos homens para edificação, exortação e consolação” (1 Co 14:1, 3). Por que esse fascínio pelas línguas? Como isso glorifica a Deus? Especialmente quando o balbucio apresentado hoje como línguas é visto pelos incrédulos como loucura (1 Co 14:23).

Considere por um momento os discípulos dos Evangelhos e compare sua conduta com aquela encontrada no livro de Atos – o que explica essa grande diferença? Vemos, por exemplo, pouco do Pedro que conhecemos nos Evangelhos, na pregação em Atos dois. Essa grande diferença é explicada pela habitação do Espírito Santo. Eles não eram os mesmos homens. Sua coragem, a pregação poderosa, é o Espírito Santo operando. Os apóstolos eram “homens sem letras e indoutos”, mas sua pregação era motivo de admiração. Além disso, “tinham conhecimento de que eles haviam estado com Jesus” (At 4:13). Deve ser nosso desejo que outros reconheçam que nós também estivemos com Jesus. Esta é a manifestação do Espírito Santo em nossas vidas que devemos buscar – não línguas e nem dons de sinais.

As línguas foram dadas como um sinal para aqueles que não criam, e especialmente para os judeus incrédulos. “Está escrito na lei: Por gente doutras línguas e por outros lábios, falarei a este povo; e ainda assim me não ouvirão, diz o Senhor. De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis; e a profecia não é sinal para os infiéis, mas para os fiéis(1 Co 14:21-22). Vemos o cumprimento disso no dia de Pentecostes. “E em Jerusalém estavam habitando judeus, varões religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu… Como pois os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?… Todos os temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus” (At 2:5, 8, 11). Para um judeu, ouvir as maravilhosas obras de Deus em qualquer língua que não o hebraico era realmente maravilhoso – o hebraico tinha sido e ainda é exclusivamente associado à religião do judeu. Expressar as coisas de Deus em uma língua gentia tinha um significado sem precedentes. “Porventura, não ouviram? Sim, por certo, pois por toda a terra saiu a voz deles, e as suas palavras até aos confins do mundo. Mas digo: Porventura, Israel não o soube? Primeiramente, diz Moisés: Eu vos meterei em ciúmes com aqueles que não são povo, com gente insensata vos provocarei à ira (Rm 10:18-19).

Embora eu não descarte a possibilidade de se falar em línguas nos dias atuais – e com isso, quero dizer em uma língua estrangeira conhecida como no dia de Pentecostes – esse foi um dom que serviu a um propósito único nos primeiros dias da Igreja. Naquela época, era um testemunho claro e visível do poder do Espírito Santo. Milagres, entretanto, não salvam (Jo 2:23-24; Lc 16:30-31). O testemunho do Espírito Santo foi agora totalmente revelado na Palavra de Deus e tanto judeu como gentio, assim como aconteceu com o Israel da antiguidade, resistem a esse testemunho (At 7:51).

Embora Paulo falasse línguas (mais do que todos), ele preferia falar cinco palavras na assembleia “na minha própria inteligência, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em língua desconhecida” (1 Co 14:18-19). É notável que o único ensino bíblico que temos sobre as línguas nos encoraja a não usá-las! “O que fala língua estranha edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza edifica a igreja. E eu quero que todos vós faleis línguas estranhas; mas muito mais que profetizeis, porque o que profetiza é maior do que o que fala línguas estranhas, a não ser que também interprete, para que a igreja receba edificação” (1 Co 14:4-5). Paulo não nega o dom de línguas nem a bem-aventurança dele; mas há algo melhor — aquelas manifestações do Espírito que edificam a assembleia. Observe também que ao dizer: “Quero que todos vós faleis línguas estranhas”, fica evidente por este versículo que esse dom não era comum a todos. Não há uma única passagem da Escritura que expresse a necessidade de se falar em línguas – nem como evidência de salvação ou de outra coisa.

Alguns acreditam que aqueles que falam em línguas falam na língua dos anjos. Eles citam o apóstolo Paulo: “Porque o que fala língua estranha não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala de mistérios” (1 Co 14:2). “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos” (1 Co 13:1). Quanto ao primeiro versículo, é uma extrapolação injustificada sugerir que ele apoia o argumento. Se alguém falasse russo, mandarim ou hindi, de nada me aproveitaria, embora Deus pudesse entender. Como Paulo disse mais tarde: “Mas, se eu ignorar o sentido da voz, serei bárbaro [estrangeiro] para aquele a quem falo, e o que fala será bárbaro [estrangeiro] para mim” (1 Co 14:11). Nenhuma menção de anjos aqui! Quanto ao segundo versículo, Paulo usou esta expressão para mostrar que mesmo que ele pudesse falar em todas as várias línguas dos homens, e mais do que isso, nas línguas dos anjos, sem amor, ele poderia ser tanto como o metal que soa ou como o sino que tine. Não podemos concluir disso que Paulo, ou qualquer outra pessoa, falou na língua dos anjos. O dom de línguas foi a resposta de Deus à confusão que resultou de Babel (Gn 11:1-9); não foi para aumentá-la. Em 1 Coríntios 13, Paulo considera as coisas que incham os santos em Corinto – línguas, profecia, conhecimento, ciência, fé (vs. 1-2) – e mostra que sem amor o exercício desses dons não beneficia a ninguém. Perto do final do capítulo, Paulo diz claramente: “O amor nunca falha; mas, havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá” (v. 8 – JND). A profecia e a ciência serão aniquiladas quando “vier o que é perfeito” (v. 10). Com relação às línguas, no entanto, não diz que “serão aniquiladas”, nem o décimo versículo fala isso; o versículo oito diz claramente que as línguas cessarão.

O Espírito de Deus não nos ocupa conosco, mas com o Senhor Jesus Cristo. Nunca é demais enfatizar que o testemunho adequado do Espírito de Deus não é a exaltação do homem, nem mesmo do Espírito Santo, mas do Senhor Jesus Cristo. “Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito da verdade, que procede do Pai, testificará de mim (Jo 15:26). O Senhor também disse a Seus discípulos: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, Esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito (Jo 14:26). O Espírito Santo é o nosso Mestre, dando testemunho da verdade e relembrando as palavras do Senhor Jesus. “Mas, quando vier aquele Espírito da verdade, Ele vos guiará em toda a verdade, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16:13-14).

Temos nos concentrado no abuso dos dons espirituais e, especialmente, dons de sinais, mas é igualmente importante reconhecer que cada um de nós tem um dom. “Mas a manifestação do Espírito é dada a todo homem para um fim proveitoso” (1 Co 12:7 – KJV). Devemos ser bons despenseiros [administradores] do dom que recebemos; não devemos deixar nosso dom sem uso: “Cada um administre aos outros o dom como o recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (1 Pe 4:10). Há ocasiões, como aconteceu com Timóteo, em que talvez precisemos ser encorajados a usar o dom que recebemos: “Não desprezes o dom que há em ti” (1 Tm 4:14). E também pode haver ocasiões em que ficamos desanimados e devemos ser lembrados de despertar o dom que existe em nós: “Te lembro que despertes o dom de Deus, que existe em ti” (2 Tm 1:6).

Existe uma diversidade considerável de dons. Alguns são públicos, por exemplo, profecia e ensino – estes são para o ministério da Palavra e a edificação da Igreja. Outros são mais privados, como pastorear, ajudar ou ofertar (Ef 4:11-12; 1 Co 12:27-31; Rm 12:8). Querer saber que dom temos é uma preocupação comum. Essa preocupação, entretanto, tem a tendência infeliz de direcionar os pensamentos para dentro de si. Se, por outro lado, prosseguirmos orando em uma caminhada piedosa e fiel ao Senhor – não vivendo na carne satisfazendo suas concupiscências (1 Pe 4:2-3) – lendo diariamente a Palavra, esperando por Sua orientação, não tenho dúvidas de que Ele colocará em nosso coração um trabalho adequado ao nosso dom. Nosso serviço não será realizado com grande alarde, mas em silêncio para o Senhor.

Dom não deve ser confundido com habilidade. É um erro olhar para nossas habilidades para decidir que dom podemos ter – isso é raciocinar a partir do espírito do homem e muitas vezes é confundido com a direção do Espírito de Deus. Moisés objetou quanto à tarefa que Deus lhe deu porque considerou erroneamente, baseado em suas habilidades (Êx 4:10). Deus nos dará o dom e a habilidade. “E a um deu cinco talentos, e a outro, dois, e a outro, um, a cada um segundo a sua capacidade [habilidade – JND] (Mt 25:15). Da mesma forma, a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo” (Ef 4:7). Por confundir dom com habilidade, alguns escolheram um caminho que pouco faz para glorificar a Deus e muito faz para glorificar e divertir o homem.

O Senhor usa quem Ele escolhe. “Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento. Pelo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento” (1 Co 3:6-7). O serviço não tem a ver com o servo; é sobre Aquele a quem servimos. Quando colocamos nossos olhos nos outros e nos comparamos com eles, nosso coração pode facilmente ficar com inveja. “Esses que medem a si mesmos e se comparam consigo mesmos estão sem entendimento” (2 Co 10:12). O foco em si mesmo e no dom sempre resultará em um espírito competitivo e de contenda, como encontramos em Corinto. “Porque ainda sois carnais, pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois, porventura, carnais e não andais segundo os homens?” (1 Co 3:3). “Porque, onde há inveja e espírito faccioso, aí há perturbação e toda obra perversa” (Tg 3:16).

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